Espiral #12: reflexões de aniversariante
Como ser antirracista, James Baldwin, Maya Angelou, Kalaf Epalanga, Igi Ayedun e Berlim
Honey Dijon foi a escolhida para ‘assinar’ a trilha sonora desta newsletter.
Amanhã, dia 5 de junho, é meu aniversário. Eu sempre gostei de comemorá-lo e ele chega anualmente com o trivial momento de reflexões. Esse momento parece aumentar a cada ano que passa com questões desde como encarar o envelhecimento até sobre o que estou fazendo com a minha vida. Imagina eu aqui prestes a completar 47 anos repensando o que eu quero dela!
Essa newsletter foi a mais difícil que escrevi porque tudo que passou pela minha cabeça para compartilhar soou vazio. Então deixei para ela algumas das minhas reflexões que trouxe um veredito final nada bom: Estou omissa.
Não teve como não pensar nos últimos dias sobre o que temos feito para combater o racismo. A reflexão sobre isso me trouxe a urgência de que não dá mais para ficar de braços cruzados e sair ilesa disso (e já faz tempo).
Quanto ao meu futuro, ele surgiu mais leve desde que eu consiga deixar a minha omissão de lado. Sabe o lance de “não ter planos”? A real é que eu nunca tive um. Eu sempre segui o fluxo e nele eu sempre encontrei o meu lugar. Hoje eu posso não saber bem o que eu quero, mas sei exatamente tudo que não quero.
Já contei por aqui que participo de um grupo ótimo no WhatsApp liderado pelo Gustavo Nogueira, do Torus Lab. É o grupo mais diverso que participo atualmente e a cada dia tenho ali um novo aprendizado. Nele eu tenho conhecido trabalhos fantásticos de mulheres que eu desconhecia. Uma delas é a Aza Njeri, doutora em Literaturas Africanas, que vai ministrar o curso “África e Diáspora: caminhos pluriversais”. Caso queira mergulhar mais na cultura africana, vem comigo! A Aza escreveu um excelente texto refletindo sobre o despedaçar do mundo do Povo Negro e suas consequências pós-apocalípticas onde traça um rápido paralelo entre o racismo nos Estados Unidos e no Brasil. Nele ela nos deixa a pergunta “quais são as nossas estratégias enquanto sociedade para acabar com o monstro do genocídio do Povo Negro na nossa realidade brasileira?”.
Aproveitei o momento para revirar as minhas redes sociais e ver os perfis das pessoas que sigo. A maioria branca. Olhei a minha lista de livros lidos no último ano que não foi pequena. Dois autores negros. Catei minhas playlists e passei os olhos em tudo que ouvi nos últimos tempos. Pouquíssimos artistas negros. Zapeei meus stories atrás do que vi por aí e compartilhei. Branquitude de novo. Listei meus amigos. A maioria branco.
Depois de acompanhar muitas conversas, ler um bocado, assistir vídeos nesses últimos dias eu me dei aquela chacoalhada (bem atrasada eu sei) e decidi que meu novo ano será dedicado a um mergulho na cultura negra e na ajuda de sua disseminação. E, claro, a partir disso deixar meu próprio universo muito mais diverso do que ele é hoje. É um exercício constante eu sei. Quero ouvir e aprender.
Na abertura do “Pequeno Manual Antirracista” a autora Djamila Ribeiro cita um trecho de outro livro, o “Racismo Estrutural” do Silvio de Almeida, que deixa bem clara essa nossa responsabilidade: “Consciente de que o racismo é parte da estrutura social e, por isso, não necessita de ‘intenção’ para se manifestar, por mais que calar-se diante do racismo não faça do indivíduo moral e/ou juridicamente culpado ou responsável, certamente o ‘silêncio o torna ética e politicamente responsável pela manutenção do racismo’.”
O Papo de Segunda teve um episódio sobre a morte do João Pedro e a desigualdade social em meio à pandemia. O Emicida, genial e didático como sempre, dá a real. A Gabriela Prioli publicou hoje um bate-papo com o Marcelo Rocha e Hélio Menezes para entender como nós brancos podemos ajudar o movimento antirracista no Brasil.
A Another publicou um artigo sobre James Baldwin com algumas perguntas pra gente se fazer: “Como funciona meu viés racial? Como posso amplificar vozes negras? Como posso abordar as micros e macros agressões do racismo no meu local de trabalho, na minha família e nas ruas? Para quem o meu próprio governo trabalha a favor e contra?”. Pois é.
Para quem não conhece o James Baldwin, a GQ publicou um mini guia para quem quer começar a mergulhar em sua obra.
“Esquire: How can we get the black people to cool it?
James Baldwin: It is not for us to cool it.
Esquire: But aren't you the ones who are getting hurt the most?
James Baldwin: No, we are only the ones who are dying fastest.”
Também voltei no episódio que o Mamilos fez em 2018 sobre racismo, que vale muito a pena escutar novamente (para quem já escutou). Por conta dele descobri que no último dia 29 de maio rolou um podcast para celebrar o Dia da África com foco na literatura com o escritor José Eduardo Agualusa e a poeta Eliana N’Zualo. Está uma riqueza só de tanta referência incrível.
A artista brasileira Charm Mone chamou a gente na chincha num post no Instagram: “Agora que você percebeu que faz parte do problema, o que você fará para que isso acabe?”. A cantora e multiinstrumentista Bia Ferreira fez um rap já avisando de cara que não tem paciência para ensinar nós brancos e que se depender dela a gente não descansa nunca mais. É isso, nosso tempo acabou faz tempo (ele na real nem existiu, a gente é que fez que não viu).
“The Black Power Mixtape 1967-1975”, documentário sueco que pode ser assistido na íntegra aqui (ou no Amazon Prime), voltou à tona essa semana a partir do compartilhamento de um trecho de uma entrevista com a Angela Davis. O filme analisa a evolução do movimento Black Power nos Estados Unidos de 1967 a 1975. Uma aula. O Nowness também fez um mini guia visual para antirracistas com boas dicas de filmes e leituras.
Os dois excelentes livros de autores negros que li em 2019 foram: “Eu sei porque o pássaro canta na gaiola”, de Maya Angelou, uma de suas sete autobiografias que conta de uma maneira muito sensível sua história como criança Negra (como ela escreve, em maiúsculo) vivida entre 1930 e 1940 nos Estados Unidos. Achei essa ótima resenha no Medium sobre o livro; O segundo é o “Também os brancos sabem dançar”, do angolano Kalaf Epalanga, da banda Buraka Som Sistema, que passou pelo Brasil diversas vezes no último ano. A história começa na fronteira entre Suécia e Noruega em que o autor se dá conta de que estava sem um passaporte válido e acaba sendo detido por imigração ilegal. A leitura é prazeirosa e cheia de cores, literatura e música em torno da África, Europa e Brasil. Eu o devorei na época.
“Ver na vida algum motivo pra sonhar
Ter um sonho todo azul
Azul da cor do mar”
Fiquei boquiaberta com o trabalho da brasileira Igi Ayedun, geminiana como eu, que acabou de fazer 30 anos e já tem quase 20 de carreira artística. Igi tem um trabalho lindíssimo baseado na cor azul que tem como ponto de partida “a investigação genealógica afro-diaspórica”. Rolou uma entrevista no SP-Arte com essa menina genial que vê o mundo azul porque assim se considera também, azul.
Caso você queira conhecer outros artistas negros, o Artsy publicou um artigo em fevereiro apresentando 5 artistas emergentes que estão definindo o futuro da Arte Figurativa.
Quem quiser saber como ajudar nesta luta, aqui tem vários links para explorar. Esse artigo apresenta 7 influenciadores para seguirmos que falam sobre o que é ser negro no Brasil. E aqui uma outra lista de perfis americanos.
Para se inspirar mais um pouco, uma conversa com a arquiteta e urbanista Joice Berth e a história das mulheres de meia-idade do Complexo da Maré que estão usando a dança para ressignificar suas vidas.
Enquanto isso em Berlim….
Segunda-feira foi feriado e estava um calorão. Quem já veio pra cá sabe muito bem que dia de calor é dia de ir pro lago, o que eu acho um ato democrático. Eu que amo a água, mas não sei nadar, acabo sempre fugindo da programação. Mas na segunda-feira quando me dei conta, lá estava eu com bolsa, canga e maiô (porque eu ainda não estou pronta para me jogar na cultura FKK) pegando o trem para ir curtir um.
Fomos para um lago bem concorrido, o Schlachtensee que fica a apenas meia-hora de trem do Mitte. Seguimos pra lá após o almoço, então quando chegamos não tinha sequer um cantinho ao sol pra gente se esticar. O lago estava lotado! Como ele é cercado por uma floresta, espaços no sol são poucos. Claro que eu me surpreendi com a galera coladinha que a gente sabe que não pode, mas aí alguém me mandou essa matéria sobre um evento que rolou no Canal Landwehr e eu entendi um pouco como a cabeça da galera está. Parece que as pessoas por aqui perderam o medo do coronavírus, o que não é nada bom, inclusive nos últimos dias tem rolado um aumento nos números de pessoas infectadas. :(
Os bares também reabriram suas portas no último dia 2. No termômetro marcava 26 graus e a rua estava lotada. A permissão de funcionamento é até às 23h. Nesse dia eu estreei num restaurante francês muito fino de Berlim desses que eu acho que não tem a cara da cidade. Mas era aniversário de um amigo, então fui lá jantar um menu de 4 tempos, que virou 3, porque chegamos atrasados. O Richard tem 1 estrela Michelin e o menu conta com duas opções: a com carne e a vegetariana, o que eu achei de bom tom, mas meus pratos à base de batatas e aspargos não me surpreenderam muito. O vinho era muito bom, porém o que eu gostei mesmo foi do espaço, um edifício restaurado do século XIX. De seu teto original pendem lustres modernos e coloridos em formatos de bolhas que foram feitas numa fábrica de bolas de Natal. O prédio já abrigou muitas coisas, como um cinema, um bistrô, um pub após a Segunda Guerra Mundial e até mesmo um club punk nos anos 60 e 70. Nos anos 90 deu lugar a um bar de shisha (coitado!). O Richard é um restaurante que parece ter nascido pós-pandemia, pois tem um amplo salão com muito espaço entre as mesas garantindo assim a distância entre seus frequentadores. Vale a pena dizer para quem quiser conhecê-lo um dia que o preço é acessível (não é barato, mas dá para pagar).
Falando em comida, minha amiga Fernanda Secco mora em Copenhagen e aproveitou a reabertura do Noma, considerado o melhor restaurante do mundo, para conhecer o novo momento do restaurante. Ela contou aqui como foi a experiência. Eu li uma entrevista com o chef René Redzepi em que ele conta que repensou o negócio do Noma, pois acredita que ninguém sai de uma quarentena querendo passar horas num restaurante provando um menu com 10 pratos. Para ele, as pessoas querem mesmo é se reunir, abrir uma garrafa de champagne e dividir um prato grande de mariscos. Por isso a decisão de por ora trocar seu menu de degustação que custa 350 euros por um hambúrguer de 20. Eu concordo com o René.
O “novo normal” continua em pauta e a gente já sabe que ele não existe, não é? O André Carvalhal, que eu tenho gostado muito de acompanhar durante a pandemia (mas também já gostava antes), escreveu o artigo “O ‘novo normal’ é uma bobagem. Vamos encarar a vida com o coronavírus”. Eu concordo com ele.
Falando em coronavírus, os holandeses publicaram um manifesto com 5 pontos para a mudança econômica pós-crise da Covid19. Um deles é reduzir o consumo e as viagens. Eu estou trabalhando bastante nesses dois itens.
Um dos meus livros favoritos, Memória Póstumas de Brás Cubas, ganhou nova tradução em inglês e uma ótima crítica da The New Yorker, que me fez querer relê-lo. Está aí um bom presente para os amigos gringos.
Amanhã será meu dia de festa. Para celebrar eu escolhi um set lindo do DJ Black Coffee, um dos meus djs favoritos atualmente, no Cercle.
Viver é envelhecer. Nada mais. - Simone de Beauvoir
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