Amiga Genial é um coluna mensal da minha newsletter Espiral, em que apresento mulheres incríveis, que têm bastante para nos ensinar, que fazem projetos que deixam o mundo melhor e estão sempre inspirando pessoas à sua volta. A ideia é que a amiga genial do mês indique a próxima, pois assim furo a minha bolha e, quem sabe, a sua.
A Claudia Assef, a amiga genial da última edição, indicou a Renata Simões para essa edição. Eu não poderia ficar mais feliz com a escolha, já que sou uma grande admiradora da Renata. A indicação me deu a oportunidade de passar uma hora de puro deleite num bate-papo inspirador com ela. Dá uma “scrollada” para conferir o perfil dessa mulher maravilhosa.
Playlist escolhida para esta newsletter é Conselhos, feita pela Renata, que traz canções cheia de palavras de sabedoria.
A Renata Simões é uma baita mulherão, muito inteligente e generosa. É super antenada com tudo que está acontecendo na música, política e cultura. É uma clássica canceriana. Está sempre preocupada com tudo, sempre pergunta como eu e as meninas estão. É uma grande amiga e super ponta firme. Eu amo muito! - Claudia Assef
A Renata é jornalista, apresentadora de TV, repórter, pesquisadora, roteirista e diretora. Ela é uma mulher genial, uma Mafalda na versão adulta.
Estreou na TV aos 20 anos, em 1999, e trabalhou em alguns dos programas culturais mais legais da TV brasileira, como o Urbano, no Multishow, o Planeta Oceano, na GNT, e o Vídeo-Show, na Rede Globo. Passou pela extinta rádio Oi, onde apresentava o “De carona”, focado na agenda cultural da cidade. Dirigiu também o documentário “O Amanhã Chegou” (2018 - 74 min.), que aborda o tema consumo consciente.
No momento, atua como repórter no Metrópolis, da TV Cultura, que ela considera uma trincheira por ser hoje o único programa que fala (há 32 anos) sobre cultura na TV aberta brasileira.
“É um retrato tão grande de como o Brasil está nos dias atuais. Ali não é onde eu vou ganhar o meu sustento, mas é um lugar importante para ocupar, onde eu tenho liberdade para falar sobre qualquer coisa no território da cultura. Eu entendo ocupar esta trincheira como um lugar para alimentar a alma.” E alimenta a dela e a nossa.
Bom-humor, referências que furam nossas bolhas, música, política, viagem, cinema, literatura e cultura brasileira, incluindo incursões por histórias vividas ao lado de indígenas, permearam nosso bate-papo. Para preparar cada episódio do Metrópolis, ela me contou que lê um livro por semana, assiste a filmes variados, vai ao teatro, faz entrevistas e pesquisa bastante. Não é à toa que a Renata é um baú inesgotável de conhecimento dos assuntos mais diversos. É também apaixonada por música, adora rap e é frequentadora de festas e programas culturais muito além da bolha central de São Paulo. Pergunte para ela onde estão as boas festas e eventos da periferia paulistana e ela saberá indicar.
Paralelamente ao programa, escreve roteiros, inclusive está trabalhando numa nova série e imersa numa pesquisa sobre como a telenovela influencia a vida e vice-versa. E me contou que “A gente nunca teve nas novelas uma personagem que decidiu não ter filhos. A primeira personagem que fala que teve um relacionamento lésbico e uma gravidez tardia aconteceu no ano passado. Isso porque estamos falando sobre o Brasil, o país mais avançado da América Latina.”
Diagnosticada já na vida adulta com TEA (Transtorno do Espectro do Autista) nível 1, conhecido como autismo leve, a Renata fala abertamente sobre o tema na coluna “No Espectro”, no Estadão. “Quando recebi o convite para escrever a coluna, eu pensei ‘Vou colocar essa carteirinha no mundo?’ Mas escrever sobre o tema tem trazido mais experiências positivas do que o contrário. É difícil? É, e o mais difícil é quando eu estou pesquisando um assunto e encontro uma história que abre uma caixa de pandora que, ao mesmo tempo que me traz uma nova consciência, traz junto uma dor.”
Somos da mesma geração, o que fez ser inevitável falar sobre envelhecer e o que estamos fazendo para continuarmos bem. “Eu olho para o tempo de uma maneira muito prazeirosa. Vamos ter que fazer mais exercício? Vamos, mas não é mais para ficar com a bunda dura, é para conseguir amarrar o sapato aos 83 anos. Isso para mim é autonomia.” Bingo!
Durante o nosso bate-papo, eu tive vontade de visitar a biblioteca da Renata quando ela me contou sobre as suas mais variadas leituras e sobre os livros que recebe semanalmente em casa por conta do trabalho no Metrópolis. Me apresentou o escritor e historiador carioca Luiz Antonio Simas, que estuda festas populares brasileiras e que recentemente lançou “Santos de Casa - Fé, Crenças e Festas de Cada Dia”.
Já sobre o momento atual do feminismo, ela diz que tem pirado bastante no momento em que estamos vivendo “e em ver como os comportamento estão mudando e que finalmente estamos começando a olhar para o feminismo com vários recortes. A história do feminismo latino-americano é muito massa. São tempos muito duros, mas muito ricos de pensamentos. Eu gosto de observar o que está mudando nas pessoas e o Metrópolis me dá muita oportunidade para isso. Você começa a estudar o tema e começa a querer a saber mais. E vai ficando cada dia mais revolucionário. Nossa! Muito sangue nos olhos. Vamos lá!” Não dá para ficar parada.
Tendo retornado recentemente de São Paulo, onde a Renata também mora, comentei com ela sobre a decadência que está tomando conta do centro da minha cidade natal. Mas, otimista como sempre, ela falou sobre alguns projetos, como o novo Cineclube Cortina que, para ela, é um dos lugares mais legais que abriram nos últimos tempos em São Paulo, pois está ajudando a levar as pessoas de volta para a região central. Me contou sobre a Casa de Ieda, restaurante especializado em comida regional da Chapada da Diamantina, que costuma ocupar a rua em Pinheiros onde está estabelecido com festa e almoços.
“Para mim, a decadência está nas relações humanas, da gente normalizar ver família morando nas ruas, por exemplo. Não acho que ficar em casa é a solução. Quanto mais a gente deixar as ruas largadas sem ocupá-las, mais a ermo elas ficam. Eu tenho curiosidade (fé ou esperança, eu diria) para ver como será a chegada da Copa do Mundo e do verão.” Vamos voltar a ocupar mais as ruas como outrora? Esperamos que sim.
Recentemente, ela foi ao show da artista de rap Sampa the Great, promovido pelo Queremos!, que reuniu uma molecada negra como ela disse não ver há uns dez anos. “Eu ouço rap e me frustro quando vou aos shows e vejo que a maioria das pessoas presentes são iguais a mim e que, muitas vezes, estão lá pelo hype e não porque gostam de rap. Mas é esta juventude (ri do termo, mas diz que gosta dele) está fazendo as coisas acontecerem.”
Eu conto sobre leituras que tenho feito de autobiografias de escritoras europeias sobre a vida no pós-guerra e a Renata diz que sente que estamos vivendo um pós-guerra no Brasil também. “O projeto que foi feito para o Brasil é esse que estamos vendo ser feito agora. Mas, a gente continua com a nossa ginga dando um olé para que esse projeto de Brasil nunca consiga acontecer de fato. Estamos esperando a Bele Epoque chegar, pois estamos aqui no fim desta primeira guerra. O penúltimo não deixa o último sozinho pra trás e vamos. […] Eu vejo que há um movimento bom apontando novos horizontes que mostram que dá para continuar lutando.” Oramos e vamos votar com consciência no dia 2 de outubro.
Recentemente esteve num encontro de indígenas de diversas etnias com não-indígenas em que ouviu de um índigena: “Sabe por que os não-indígenas são muito ansiosos? Porque não sabem de onde vieram. Eu já consigo ir lá atrás na minha história, enquanto vocês estão sempre olhando só pra frente.” E complementa que “O fato de onde saber de onde você veio, torna mais tranquilo estar aqui hoje. Então para onde você vai, não tem esse viés capitalista, você está apenas seguindo em frente.”
Para encerrar eu pedi para ela indicar discos, projetos, livros e filmes que a tiraram do eixo:
Projetos brasileiros que gosta bastante:
O Festival de Inverno de Garanhuns, que acontece na divisa do agreste, em Pernambuco, evento de cultura que existe há 30 anos. “Quando você vai lá, você entende que formação de público faz toda a diferença. Rola por 15 dias com programação diária gratuita, incluindo shows, exposições, cultura popular e teatro. Todos os palcos estão sempre lotados independente do dia da semana. Tem palco mais cheio numa segunda-feira por lá do que num sábado na Virada Cultural de São Paulo.”
Também indicou o Favela Sounds, festival que acontece em Brasília, para promover artistas que vêm da periferia. Para a Renata, o festival tem um frescor, uma juventude e uma força que faz a gente acreditar num futuro melhor. É ir pra ver a molecada fazendo as coisas acontecerem.
E, por fim, citou o Afrolatinas, uma organização liderada por mulheres negras que atuam a partir das artes e da cultura para mudar o mundo. São elas por as idealizadoras do “Festival Latinidades” que tem ganhado cada vez mais visibilidade.
Ela também me indicou o trabalho da Nathalia Grilo, que ela conheceu no podcast “Balanço e Fúria”, e que também é demais e vale a pena acompanhar, feita por “essa turma nova que lembra pra gente que resistência é um estado de espírito.”
Dessa turma nova que lembra pra gente que resistência é um estado de espírito
Discos favoritos
Para a Renata, os discos favoritos da vida mudam sempre. Atualmente, os três favoritos são:
Livros, filmes e documentários?
O último livro que leu e que mexeu bastante com ea foi “Escute as Feras”, da Nastassja Martin. Um filme que amou este ano foi “Summer of Soul”, documentário do músico Questlove sobre o festival de música no Harlem.
Assistiu também “A Viagem De Pedro”, dirigido pela Laís Bodansky, em que achou que há momentos bem interessantes:
Não resisti em perguntar o que é felicidade para ela: “Olha, para falar de felicidade, vou usar as palavras do Guimarães, o Rosa, que é bem melhor com elas do que eu "Felicidade se acha em horinhas de descuido”, quando esses descuidos acontecem, a gente descobre o que é.” E indica a Maria Bethânia que recita esse verso:
Quem á a amiga genial da Renata Simões?
“Minha amiga genial é a Isis Vergílio, a gente se conhece há algum tempo mas foi em 2019 que agarramos amizade real oficial, trabalhamos juntas na curadoria do festival GRLS, e aí ela veio pra vida. Isis escreve pra Elle, foi bailarina (e às vezes dança), tem 35 anos, é uma figura.”
E você, me manda um link da sua amiga genial?
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Bom fim de semana.
maravilhosa! sou cada vez mais fã. <3
adorei