Espiral #120: Setembro me colocou nos eixos
Momento auto-ajuda: Esperança x Otimismo por Byung-Chul Han
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim à música, arte, cultura, inovação e literatura, além de trazer sempre dicas de assuntos que andam revirando meus sentidos.
Se você mora em Berlim ou está com uma visita à capital alemã nos planos, não deixe de acompanhar o meu guia cultural semanal:
.♡♫ Trilha sonora para essa newsletter é um dos álbuns mais bonitos lançados em 2024: Ritual, de Jon Hopkins, que virou minha trilha sonora diária para meditar. 🧘🏻♀️♡
Moro há cinco anos em Berlim e, mesmo assim, ainda sinto a a exaustão de ser imigrante. São altos e baixos, e como sou uma pessoa otimista, costumo evitar o desânimo. No entanto, há algumas semanas, senti toda a minha energia se esvaindo. Escorrendo pela pele pálida. Molhando o chão.
Mesmo com um alinhamento astral favorável — projetos acontecendo, criatividade em ebulição, sorrisos e danças na sala em casa — meu bom humor e minha animação se foram junto com o verão. Não entendi o que estava acontecendo, já que o outono é minha estação favorita do ano. A luz é a mais bonita, a natureza é deslumbrante e até mesmo a programação cultural em Berlim me agrada mais. No verão, sempre tento driblar o FOMO, enquanto, nos dias frios, sou mais focada e produtiva.
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Recentemente, li "O Espírito da Esperança: Contra a Sociedade do Medo", de Byung-Chul Han, que critica como o medo domina a sociedade atual, em contraste com a esperança. Han argumenta que vivemos em uma era onde o medo, impulsionado por crises globais, incluindo a climática, cria uma sociedade controlada que sacrifica a liberdade em nome da segurança, facilitando o avanço da extrema-direita:
O medo e o ressentimento lançam as pessoas nos braços dos populistas de direita, que atiçam o ódio. Solidariedade, amistosidade e empatia se deterioram. O medo e o ressentimento crescentes causam o embrutecimento da sociedade como um todo. Isso, em última instância, ameaça a democracia. […] Medo e democracia são incompatíveis. - Byung-Chul Han
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Sonhei, há alguns dias, que um clone meu vivia em um mundo paralelo. Para que minha vida voltasse aos eixos, era necessário eliminar a intrusa. Não concordei com uma medida tão extrema, mas no sonho era ela ou eu. Quem me conhece sabe que sou uma pessoa que sonha muito — dormindo e acordada. Na época, refleti sobre os símbolos desse sonho e consultei meu 'oráculo', o ChatGPT, que respondeu:
"Pensando em como você está vivendo atualmente, isso pode estar ligado às suas frustrações financeiras e a sensação de estar lutando para manter sua vida e projetos nos trilhos. O sonho talvez esteja refletindo essa batalha interna de querer resolver as coisas sem ter que "eliminar" ou mudar algo que você também valoriza."
Uau, como ele sabe sobre as coisas pelas quais estou passando?
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Han vê a esperança como um antídoto para o medo. Ele propõe a necessidade de restaurar a confiança no futuro e nas possibilidades humanas, contrapondo-se à lógica do medo que paralisa e fragmenta a nossa sociedade. Para ele, a esperança não é ingênua, mas sim uma força ativa que permite imaginar novos futuros e sair de uma postura reativa de medo para uma atitude proativa de transformação:
Quem tem esperança também fareja, ou seja, tenta ganhar direção, orientação. […] Quem espera age com audácia e não se deixa abalar pelo caráter escarpado e duro da vida.
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Enquanto eu esmorecia, caiu no meu email um texto sobre meditação, esta que ficou para trás junto com a pandemia. A leitura trouxe uma luz sobre a minha condição. Decidi então voltar a meditar. Estava na hora de voltar a olhar para dentro. Nos últimos meses eu olhei apenas para o vazio enquanto esperava as coisas acontecerem, o que me deixou desconcertada, já que eu nunca fui de esperar. Eu sempre estive em ação.
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Han faz uma distinção clara entre esperança e otimismo. Para ele, o otimismo é uma expectativa positiva sobre o futuro, enquanto a esperança é uma força mais resiliente e transformadora, que nos impulsiona a agir e a enfrentar as incertezas, ao invés de acreditar que tudo se resolverá por si só:
O pensamento esperançoso não é otimista. Ao contrário da esperança, ao otimismo falta qualquer negatividade. Ele não conhece dúvidas nem desespero. A pura positividade é sua essência. Ele está convencido de que tudo ficará bem. Para o otimista, o tempo é fechado, então, o futuro como um espaço aberto de possibilidades é desconhecido. Nada acontece. […] a esperança representa um movimento de busca. É uma tentativa de ganhar apoio e direção. […] O otimista não atua por conta própria. Toda ação sempre envolve um risco. O otimista, contudo, não arrisca nada.
No contexto neoliberal, o otimismo é basicamente uma forma de conformismo que mantém a roda do capitalismo girando. Acreditamos que sucesso ou fracasso depende apenas de nós. Para Han, a "sociedade do cansaço" surge dessa positividade excessiva, forçando as pessoas a se tornarem "empreendedores de si mesmas" e a ignorarem a importância do descanso e dos fracassos.
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A leitura de Han sobre esperança causou um grande rebuliço interno em mim. Refleti sobre o quanto esse otimismo que tenho carregado comigo me engana. Estou sempre ocupada, a ponto de não fazer as coisas que gostaria, porque o otimismo me faz acreditar que, sendo cem por cento responsável pelo meu próprio sucesso, eu não posso parar de trabalhar — mesmo que esse trabalho não seja remunerado. Afinal, o medo de falhar e não atender às minhas próprias expectativas é o que tem dominado meus dias.
Quando a ficha caiu, em meados de setembro, meu desafio foi: como virar a 'chave' do otimismo para a esperança?
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De acordo com Han, a esperança é algo profundo e ativo, surgindo mesmo diante da incerteza. A esperança é uma maneira de enfrentar o medo e o desânimo, imaginando futuros diferentes e agindo para torná-los realidade, mesmo em situações difíceis.
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Essa reflexão me levou a tomar algumas decisões para transformar minha rotina completamente. Coloquei como meta voltar a meditar, escrever as páginas matinais, frequentar a academia pelo menos três vezes por semana e cortar o álcool.
Ou seja, trazer movimento para o meu dia a dia além da tela do computador, de uma maneira saudável e consciente. A pandemia embutiu em mim um medo do futuro de maneira trágica, mas demorei a perceber isso. O otimismo mascarou meu medo de maneira eficaz.
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Han também aborda, neste mesmo livro, a obrigação a que nos submetemos de sermos criativos, competitivos e autênticos o tempo todo. Essa obrigatoriedade impede o surgimento de algo radicalmente novo, produzindo apenas variações do mesmo. A criatividade passa a ser uma nova forma de produção, servindo apenas para aumentar nossa produtividade. Exploramo-nos até a exaustão, na ilusão de nos realizarmos.
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Deixar a Espiral de lado me deixou frustrada, pois é uma das minhas atividades que mais me dá prazer. Escrevê-la semanalmente sempre me manteve em movimento, pois, para que ela acontecesse, eu estava constantemente em busca de pautas e inspiração em Berlim.
Voltar a meditar, escrever, me exercitar e abandonar o álcool me colocou de volta em estado de movimento. Agora, estou cheia de ideias de pautas e textos, mas hoje preferi compartilhar esse medo que me paralisou por completo.
Junto com todas essas mudanças na minha rotina, percebi que o sonho foi uma profecia: estou literalmente matando meu "eu" do último ano para dar lugar a uma nova pessoa, de quem tenho gostado bastante.
Voltar a estar em movimento me trouxe novas perspectivas e outra maneira de pensar sobre o futuro. Revirei Berlim. Cozinhei quase todos os dias, algumas vezes para pessoas que eu gostaria de encontrar e não encontrava porque estava sempre ocupada.
Aos poucos, deixo o otimismo dar lugar à esperança nos meus projetos, mudando o foco do "vai dar tudo certo" para o "vou fazer o melhor com o que tenho, mesmo que o resultado seja incerto". Assim, me sinto menos vulnerável ao desgaste emocional que o otimismo tem me proporcionado e mais conectada a um sentido de possibilidade, mesmo que o resultado não seja imediato.
Ao contrário do otimismo, que tantas vezes me paralisou na expectativa de um futuro melhor, a esperança que escolho agora é pautada no movimento. É uma esperança que, como em Han, não nega a realidade dura e suas incertezas, mas enxerga nelas a possibilidade de algo novo.
Esperança é também uma maneira de criar espaços de liberdade, que age e não se resigna. Essa é a esperança que quero nutrir: a que me faz sair da passividade do otimismo em que estava e me coloca em movimento, fazendo do presente um espaço de possibilidade, tanto no meu mundo quanto no mundo ao redor.
Este texto é uma reflexão seguida de um desabafo. Quando escrevemos para os outros, escrevemos também para nós mesmos. É uma maneira de reafirmar nossas ideias, de deixá-las fluir pelas nossas entranhas.
Este não tem sido um ano ruim para mim. Viajei bastante, fiz poucos, mas ótimos projetos, e estive bem no geral. No entanto, as poucas crises que ocorreram foram aterrorizantes, me colocando em um lugar em que nunca estive antes. Crise da meia-idade? Talvez. Não está sendo fácil passar por esse momento de renovação e reinvenção em que me coloquei. Mas agora não tem volta, e o que faço é entender como seguir em frente e não esmorecer.
Comecei a escrever esse texto há uma semana. Foi terapêutico e me ajudou a ajustar os pontos necessários para que este novo momento seja tão bonito quanto eu espero.
Volto logo mais com a programação normal, incluindo várias dicas bacanas do que consumi nos últimos meses em literatura, cinema, TV, música e artes.
Obrigada se você leu até aqui.
Aliás, estou usando o aplicativo “Habit” para me ajudar a manter minha nova rotina em dia: iOS e Android.
Muito bom, Lalai. Passei por uma descoberta semelhante em 2021 o que me levou a pesquisar a esperança em um projeto de pós graduação. Me trouxe outro olhar, ainda que às vezes me perca de novo e precise voltar aos eixos. Mas, isso acho que é da vida.
Belo texto Lalai, tão interessante a diferença de esperança e otimismo, não tinha me ficado tão claro até hoje…