Espiral #56: As 5 melhores coisas que vi em setembro
Queerness in Photography, Björk, Nils Frahm, John Hopkins e Berlin Art Week
Setembro foi tão vapt-vupt que eu mal me dei conta dele. Mas quando sentei a bunda para escrever essa lista, surgiu uma avalanche de coisas bacanas que fiz durante o mês, o que tornou difícil escolher as 5 coisas mais legais que vi/li/ouvi. E o fim do mês chegou com o lançamento de dois álbuns mais esperados do ano: “Fossora”, da Björk, e “Cool It Down”, do Yeah Yeah Yeahs. Bora lá!
1) Queerness in Photography, na C/O Berlim
“Queerness in Photography” é um conjunto de três exposições muito poderosas e complementares, que exploram a representação de identidade, de gênero e da sexualidade na fotografia. A primeira delas, “A Secret History of Cross-Dressers - Sebastien Lifshitz Collection”, apresenta uma extensa coleção de fotos amadoras, que juntas somam 120 anos de história de cross-dressers, colecionadas durante décadas pelo diretor francês Sebastien Lifshitz. São fotos históricas e pessoais que destacam a relação entre gênero, identidade e roupas, apresentadas em 14 capítulos que constróem uma bela narrativa ao longo da exposição, desde temas mais óbvios, como os cabarés, até a história impressionante de soldados capturados durante a Segunda Guerra que eram obrigados a se vestirem de mulheres.
Um dos destaques da primeira exposição é a história da lindíssima Marie-Pierre Pruvot, conhecida como Bambi. Ela nasceu em 1935, na Argélia, e desde criança sonhava em ser mulher. Aos 16 anos o rumo de sua vida mudou após assistir um show de drag queens em Paris. Dois anos depois, ela entrava para o “Madame Arthur”, um cabaré de drag queens, onde aprendeu a cantar e a dançar e, como ela mesmo disse numa entrevista recente, se tornou uma travesti numa época em que palavras transsexual e transgênero ainda não existiam, e também foi pupila da estrela Colccinelle. Em 1969 entrou para a Sorbonne e no inícios dos anos 70 largou os palcos passando se dedicar às aulas de francês. A história de Bambi ganhou um documentário nas mãos de Lifshitz, que está sendo exibido durante a mostra.
A segunda exposição é “Casa Susanna - Cindy Sherman Collection”, uma coleção de fotos que Sherman encontrou por acaso num mercado de antiguidades de NYC. A Casa Susanna, que também virou documentário dirigido por Lifshitz, era uma casa que servia como espaço seguro para cross-dressers e mulheres trans, em Hunter, NY nos anos 50 e 60. A casa foi fundada por Susanna Valenti e sua esposa Marie e funcionou até a morte de Marie em 1969.
Por fim, a última exposição da mostra é “Orlando”, com curadoria de Tilda Swinton, com algumas obras criadas especialmente para o evento. Tilda Swinton estrelou em 1992 o filme “Orlando”, dirigido por Sally Potter e baseado no livro homônimo de Virginia Woolf, que narra a história de Orlando condenado pela rainha Elizabeth I a ser eternamente jovem. A maldição se cumpre e Orlando atravessa os séculos experimentando vidas, parceiros, sentimentos diversos e mudanças de gênero.
Por conta do filme, Tilda Swinton foi convidada em 2019 pela Aperture para ser editora convidada da revista numa edição especial dedicada ao Orlando. A partir daí nasceu a exposição que apresenta diversos artistas e também imagens feitas durante a produção do filme.
2) Björk: Fossora
“Fossora” é o décimo álbum da Björk produzido inteiramente na Islândia, para onde a artista voltou a morar durante a pandemia. O resultado é bonito, conceitual, teatral, às vezes barulhento e bem esquisitão. É, como a própria Björk disse numa entrevista à Pitchfork, “um álbum da Islândia, muitas vezes desinibido e volátil, mas também mergulhado em tradições de corais e folclóricas do país.”
A palavra “Fossora” é um neologismo criado a partir de “fossore”, que significa “escavador” em latim. O “a” no final foi colocado para deixar a palavra no feminino, como a artista descreve no site do disco. O álbum é sobre cogumelos, terra, raízes que criamos e luto. O tema “fungos”, que permeia todo o trabalho, vem da sua obsessão pelo assunto após assistir documentários como “Fungos Fantásticos”. “Fossora” é vibrante e soa otimista.
Sorte de quem a assistirá no Primavera Sound, que acontece em novembro em Santiago, Buenos Aires e São Paulo. Será que ela fugirá um pouco do setlist da turnê atual e tocará alguma das músicas novas?
Atenção fãs da Björk: Não deixem de acompanhar o seu novo podcast (o qual falei dele na última newsletter): “Björk: Sonic Symbolism”, cada episódio é sobre um álbum de sua carreira.
PS: Queria dizer que amei também o novo álbum do Yeah Yeah Yeahs, Cool It Down, mas não coube na lista, mas fica a dica: Não deixe de ouvi-lo.
3) Nils Frahm: Music For Berlin
O Nils Frahm deu o ponta pé inicial na sua turnê mundial após o lançamento recentemente de “Music for Animals”, álbum que se desdobra num ritmo meditativo por pouco mais de 3 horas. Em Berlim foram 5 datas de shows, com ingressos esgotados para todos os dias, numa das casas de concertos mais bonitas da cidade, a Funkhaus, onde ele mantém o seu estúdio e que também foi palco do filme “Tripping with Nils Frahm” (disponível no MUBI). Ou seja, ele tocou em casa.
A sala de concertos da Funkhaus é uma arena que possibilita montar um palco 360 graus dependendo da produção. Foi o escolhido pelo Nils Frahm, que armou sua parafernália, aos pés do público, em duas estações com 10 pianos e teclados analógicos, controladoras, sintetizadores e uma bela harmônica de vidro, instrumento banido no passado por ser acusado de causar distúrbios nervosos, brigas domésticas, partos prematuros e até convulsões em animais. A música de abertura, de duração de vinte minutos, tocada com o instrumento evocou fortes emoções e muitos aplausos.
Ele conversou, tirou risadas do público e nos pediu para imitarmos animais, o que foi um momento único com sons de sapos, pássaros, cachorros, vacas e por aí vai, saindo da plateia. Ele gravou o momento e depois o incluiu numa das músicas que tocou. Como li numa entrevista, após o lançamento de “All Melody”, que o lançou numa carreira internacional, ele passou a experimentar mais além do teclado e piano.
O show durou cerca de 2 horas em que ele tocou apenas 6 músicas, a maioria delas bem intimistas com vácuos de silêncio. Frahm encerrou a noite com “Says”, do álbum “Spaces” (2013), que surge num tom crescente de 5 minutos até virar uma belíssima explosão sonora com loops labirínticos, perfeita para encerrar essa noite tão especial. Eu, que sentei literalmente nos pés dele, chorei emocionada no bis. O difícil foi voltar para a realidade depois de ter sido transportada para suas paisagens sonoras.
Quando o show acabou, o público cercou o setup do show, uma verdadeira instalação de arte, capaz de deixar qualquer pessoa boquiaberta, que incluía um sintetizador de 200 quilos construído no início dos anos 60 na própria Funkhaus, na época em que abrigava a rádio oficial da Alemanha Oriental, e foi emprestado por ela.
No dia 17 de outubro terá um show extra, também na Funkhaus, que já está com ingressos esgotados, mas cola na fila de espera aqui.
4) Jon Hopkins: Polarity Tour
Comprei o ingresso para este show no início de 2020, porém o show foi cancelado, remarcado e cancelado novamente por conta da pandemia. Finalmente chegou o grande dia e fui vê-lo ao vivo após 2 anos de espera e 4 anos desde que eu o vi pela última vez, num show em Paris.
Não sabia muito o que esperar, mas estava ansiosa para assisti-lo em plena Filarmônica de Berlim, que tem um palco 360 graus e não há exatamente lugar ruim para assistir qualquer coisa por lá.
Casa lotada com pessoas de todas as idades e ingressos esgotados. Jon Hopkins entrou pontualmente às 21h de uma segunda-feira gelada no modo “pianinho”, acompanhado de 3 musicistas de cordas, que não nos preparou para a sequência que viria pela frente num show bipolar(ity). O show foi uma viagem pela sua discografia, ora nos levando ao estado meditativo, ora nos fazendo dançar em interlúdios mais agitados.
Estamos todos relaxados na poltrona enquanto toca “Small Memory” até Hopkins se levantar e se posicionar atrás da mesa para sua live eletrônica. Começa a tocar “Breathe this Air”. A música vai crescendo, acompanhada de uma iluminação linda de morrer, trazendo elementos eletrônicos dissonantes. Lá do alto da plateia eu noto cabeças já se movendo. Algumas pessoas não resistem e começam a gritar puxando um coro quando o momento pista parece estar próximo. Duas meninas mais empolgadas se levantam, mas a “pista” não abre.
O primeiro ápice veio com “Emerald Rush” que fez as pessoas se levantarem e a começarem a dançar (eu fui uma delas). Quando achamos que a festa estava começando, ele voltou para o piano, a banda entra e nós nos afundamos na poltrona novamente. E assim discorre a noite, com momentos de trégua para um respiro e momentos intensos, alguns bem atonais. A Filarmônica vira um club no fim do show até a redenção chegar com “Recovery”, nome mais do que apropriado para o momento.
5) Berlin Art Week
Todo mês de setembro acontece a concorrida Berlin Art Week, evento que ocupa dezenas de espaços na cidade, desde museus famosos, galerias de arte e estúdios de artistas até igrejas e espaços icônicos e/ou inéditos. São cinco dias com exposições, performances, talks, workshops e festinhas. A cidade fica mais animada do que já é filas são previstas.
Eu comecei a minha odisseia numa quarta-feira passando a tarde entre dois dos espaços mais comentados da edição, o BAW Garden e o Hallen #3. Vi várias exposições e performances que adorei, mas fui pega pelo estômago.
Eu queria muito ver (e comer) era o “Lunch Break”, do chef e artista brasileiro Caíque Tizzi, que escolheu um legume - milho, tomate, batata, berinjela e repolho, pra cada dia de sua performance gastronômica, que ele insiste em me dizer que o que ele faz são apenas almoços ou jantares, mas é pura modéstia. O Caíque é um baita artista e cria uma conexão entre arte e comida de maneira muito bem feita.
Eu visitei o dia do milho, que reinava numa instalação colocada numa mesa, e a performance tinha o artista servindo o almoço (gratuito) feito à base do legume, que eu tive a sorte de experimentar. Nunca achei que um prato todo preparado com milho poderia ser tão bom como esse.
Rapidinhas para tentar relaxar antes da eleição:
Documentário com a história de 100 anos de Ulisses;
new body rhumba, nova música do LCD Soundsystem, a primeira lançada nos últimos 5 anos;
Fora do Tempo, episódio do “Vibes em Análise”, sobre como o tempo afeta nossa subjetividade e o nosso estado emocional;
Curso Semana de Futurismo com 4 horas de aulas com o Tiago Mattos, mas corra porque está liberado gratuitamente somente por uma semana;
Report “Ok Cool TikTok”.
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Adoro o trabalho do Caique, bom demais! E essa experiência do Jon Hopkins parece ter sido incrivel, obrigada por compartilhar!
nossa, fiquei muuito interessado em saber mais sobre o "Queerness in Photography", obrigado por compartilhar! vou pesquisar e buscar mais sobre as referências do site ;)