Espiral #69: As 5 melhores coisas de fevereiro
Tem arte, livro, filme, disco e uma banda que não é banda
Trilha sonora: Esse vídeo lindo da Hania Rani tocando o álbum “On Giacometti”
Ufa, fevereiro acabou!
Fevereiro foi curto, rasteiro e explosivo por aqui. Muita coisa girando louca na cabeça, na alma e no coração. Ver a última edição sobre comunidades no ar foi uma espécie de milagre, já que o meu foco estava mais escorregadio que sabonete caído no chão.
Saio de fevereiro um pouco quebrada, mas bem o suficiente para remendar os caquinhos, passar uma vassoura na bagunça e carregando uma listinha de aprendizados debaixo dos braços. A principal delas é: Ouça sempre o que o seu corpo diz. Parece simples, mas a gente segue ignorando.
Queria poder dizer que o carnaval foi uma das coisas mais legais que vivi em fevereiro, mas eu fiquei presa em Berlim driblando o inverno e o inferno mental instalado. Mas apesar da maré brava, coisas boas rolaram e divido o que fez meus olhos e ouvidos sorrirem e darem piruetas.
Obrigada Gustavo Torniero pela dica de melhorar a acessibilidade da Espiral. :)
🖼 Karen Lamassonne
Há tempos eu não via uma exposição que me emocionasse tanto quanto a da Karen Lamassonne, no KW Institute, em Berlim. Eu não a conhecia e fui totalmente cativada por suas pinturas apresentadas em séries bem distintas entre si. Lamassonne tem uma trajetória daquelas que só mulheres fascinantes têm.
Ela nasceu em Nova York, tem ascendência colombiana, e foi na Colômbia que deu o pontapé inicial em sua carreira como artista, ainda nos anos 70, época em que a cena artística de Bogotá e Cali era dominada por homens. Eu vi a expo Ruido/Noise, uma instalação artística idealizada por ela no longíquo 1984, mas que finalmente foi colocada em pé pelo Instituto Suíço de NY antes de embarcar para Berlim. Se você está em Berlim ou vai passar por aqui até meados de maio, não deixe de conferi-la. Mas se Berlim está fora de alcance, coloque a artista no seu radar.
Eu gostei especialmente da série Baños (Banheiros, 1978-81), uma série de aquarelas produzidas a partir de ambientes domésticos, como banheiro, quarto, cozinha e corredores. Todas elas são auto-retratos, onde ela, na maioria, aparece somente dos ombros para baixo. É tudo tão sensual e de uma delicadeza só. Na mostra há uma série de fotografias que deram origens às pinturas.
Lamassonne também trabalha com colagens, vídeos, fotografia, storyboards de filmes e desenhos, todos eles presentes na exposição. Essa é a primeira exibição solo da artista, que hoje tem 69 anos e foi vista pela última vez na fila do Berghain, no fim de semana. Já virou meu ícone.
Deixo aqui o catálogo com obras da artista e também um vídeo em que Lamassonne fala sobre a exposição e seu trabalho. Logo no início da apresentação, ela diz “Eu moro em Atlanta, Georgia. Sou colombiana-americana. Artista, eu acho, é como me chamam nos dias atuais.” Fiquei pensando em sua sólida carreira e no provável longo tempo em que ela levou (e o mercado) para reconhecer a artista que é.
📚 Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã
“O que é um jogo? - quis saber Marx. - É amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã. É a possibilidade de renascimento infinito, de redenção infinita. A ideia de de que, se você continuar jogando, pode ganhar. Nenhuma perda é permanente, porque nada é permanente, nunca.”*
Em dezembro eu estava em busca de um livro para presentear uma amiga e caí na “about”, uma livraria temática em Berlim, onde a cada temporada é escolhido uma tema para a seleção de livros que estarão à venda.
Na época, eu estava procurando “As inseparáveis”, da Simone de Beauvoir, livro que eu também recomendo muito. Ele é uma espécie de declaração de amizade que faço presenteando pessoas que eu gosto. Qual foi a minha surpresa ao me deparar com a coincidência do tema que me levava lá: Amizade.
O livro que eu procurava eu não achei, mas encontrei uma livraria pequena e aconchegante, capitaneada por uma historiadora de artes apaixonada por literatura. A seleção dos livros que entram em cada temporada são de curadoria dela e de amigas, além de também promover conversas em torno do assunto.
“Lembre-se sempre, minha Sadie: a vida é muito longa, até não ser mais.”*
A lista não era extensa e fiquei com vontade de ler todos. Comprei o presente e o “Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã”, de Gabrielle Zevin, livro o qual eu não resisti à capa bonita prateada, um romance de formação, conceito que aprendi com a
que é um gênero que explora o processo de amadurecimento e aprendizagem da protagonista, muitas vezes em um ambiente educacional ou familiar.“Prometa que sempre vai me perdoar, e eu prometo que sempre vou te perdoar. Esse, é claro, é o tipo de promessa que os jovens se sentem à vontade para fazer quando não têm ideia do que a vida lhes reserva.”*
“Amanhã, amanhã, e ainda outro amanhã” é um livro sobre amizade, amor e videogames. Zevin narra a história a partir de dois personagens, Sam e Sadie, que se conhecem ainda crianças e se aproximam pela paixão por games, o único constante na vida dos dois durante toda a narrativa. Os personagens são bem desenvolvidos e transitam pelo real e virtual. É um livro complexo, provocador e original. Eu fui sendo sugada para dentro da história o que me fez ler suas mais de 400 páginas em três dias.
“E o que é o amor, afinal? - disse Alabaster. - Exceto o desejo irracional de deixar de lado a competitividade evolutiva para facilitar a jornada de outra pessoa pela vida?”*
Não foi uma leitura que decolou de cara, mas acabei voltando ao livro após ler essa resenha no
. Entrou para a minha lista de livros favoritos dos últimos tempos.O livro está em adaptação para o cinema e eu mal posso esperar para vê-lo na telona.
*Trechos do livro.
🎥 Propriedade, de Daniel Bandeira
“Propriedade”, de Daniel Bandeira, é um filme difícil e sufocante. Fui assisti-lo na Berlinale e saí de lá sem ar, com a cabeça pipocando de perguntas que queria fazer ao diretor, mas a seção com ele tinha sido numa projeção anterior.
O filme conta a história de uma mulher que se tranca num carro blindado para fugir de uma revolta que acontece numa fazenda. É mais ou menos esse o texto que encontramos quando o pesquisamos no Google, que se conecta com a notícia recente sobre o trabalho escravo nas vinícolas no Rio Grande do Sul, como a Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi, onde foram descobertas cerca de 200 pessoas em trabalho escravo.
Nas vinícolas a revolta não aconteceu, diferentemente de “Propriedade”, em que os muitos empregados da fazenda, que trabalham em troca de casa e são obrigados a comprar comida e outros produtos superfaturados (fiado) num mercadinho local, recebem a notícia de que a fazenda será transformada num hotel de luxo e todos serão dispensados. Mas, antes de partirem, precisam pagar suas dívidas, lembrando que eles não recebiam salário e estão com todos seus documentos retidos.
Theresa, vivida por Malu Galli, abre o filme como refém nas mãos de um assaltante armado. Ela, ainda traumatizada, é convencida pelo marido a ficar alguns dias na fazenda da família, onde a revolta explode tão logo chegam. Para salvar a própria pele, ela se tranca em seu carro blindado e o filme gira em torno da tentativa de tirá-la dele.
“Propriedade” é um thriller, com alguns furos e exageros no roteiro, com os trabalhadores usando de extrema violência para tomarem a fazenda de maneira muitas vezes caricata.
Bandeira disse numa entrevista que o Brasil é uma bomba relógio prestes a explodir com um acerto de contas a caminho. Neste vídeo, o diretor, fala que o monstro é o outro com quem a gente não conversa, com que a gente não convive e só supõe que pode fazer as piores coisas com a gente. O que fez sentido ao meu mal estar em sentir empatia pelos dois lados, dos empregados e da Theresa.
🎹 Cracker Island, Gorillaz
Mais do que gostar das músicas do novo álbum do Gorillaz, eu tiro mesmo o chapéu para a habitual genialidade do Damon Albarn, artista de quem sou fã desde a época do Blur.
O Gorillaz, que parecia ser uma brincadeira quando lançado como banda virtual há 22 anos, lançou seu 8º álbum de estúdio, “Cracker Island”. São 15 músicas, a maioria com menos de três minutos (efeito TikTok), cheias de colaborações ilustres de grandes nomes da música, uma fórmula de sucesso que o Gorillaz repete desde o lançamento de “Plastic Beach”, em 2010.
A turnê oficial começa em abril no Coachella, mas no fim de 2022 foram feitos dois shows especiais, na Times Square (NY) e Piccadilly Circus (Londres), para lançar singles do novo álbum, apresentado inteiro em realidade aumentada do Google onde deram vida aos personagens, que caracterizam a banda, numa experiência totalmente imersiva e lúdica.
O que mais me chama a atenção no lançamento é a forma como o Gorillaz trabalha para se manter tão atual, atingindo sempre uma nova audiência de diferentes estilos e gerações, alinhado no Zeitgeist.
Se algumas faixas passam quase batida, o mesmo não dá para falar sobre outras, como a minha favorita, “Controllah”, com o Mc Bin Laden, que causou um fuzuê (negativo) na gringa por acharem que o nome “Bin Laden” é uma homenagem e não uma zoeira. Quem adivinharia que ele ficaria famoso a esse ponto?
A lista conta com outros colaboradores, como Bad Bunny, De La Soul, Thundercat, Stevie Nicks, Tame Impala, entre outros. As três mais ouvidassão “New Gold” (Tame Impala), “Cracker Island” (Thundercat) e “Baby Queen”, sem participação especial e uma música que nos remete aos trabalhos anteriores da banda.
O que me faz gostar tanto do álbum é a co-criação respeitando estilos, misturar gerações e estilos tão distintos, além de ter mexido na duração das músicas em relação aos álbuns anteriores num momento em que as músicas são mais curtas e inovou no jeito de usar RA. Obs: Eu ainda prefiro músicas mais longas.
É uma bela aula dançante de comunicação, porque música não é só criatividade, metade é marketing, afinal como se sobressair num mundo onde mais de 40 mil músicas são lançadas diariamente só no Spotify.
Eu tive a sorte de ver o Damon Albarn coladinha na cara dele num show intimista acústico que ele fez numa igreja no SXSW, em 2018. Entenderam porque eu amo o SXSW?
👾 Team Rolfes
Não sei exatamente em que casinha colocar o Team Rolfes, banda que assisti ao vivo no encerramento do festival CTM, em Berlim. Foi uma loucura visual e sonora com os performers nos levando para uma odisseia digna de videogame. Foi, provavelmente, o show mais alinhado com tudo que estamos vivenciando de tecnologia e futuro do entretenimento.
Não estou falando exatamente sobre a música, porque nem sou muito fã desses estilos musicais que pipocam na internet os quais ninguém consegue nomear, mas gosto deles como movimento. O estilo sonoro do Team Rolfes, que não é uma banda musical, mas é uma banda musical, se aproxima do hyperpop que, por mais atual que pareça, surgiu em 2010 com Arca e SOPHIE. Já ouviu falar no 100 Gecs? Pois bem, para mim até então eles eram os artistas que melhor traduziam a internet na música até ver o Team Rolfes ao vivo.
O Team Rolfes faz tudo ao vivo, incluindo participação da plateia no game que vão criando através de um app disponibilizado em QRCode no telão e eletrodos colocados no corpo de uma mina que vai interferindo ao vivo em tudo.
Na internet encontrei a seguinte descrição “Team Rolfes é uma performance digital e um estúdio de imagens especializado em animação, realidade virtual e colagem de realidade mista.” Foi exatamente isso que levaram para o palco e nos deixou hipnotizados por cerca de uma hora.
A dupla por trás do projeto, Sam e Andy Rolfes, é a criadora da capa do álbum “Dawn of Chromatica”, da Lady Gaga, e produziu esse videoclipe de Danny Elfman, que tem a estética do show ao vivo do Team Rolfes que vi.
Se fomos discutir o futuro do entretenimento e da música, o Team Rolfes tem uma ótima pista para dar. Deixo aqui uma entrevista mais recente com eles.
Swim Back
A
escreveu uma crônica que eu adoraria ter escrito;Uau, que texto esse do
, que tem também um dos melhores nomes de newsletter;Tem nightclub novo abrindo em Berlim;
Eu queria ter ido na rave da Moncler;
Para quem gosta de design;
O governo alemão liberou um cartão com 200 euros para jovens que completam 18 anos em 2023 para usarem com arte, festa e shows.
Bom fim de semana! :)
Eu adoro quando o Gorillaz acerta nos feats! Às vezes, fica uma coisa meio nem lá, nem cá. Mas nesse disco, ficou uma colaboração que fez sentido - mesmo com convidados que a maioria não esperava, como Bin Laden e Bad Bunny. Enfim, só pelas reações dos gringos ao "MC WHAT????" já valeu a pena esse disco haha
Quantas dicas incríveis!