Hoje tem playlist para acalmar uns e pistinha rebolera da Klunkerkranich para animar outros. Para os nostálgicos, Thom Yorke fez essa playlist para o Sonos Radio Mix que está pura gostosura sonora.
Obs.: Essa newsletter está mais pessoal do que o usual (ok, eu sei que minha newsletter é pessoal demais), pois andei um pouco desligada nos últimos dias. Dediquei-me menos aos links que brotam aos borbotões na minha tela para passar mais tempo nos meus livros e em pedaladas a esmo. Ofereço menos referências desta vez, mas algumas histórias e, quem sabe, um pouco de inspiração.
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“Books are the treasured wealth of the world and the fit inheritance of generations and nations.”― Henry David Thoreau
Eu li mais livros esse ano do que nos últimos dez. No ano novo foram três livros que fizeram minha alegria enquanto eu curtia minha semana de descanso e relaxamento. Isso me animou bastante, já que nos últimos anos os livros foram trocados por scrolls intermináveis no Instagram ou em qualquer outra rede social e até mesmo no WhatsApp (quando foi mesmo que a gente se viciou nisso?).
Voltei aos livros em outubro de 2019 quando comecei a empacotar a minha casa para me mudar pra Berlim. Na mala vieram uns 30 que marcaram momentos da minha vida. Hoje eles enfeitam meus móveis da sala para eu não esquecer quem eu sou, o que eu vivi e o que deixei pra trás.
Já fui uma leitora ávida e apaixonada. Fui mediadora de grupos de literatura, promovi encontros em sebos e vivia enfurnada neles. A chegada da internet trouxe muita coisa boa para a minha vida, mas tirou esse hábito da leitura tão bom que eu tinha.
Voltar a ler com a paixão de outrora tem sido uma reconexão com uma parte de mim que eu achava que não existia mais. Tem trazido de volta não apenas um rico repertório, mas lembranças empoeiradas, sonhos antigos, risadas, viagens, anseios, aspirações e até mesmo velhas amizades.
Num dia desses eu estava pesquisando sobre um livro no site da The School of Life e me deparei com a sessão de Biblioterapia que eles oferecem. Quem não sabe o que é a biblioterapia, já digo que é exatamente isso que passou pela sua cabeça: Livro + terapia (vou pular a explicação, mas deixo aqui um link para quem quiser entender melhor o paranauê). Como eu já andava curiosa com o assunto, agendei uma hora, preenchi um longo questionário e esperei ansiosa pela conversa. O Daniel apareceu no horário marcado no Zoom contando que era também psicólogo, então poderíamos trabalhar questões específicas caso eu quisesse. Decidi trabalhar assuntos macros relacionados à minha fase atual, tais como mudança, rompimentos, amizade, recomeço, o desejo de viver mais devagar e envelhecimento.
Conversamos sobre a vida e sobre os livros num papo tão gostoso que poderia ter durado a tarde toda. Ele fez uma lista inicial baseada no meu questionário, mas que foi se moldando ao longo da conversa. A pilha de leitura que já era grande por aqui, duplicou para dizer o mínimo. Literatura clássica e contemporânea, filosofia e até meditação vieram numa lista bem diversa com alguns autores que eu desconhecia. O interessante na biblioterapia é aliar leituras específicas a momentos da nossa vida, além de ter uma lista de livros com a nossa cara. Quem quiser a minha lista é só me dar um alô.
O Jorge Luis Borges deu uma entrevista ao Mario Vargas Llosa nos anos 80 que virou livro e acabou de ser lançado. Nela, o Llosa pergunta se ele ainda concorda com uma de suas célebres frases “Muitas coisas li e poucas vivi”. A resposta foi “Eu escrevi isso quando tinha trinta anos e não me dava conta de que ler também é uma forma de viver”. :)
Já sobre a escrita, a Morena Mariah escreveu o excelente texto “O verso em branco da História contada sobre as pessoas negras”. A leitura e a escrita têm esse poder único de nos conectar com o tempo, com pessoas, com lugares, com a História e, principalmente, com nós mesmos. Como vivi tanto tempo sem meus livros?
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“Nossas malas puídas estava empilhadas na calçada de novo; nós tínhamos longos caminhos a seguir. Mas não importa, a estrada é vida” - Jack Kerouac
A Islândia é um dos países que eu mais gosto do mundo e até cogitei morar lá. O Jorge Luis Borges também era fã da Islândia, inclusive estudou islandês. Eu explorei o país duas vezes. Nele eu me joguei em sua cena musical, andei por geleiras dentro e fora delas, acariciei cavalos cabeludos, me viciei em sopa de lagosta, dancei numa pistinha com o Underworld fazendo DJ set pra umas 15 pessoas, tomei banho num ofurô com auroras boreais dançando sobre a minha cabeça, visitei um set de cinema abandonado ao léu, caminhei por praias de areia preta e cenários lunares, nadei em piscinas de água verde leitosa quentinha a céu aberto no meio do inverno. Eu tenho uma coleção de lembranças boas de lá e a vontade de voltar é sempre presente. Com as fronteiras abertas aqui na Europa e o anúncio do show da Björk acompanhada de orquestra na Harpa, um dos palcos mais bonitos que já conheci, me causou um chilique por aqui (que não vai passar disso).
Para quem ficou três anos na estrada, está sendo uma nova etapa da vida ficar tanto tempo num lugar só. Então vou viajando do jeito que dá, na maioria das vezes sem sair de casa. Essa thread maravilhosa no Twitter me levou para viagens feitas nos anos 70 quando as pessoas iam (pasmem!) de Londres para Calcutá (Índia) de busão. Nessa mesma thread eu descobri que existe uma viagem de trem de Ankara (Tailândia) até o Teerã (Irã). Custa 100 euros, são 57 horas de viagem percorrendo mais de 2 mil quilômetros com paisagens de tirar o fôlego.
Outra viagem que fiz recentemente foi pelo deserto da Califórnia com essa lindeza de show do Toro y Moi gravado em Trona. Eu quase pude sentir o calor seco californiano.
Senta que lá vem história.
Comecei a escrever esta newsletter a bordo de um trem para Düsseldorf. De lá parti para uma road trip para Bordeaux e neste momento estou num lugar bucólico cercado de castelos e campos verdes próximo a Blois. Somos três nesta viagem: Eu, o Ola (marido) e o Marcelo, meu amigo há 31 anos. Uau! Nunca tinha feito essa conta.
Eu e o Marcelo nos conhecemos num encontro budista que eu frequentava na época. Tinha 16 anos, era metaleira e vivia num mundinho bem machista que eu mal me dava conta. Num dia x o Marcelo me chamou de canto porque queria me contar algo e então me contou que é gay. Eu chorei desolada. Gay? Eu não tinha a menor noção do que era ser gay, mas achava que não era algo bom. Ninguém nunca tinha conversado comigo a respeito e tudo que eu sabia era através da TV ou piadas ruins. Tudo caricato e sofrível. Ele não se encaixava em nada do que eu tinha no meu imaginário. Achava que ele era diferente. Lembre-se: Estou falando do meu mundo há 31 anos quando a internet ainda era algo distante. A expressão LGBTQ+ sequer existia.
Essa nossa história veio à tona ao assistir o excelente Disclosure, na Netflix, que mostra como pessoas trans têm sido retratadas pelo cinema ao longo de sua história. Várias fichas só caíram pra mim depois que assisti ao documentário. Indispensável e necessário. Para colocar a família toda pra assistir.
A série Dispatches from Elsewhere (Amazon) é um avanço em como aos poucos pessoas trans vão conquistando espaço na TV sem serem retratadas de maneira estereotipada. Nela, a atriz Eve Lindle vive a personagem Simone, que se torna a paixão de Peter, o protagonista vivido pelo ator Jason Segel. A questão dela ser trans é tratada de forma muito sutil e delicada na série que olhares menos atentos podem sequer perceber o fato.
Meu amigo Danilo Novais discute há bastante tempo essas questões LGBTQ+. Ele criou a ótima newsletter (E)mana para refletir sobre o tema. A última edição, assinada por Luane Domingos, discute o transfeminismo. Nela eu chamo atenção para o texto “O transfeminismo me transformou”, de Maria Clara Araújo; e o filme primoroso “On being trans in a Brazilian favela”, produzido para Vogue UK. É de cair o queixo!
Para celebrar o mês do orgulho LGBTQ+, a Future Learn compilou 13 cursos relacionados à diversidade, diplomacia, direito e inclusão com acesso gratuito.
A Rita Von Hunty tem tornado seus estudos de ciências humanas bem acessíveis para uma grande audiência em seu canal Tempero Drag: Se a sociologia parece um lugar chato e extremamente formal, com ela o entendimento de figuras como Kant, Hegel, Marx e de Beauvoir se torna mais fácil e colorido.
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Pelas abas do meu Chrome antes de terminar:
Conheci o trabalho de Arthur Jafa no ano passado com The White Album, um dos destaques da última Bienal de Arte de Veneza. No fim de semana liberaram uma de suas obras mais potentes, Love is the Message, The Message is Death, que mostra 100 anos de história da população negra em pouco mais de 7 minutos. A notícia da semana é o novo video-clipe do Kanye West assinado por Jafa.
A BNKR é um observatório do espírito do tempo que tem feito um ótimo trabalho em parceria com a Contagious. Semanalmente eles produzem o relatório Signs compilando aprendizados e os sinais mais relevantes de transformação na comunicação, consumo e cultura durante a pandemia. Tenho gostado bastante. A quarta edição é sobre Demandas Comunais e você pode baixar aqui.
Eu nunca tinha refletido sobre o racismo na comida na questão de embranquecer as receitas, por exemplo. O texto “Atenção: Aquele cozido inocente pode conter pitadas de racismo”, da Carolina Arantes, fala do cancelamento da Alison Roman, ex-colunista de receitas New York Times, por acusação de racismo, e sobre o estudo “Who gets to be an authority on 'ethnic' cuisines?” feito a partir do app New York Times Cooking. Vale muito a pena a leitura.
O fotógrafo Martin Parr iria esse ano pela primeira vez ao Glastonbury para celebrar os 50 anos do festival. Mesmo diante do cancelamento, ele foi fotografar o local onde o evento acontece, uma grande fazenda em funcionamento. As fotos foram publicadas no The Guardian acompanhadas de um ótimos texto seu sobre o passeio.
Aos interessados em mergulhar em autores indianos, esse post traz 10 livros que foram recentemente traduzidos para o inglês. Para se aventurar pelo leste europeu, esse post apresenta oito livros de escritores desse canto da Europa.
Ailton Krenak critica a ansiedade das pessoas de voltarem aos shoppings: ”Com tanta gente morrendo, estar preocupado com o que você vai comprar amanhã é muita pobreza”.
A Dazed fez um baita ensaio sobre como pode as festas podem ser após pandemia.
O TikTok entrou para a lista das 100 marcas mais valiosas do mundo. A pergunta é: Ele poderá replicar o sucesso do Instagram, eu principal competidor?
Me despeço com o pop gostoso da Tanerélle. Deixo uma lista de clássicos do cinema japonês para assistir em casa. Ah, e um lembrete, pois nesta sexta-feira rola novamente a campanha Bandcamp Covid-19 Fundraiser, revertendo 100% das vendas para os artistas. Aqui você encontra uma lista de artistas negros para apoiar.
Tchau! Volto em duas semanas :)
“Pra que sofrer com despedida?
Se quem parte não leva
Nem o Sol, nem as trevas
E quem fica não não se esquece
Tudo o que sonhou, eu sei” - Cartão Postal, Rita Lee
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