Espiral #22: como foi assistir um show ao vivo depois de 6 meses
Christian Löffler, Berlin Biennale, Marina Abramovic, Disclosure, Minecraft e viajando pra lugar nenhum
A trilha sonora para essa newsletter é o álbum Lys, de Christian Löffler.
O Christian Löffler foi uma das minhas descobertas musicais no meio da quarentena. Caí de amores assistindo todas as lives que fez no período. Fiquei tão apaixonada por sua música que também assisti os shows que ele fez num passado que parece distante. Aquele passado quando lotávamos casas de shows onde não era perigoso corpos de estranhos tocarem os nossos. Onde muitas vezes, tomados por emoção, abraçávamos pessoas que nunca tínhamos visto trocando sorrisos que falavam tanta coisa sem falar nada. Nos sentíamos conectados com desconhecidos. Histórias de amor nasciam após bocas que nunca se viram se encontrarem e se acariciarem pela primeira vez. Pulando e cantando a pleno pulmões ganhávamos novos amigos para a vida inteira. Pedido de namoro. De casamento. Ah….
Quantas histórias surgiram nesse lugar tão mágico que é uma pista de show. É só fechar os olhos e relembrar o último show que você foi e te emocionou. Provavelmente surgirão imagens que hoje te emocionarão mais do que na época em que as viveu.
A entrada demorada. O ticket que deu problema no código. O perrengue para pegar bebida. A fila no banheiro. A conversa fiada com alguém que nunca viu enquanto espera o show começar. O encontro com os amigos. Os atrasos. As luzes se apagando. Os gritos. A explosão de luzes no palco. A emoção ao ver artistas que assinam trilhas sonoras das nossas vidas. A entrada. A primeira nota. Ou o primeiro oi. O momento em que inebriados sentimos uma felicidade tão plena que choramos emocionados. As músicas que você sabe de cor e agora canta junto. Os olhos brilhando. Os olhos que se fecham para registrar para sempre uma cena. Os sorrisos. O êxtase coletivo. Os gritos que vem do fundo da nossa alma fazendo a gente urrar como um animal. As conversas. Os pssssts. O refrão da música favorita. Uma hora, às vezes duas. O tempo que descola da gente e desaparece. É tudo perfeito como você esperou. O show termina. A luz se apaga. Gritamos juntos, batemos palmas, pulamos. Somos todos um só. Nos separamos. A luz do palco se acende novamente. O bis para mais alguns minutos. O fim sem volta. A luz branca que te ofusca. A alegria incontida de ter vivido o momento mais feliz da sua vida. Os comentários animados. As lembranças que ficaram. A vontade de ver de novo.
Assistir um show ao vivo é para mim uma das experiências mais transcendentais. Uma pista de show é o meu lugar sagrado. É onde eu me comungo. Onde sinto o tempo parar. Onde eu choro sem vergonha. Não poder ir a um show deixou um vazio na minha vida. A música, ela que me move com tanta paixão, sempre me eleva para um lugar de paz que não foi preenchido de outro jeito.
Quando soube que o Christian Löffler tocaria no Silent Green, um dos meus lugares favoritos em Berlim, meu coração disparou. Eu entrei em pânico porque achei que talvez não encontraria mais ingressos disponíveis. Cliquei, olhei. Tinha. Ufa! O dobro do valor que costumava ser, o que já me deu a certeza de que a partir de agora terei que fazer escolhas de algo que nunca me preocupei em fazer. Comprei e senti uma alegria infantil. Ri toda boba. Mandei mensagem pros amigos de tão feliz que eu estava. A ansiedade tomou conta de mim por uma semana. Eu mal podia esperar. Era o primeiro show que eu veria desde 1 de março.
Essa newsletter atrasou porque eu queria compartilhar esse momento. O show aconteceu ontem, quinta-feira. O dia estava fechado e o show estava previsto para acontecer num picnic no jardim do Silent Green, que um dia abrigou o primeiro crematório de Berlim. Receberíamos uma cesta com comidinhas do MARS, o restaurante do local, e fones de ouvidos. Seria assim, cada um no seu próprio mundinho. Não seríamos mais todos juntos virando um só. Ainda assim fiquei animada por ter diante de mim uma experiência tão diferente das que eu já tinha vivido.
Saí cedo de casa porque mal podia esperar os minutos passarem. Rolou uma ameaça de chuva quando estávamos chegando lá, o que fez o evento ser mudado para um palco interno. Apesar de não ter mais a experiência toda diferentona, teríamos uma qualidade sonora muito melhor do que a proposta com fones de ouvido. Lamentei ao ver o gramado com círculos grandes desenhados para abrigar 4 pessoas onde montaríamos nossa área particular de picnic.
Máscara para entrar, álcool gel, comidinha sendo distribuída, mas agora sem o charme de um lugar a céu aberto para saboreá-la. “Não pode se levantar e nem dançar. Só pode ficar sem máscara quando estiver sentado”, gritou em alemão o responsável pelos tickets.
Descemos o extenso corredor de concreto coberto por uma luz azul. Nas paredes vários sinais com os protocolos da casa. O lugar parecia vazio. A última vez que eu tinha estado ali para o show do Max Cooper, o corredor estava lotado, a fila do bar imensa. Provavelmente cinco vezes mais de pessoas do que ontem. Agora o vazio e o silêncio. No palco já acontecia o show de abertura. Cadeiras duplas ou triplas foram espalhadas pela pista obedecendo o 1,5m de distanciamento. Elas estavam coladas no chão para não serem movimentadas durante o show. O lugar estava escuro e algumas pessoas comiam desajeitadamente a comidinha do picnic. Quando a primeira live (não descobri quem tocava) terminou, eu puxei uma salva de palmas. As pessoas seguiram e eu soltei um grito animado. O único que ecoou ali. Todo mundo parecia desajeitado em como se comportar.
O Christian Löffler entrou às 19h45 no palco para 2 horas de show. Não falou nada. A última vez que ele passou por Berlim foi para uma live no Festival We Stream, no Jardim Botânico.
Sua música tão bem produzida parecia vir de uma orquestra completa. Todos sentados olhando hipnotizados para o palco. Eu chorei durante as duas primeiras músicas. Estava tão emocionada que nesse momento em que escrevo, choro novamente. Projeções com imagens da natureza, algo que Löffler parece muito conectado, preenchiam a parede aos fundos. Ninguém se mexia. Silêncio total. Foi diferente. Foi bonito. Foi mágico de um outro jeito.
É algo que a gente vai precisar se acostumar. Não sabemos por quanto tempo, mas sabemos que será assim. Vai ser para poucos. Vai ser para privilegiados como eu que podem pagar. Pensar nisso é uma tristeza sem fim. Tudo que democratizamos vai se elitizar de novo.
Ainda assim eu saí de lá sentindo algo que há muito tempo eu não sentia, a magia única que só a música ao vivo me causa. Eu chorei agradecida por poder viver isso. Ainda estou sob efeito do show. Extasiada. Feliz. Querendo de novo.
Ufa… respira e dê play:
Nesse TED inspirador, o Ethan Hawkes faz um discurso apaixonado e emocionante sobre a importância da criatividade nas nossas vidas. Para mim, um discurso sobre nossas paixões.
Agenda de arte bombando na Alemanha
Carlos Motta, Libera Me (feat. Ernesto Tomasini), 2016
A agenda cultural em Berlim anda bem agitada. No sábado começa a Berlin Biennale, e na próxima semana acontece o Berlin Art Week com uma agenda cheia incluindo acesso à diversas coleções de arte particulares. É nessa semana de arte que o Studio Berlin, a esperada exposição na Berghain, acontece (e a única a não ter ingressos ainda à venda #socorro).
Sortudos são os que conseguiram ingresso para assistir “7 Death of Maria Callas”, a primeira ópera da Marina Abramovic, que estreou na Bavarian State Opera, em Munique. Cada apresentação está sendo feita para um público de 200 pessoas numa sala que tem capacidade para 2.300! Abramovic foi arrebatada pela voz de Maria Callas quando tinha 14 anos. Neste sábado a ópera será transmitida gratuitamente via streaming no ARTE Concert. O estilista Riccardo Tisci assinou o figurino digno de divas. Aqui uma entrevista com a artista feita pela Dazed.
Viajando para lugar nenhum
As pessoas estão realmente ansiosas para entrar num avião a ponto de ter companhia aérea criando viagens de Taiwan para o Japão com o detalhe de que você nunca chegará no destino final. Por cerca de 180 dólares, você mata as saudades do aeroporto, de fazer check-in, de passar pelo sistema de segurança, de embarcar e até comer num avião enquanto voa por 45 minutos vendo o Japão da janelinha, mas sem pisar nele. Tem Wi-fi a bordo e dá direito a compras no Duty Free. Confesso que, apesar de ser uma viajante de carteirinha, eu não sinto saudades dessa parte.
Já o aeroporto de Taipei criou um tour por cerca de 35 dólares que dá direito a visitar lounges, o Duty Free e embarcar num avião que não vai decolar. A ideia deu tão certo que foi copiada por outro aeroporto, o de Taoyuan, também em Taiwan, que vendeu os 4.100 ingressos em 48 horas.
Portugal já está recebendo turistas brasileiros ao contrário dos demais países da União Europeia. Quem estiver planejando uma visita ao país pode se inspirar com essa lista de hotéis construídos idealmente para quem quer viajar sem pressa e relaxar. Perfeitos para um detox mais necessário do que nunca.
Mas se você não está podendo sair do sofá, eu recomendo essa viagem para Copa del Sol, em Cayeres, no México, bem acompanhada do HVOB. O lugar é tão lindo que parece de mentira. Ou pode fazer uma viagem por Pyongyang, na Coréia do Norte, sem sair do sofá.
Enquanto isso na música…
O Minecraft recebe mensalmente 120 milhões de novos jogadores tornando-o o game mais vlogado no Youtube, Twitch e Facebook. A aproximação do Minecraft com a música e sua popularidade atraíram o Disclosure que decidiu lançar o novo álbum “Energy” dentro do game. Criaram uma ilha desenhada a partir da capa do disco com 3 clubs e a cozinha do Guy, que hospedou várias lives da dupla nos últimos meses.
Eu produzi festas (a Crew, a Postit, a Rebel! e a [in]finita entre elas) em São Paulo de 2005 a 2012 mais ou menos. Não demorou para eu querer também atacar de DJ. Em 2006 nós vivemos a era de ouro do indie rock e do electro. Eu me arrepio só de lembrar. Nesta época o Spotify ainda estava nascendo e o Soundcloud sequer existia. Os blogs eram a fonte onde pesquisávamos as novidades musicais, os remixes e também onde baixávamos tudo sem dor na consciência. O Complex foi quem resgatou essa ótima lembrança num artigo sobre a era dos blogs de música. Junto com ela foi publicada uma playlist cheia de nostalgia.
A chuva de lives desencadeou uma onda de lançamentos de novas plataformas de livestreaming com uma nova sendo lançada a cada semana. Porém, elas pouco se diferenciam umas das outras. A Cherie Hu destrinchou neste artigo os pontos essenciais a serem considerados para o sucesso de uma plataforma e especula sobre o futuro delas, pois já sabemos que as lives vieram pra ficar.
Ah lá, bati um papo sobre meus achismos em relação ao futuro do entretenimento com a Renata Alamy, no Minas Eventos Experience. Aliás, foi a primeira live que eu fiz porque eu vivo fugindo delas. Falei pelos cotovelos e talvez menos sobre os meus achismos do que eu gostaria.
As rapidinhas antes de ir
O documentário “Narciso em férias”, que conta a história de Caetano Veloso vivida durante a ditadura militar, foi o único filme brasileiro a ser selecionado para o próximo Festival de Veneza.
A pandemia criou uma nova onda, a collab house: Os estudantes das universidades americanas (e não só, tenho amigos fazendo a mesma coisa, mas no caso para trabalhar remotamente e não estudar) estão alugando casas para dividir em lugares como Hawai, Las Vegas e outros lugares nos Estados Unidos, levando o campus para longe dele.
Entre as homenagens feitas ao Chadwick Boseman, essa do Dodô Azevedo e da Letitia Wright me deixaram mais ainda de coração partido. Em junho, o American Film Institute publicou esse emocionante discurso em que Boseman afirma que não haveria Black Panther sem o Denzel Washignton.
Em 2018, o cantor Akon anunciou a construção de uma smart city no Senegal. Os planos estão sendo levados adiante com previsão de ser construída a partir do próximo ano nos moldes da Wakanda, a cidade fictícia de Black Panther.
O podcast The Art Angle gravou um episódio com o Will Roger, um dos fundadores do Burning Man e autor do livro “Compass of the Ephemeral”, que traz suas fotografias aéreas de Black Rock City e ensaios sobre as conexões do Burning Man com a história da arte. O episódio discute a evolução impressionante do festival, seu impacto nas artes e seu futuro.
, sobre a história e evolução do festival, o impacto que teve no estabelecimento das artes
A Sharon Van Etten lançou o single (What's So Funny 'Bout) Peace, Love and Understanding? numa parceria inédita com o Josh Homme. O resultado é belíssimo.
A sétima edição da Emergence Magazine tem como tema as árvores, incluindo um filme para ser assistido em VR.
O livro “Não é Sopa”, da Nina Horta, está sendo relançado pela Cia. das Letras.
Dois dos principais festivais de música e tecnologia, o Mutek e o ARS Electronica acontecem na próxima semana e são bons termômetros para entender o futuro da música.
A Rolling Stone mergulhou fundo nessa máquina de fazer hits que virou o TikTok.
“Estou pensando em acabar com tudo” é o novo filme de Charlie Kaufman (roteirista de Adaptation, Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, etc), que volta à direção após cinco anos. Eu ainda não vi, mas está na lista para esse fim de semana. Aqui uma crítica feita pelo Omelete.
O Arquivo Nacional de Filmes do Japão liberou online 64 curtas de animação produzidos entre 1917 e 1941.
O filme “Cadê você, Bernadette”, com a Cate Blanchett, conta a história de uma mulher que abandonou a si mesma após uma breve carreira de sucesso como arquiteta. Excêntrica, paranóica e depressiva, Cate Blanchett nos cativa em sua odisseia para se reencontrar. De quebra tem a beleza magnífica da Groenlândia se passando pela Antártida.
Eu ainda não consegui assistir, mas quero muito ver a série Babylon Berlin que retrata os dourados anos 20 vividos na capital alemã. A direção é do Tom Tykwer ("Corra, Lola, Corra") e é a produção mais cara feita pela televisão alemã tendo custado cerca de 40 milhões de euros.
Corre que ainda dá tempo de assistir o Youpix Summit 2020.
Deu bug aí?
Tchau… um beijo para você que chegou até aqui. Desculpa o atraso :)
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