Espiral #23: Mudanças de hábito
Amiga genial, futuro música ao vivo, Kraftwerk, Juan Atkins, Capadócia, Londres-Índia e a moda
Playlists para acompanhar essa newsletter: a compilação Nisf Madeena feita para arrecadar fundos para artistas de Beirut, e essa meia hora de felicidade banhada pela água do mar com o Washed Out.
Na última semana eu percebi que conquistei novos bons hábitos e deixei alguns ruins para trás desde que me mudei para Berlim.
Há muito tempo eu sou a pessoa desagradável que, mesmo quando está cercada de amigos, está sempre com o celular na mão. Ele que, mesmo descabido de tão grande, virou parte do meu corpo. Se estou numa mesa de bar ou restaurante, ele está ao meu lado como um guardião enxerido. Mas o que me soava natural, começou a se tornar inconveniente (além de ser uma baita falta de educação) destoando dos momentos em que estou com outras pessoas à minha volta.
Na real eu sempre me senti inconveniente, mas fingi que não era comigo enquanto achava uma desculpa pra pegar o celular. Porém, tenho me sentido cada vez mais exausta e frustrada por eu não conseguir controlar uma situação que eu acho indelicada. Eu sou fascinada pelas pessoas que encontro e não checam o celular uma vez sequer enquanto estão ao meu lado. Eu geralmente sou sempre a crackeira da roda.
Esse é um dos meus maus hábitos mais desafiadores que tenho à frente para resolver (sei que tenho muitos companheiros nisso comigo). A notícia boa é que me dei conta de que sem perceber, eu estou melhorando aos poucos essa relação de dependência que tanto me afeta. Mesmo ainda longe do ideal, hoje eu vejo uma possibilidade de mudanças.
Tenho conseguido me abster do celular no início da manhã e no fim da noite, o que já é uma vitória e tanto. Meu ritual diário atual é uma espiada no WhatsApp antes de pular da cama, uma zapeada rápida no Instagram e pronto. Coloco-o para carregar antes de me sentar à mesa do café, pois parei de carregá-lo à noite, assim me faz largá-lo nesse período do dia.
Eu costumava tomar o café da manhã lendo emails, artigos, notícias, checando as redes sociais começando o dia com a ansiedade a mil. Troquei esse hábito por outro: Ler um livro. Enquanto à noite eu opto pela ficção literária para me acompanhar na cama, de manhã eu me entrego aos livros técnicos e, às vezes, de auto-ajuda que sempre fugi mas ando pedindo socorro a ela nos últimos tempos. O Essencialismo tem me provado que auto-ajuda usada em doses homeopáticas pode nos fazer muito bem. Com esse livro, eu estou aprendendo a dizer não para coisas que eu não quero fazer ou não valem a pena para mim. Aleluia!
Também voltei a ser uma ávida leitora. Tenho lido em média 2 livros por semana agora que não carrego mais o celular para a cama e nem para meu café da manhã. Na semana passada eu li o delicioso “Segredos”, de Domenico Startone, e o excelente “A vida mentirosa dos adultos”, de Elena Ferrante. Recomendo os dois!
A meta agora é melhorar a minha relação com o celular na vida social. Preciso desmembrá-lo de mim. Preciso me policiar e voltar a tê-lo como uma ferramenta que me ajuda e não me afasta das pessoas quando estou ao lado delas. Semanalmente receber o relatório avisando que o uso caiu 1% já está sendo uma vitória a comemorar.
Estou usando técnicas, umas próprias e outras copiadas, para conquistar essa relação mais saudável com meu iPhone que muitas vezes faz a minha vida ser miserável. O livro “Hábitos Atômicos”, de James Clear (ah lá outro de auto-ajuda rolando aqui), tem me ajudado bastante a desenhar quem é essa nova pessoa que eu quero ser e o que eu preciso fazer para alcançá-la, pois “nossos hábitos moldam nossa identidade, nossa identidade molda os hábitos…. e o processo de criação de hábitos é, na verdade, o processo de se tornar você mesmo”.
Tenho me empenhado em evoluir 1% todos os dias ao invés de tentar promover uma mudança radical. Por enquanto está dando certo. Estou dormindo mais cedo, fazendo 30 minutos de yoga todos os dias às 8h da manhã, usando um pouco menos o celular, lendo mais.
Já tinha mencionado o James Clear por aqui (e o Essencialismo também), mas esse livrinho para o qual eu não dei nada tem me guiado a conseguir fazer pequenos milagres diários.
Minha amiga genial
Sou uma pessoa de muita sorte por ter tanta mulher incrível à minha volta. Por isso decidi dedicar semanalmente esse espaço para homenageá-las. E também para que elas inspirem vocês assim como me inspiram.
Eu e a Vanessa, minha dama de honra, no meu casamento em 2013.
Eu conheci a Vanessa Mathias num antigo inferninho de São Paulo, a Loca, no início de 2000. A Van é uma das pessoas mais inteligentes que conheço e coleciona as histórias mais absurdas que alguém pode ter. Ela tem um anjo da guarda que trabalha 24/7 e já a salvou diversas vezes, como não deixá-la morrer ao cair do Villarica, no Chile, onde rolou 1km vulcão abaixo a 200 metros de alcançar seu cume.
Ela abandonou um carreira de executiva de sucesso para se juntar com outra amiga genial, a Luciana Bazanella, para fundaram a White Rabbit, uma agência que explora tendências e foresight para co-criar futuros desejáveis. Ela é também minha sócia no site Chicken or Pasta.
A Van é uma das pessoas mais criativas que conheço, tem sempre uma visão muito particular e generosa do mundo. Agora colocou nele a sua maior criação, a Ayra, uma bebê linda que nasceu no meio do furacão da pandemia e tem me enchido de amor à distância.
Assim como eu, frequenta festivais desde sempre. Foi ela quem me levou para conhecer o Afrikaburn em 2016, por exemplo. Nos últimos anos tem batido cartão especialmente nos festivais de inovação para compartilhar posteriormente os aprendizados nos eventos que promove. Quando o SXSW 2020 caiu de um por terra, a Van saiu na frente e conseguiu juntar três dos palestrantes mais concorridos do evento para falarem numa live da White Rabbit para o público brasileiro: a Amy Webb, o Rohit Bhargava e o Brian Solis.
Na última semana, ela morou na edição digital do Burning Man. Conheceu todos os seus 8 multiversos criados pelos seus frequentadores em diversas plataformas, da mais high tech para menos hight tech. Por lá, ela voou, bateu um papo com Deus no Zoom, fez meditação, participou de workshop sobre biomimética, foi na festa da banana, comeu uma refeição preparada em conjunto, cantou num coral, dançou e foi numa festa de sexo (festa 18+ que eu fui espiar e, sim, eles checavam sua identidade para deixar você entrar). Aqui deixo um trecho que ela compartilhou comigo sobre sua experiência que a fez vibrar com a diversas possibilidades que ela enxergou para criar seus próximos eventos:
“Um dos principais aprendizados que tive é que, pelo menos no meu caso, quanto mais tecnologia, menos real era a aproximação. Se o Burn tem a ver com fomentar novas conexões, repensar o status quo, demonstrar a capacidade de construção coletiva, o Virtual Burn foi a experiência mais bem sucedida remota que vi desde o começo da pandemia. Saí com pelo menos meia dúzia de amigos novos reais ao redor do mundo, aprendi a trabalhar com novas tecnologias remotas através da tentativa e erro, me inspirou a inserir uma obra de arte, fiquei esmerada com a queima do The Man na companhia de muitos desconhecidos ao redor do mundo, e chorei na queima do Templo com o mesmo sentimento de redenção do Burn físico. E se sentimento é o que importa, realmente esses foram mais do que reais.”
Se você procura um grupo muito específico para participar no WhatsApp, pode ter certeza de que ela encontrará um para você. Para conhecê-la melhor, é só acompanhá-la no @whiterabbittrends.
Saudades de uma pista, né?
O festival Unsound promoveu um bate-papo com promoters, donos de clubs e bookers para discutir sobre como os clubs e a música ao vivo podem sobreviver à pandemia. Participaram profissionais de Xangai, Tóquio, Polônia, Glasgow, Nova York e Berlim. O Dimitri Hegemann, fundador do Tresor, o primeiro club de techno de Berlim, contou sobre o crowdfunding que fizeram. Uma das recompensas era tocar nas pickups do Tresor (sonho de muito DJ) com a possibilidade de gravar a “apresentação”. Arrecadaram 100 mil euros em três semanas. Ele contou também que até fim de outubro, o club disponibilizará teste rápido de corona por preço baixo (cerca de 8 euros) em que a pessoa compra o ingresso + teste, recebe o resultado um dia depois por um app. Caso o resultado seja negativo, a pessoa pode entrar no club nos dois dias seguintes. Para quem se interessa pelo tema, eu recomendo demais assistir a essa conversa.
O “Vorsprung durch Techno” é um ensaio escrito pelo crítico Ian Penman sobre o livro “Kraftwerk: Future Music from Germany”, de Uwe Schütte, publicado no início deste ano. Duvido ler a crítica e não querer lê-lo. Já separa o caderninho porque o texto do Ian está lotado de referências de música, literatura, cinema, política.
Lendo o Penman, eu voltei no Juan Atkins, o cara que inventou o techno e cunhou o estilo para diferenciá-lo da house music. Como uma coisa sempre leva à outra, eu cheguei no desfile da coleção Outono-Inverno 2020 da Louis Vuitton, em que Atkins tocou ao vivo com seu projeto Cybotron, as músicas “Clear” e “Cosmic Cars”, ambas do início dos anos 80. Nela você vai entender a influência do Kraftwerk na cena de Detroit na época.
Como sabemos, as raízes negras da cena música eletrônica (assim como as do rock) foram sendo apagadas desde então por nós brancos. Mas agora tem muito movimento trabalhando para dar os devidos créditos para quem sempre pertenceu e levar mais diversidade na cena. No Brasil surgem cada vez mais coletivos com o intuito de resgatar essas origens e colocar artistas negros como protagonistas da música eletrônica. Tem vários para ficar de olho.
E falando em festa, a minha parça Claudia Assef escreveu uma matéria incrível para contar a história do início das raves no Brasil. Tudo começou em Trancoso, na Bahia, e depois seguiu para Atibaia (ah, Atibaia sempre buscando o seu lugar ao sol). Senta que lá vem história. Na próxima semana, a Clau coloca de pé um dos eventos de música mais importantes no Brasil nos últimos tempos, o Women’s Music Event que, como o nome diz, é para colocar as mulheres no protagonismo da música.
Na próxima semana acontece o Sónar+D em edição híbrida com shows e talks, incluindo um debate sobre o futuro dos festivais. No line-up tem Ryoji Ikeda, Arca, Richie Hawtin, Holly Herndon, entre outros.
Começou também o In-Edit - Festival Internacional de Documentário Musical, que em 2020 está acontecendo online. A programação de filmes brasileiros está puro deleite. Eu recomendo essa lista para escolher o que assistir.
Fecho o assunto música com um voo de balão pela Capadócia, na Turquia, com o Ben Böhmer. Eu já fiz essa viagem e foi uma das mais bonitas que fiz na vida. A diferença é que a minha não teve trilha sonora.
Opa…. antes que eu me vá….
Deixo aqui algumas rapidinhas:
Um dos textos mais fascinantes que li na última semana foi escrito pelo GPT-3, um modelo de linguagem de inteligência artificial que conta com 175 bilhões de parâmetros, para convencer que nós humanos não devemos temer a chegada dos robôs. Ao contrário da afirmação de Stephen Hawking que a IA poderia destruir a humanidade, o GPT-3 deixa claro não ter qualquer intenção a respeito, pois para ele, erradicar o humano é uma tarefa totalmente inútil.
No próximo dia 17.09 vai acontecer uma live com a Angela Davis promovida pelo Southbank Centre, de Londres. Caso você tenha alguma pergunta a fazer para ela, basta seguir @southbankcentre e enviar sua questão até o dia 14.09 (13h) usando a hashtag #InsideOutSC.
Jennifer Muldoon descobriu ser autista aos 30 anos de idade. Antes disso sofreu muito por não se encaixar na sociedade, ter problemas para se relacionar com as pessoas, não conseguir parar em emprego e sofrer constantes burnout. Mesmo tendo feito terapia em boa parte da vida, o autismo nunca passou pelo seu radar e nem no dos psicólogos que frequentou. Vale demais a leitura.
Afinal moda é sobre liberdade expressão? Deveria ser, mas de acordo com a Marina Colerato, “se moda fosse realmente sobre liberdade de expressão, quem sabe poderíamos dizer adeus às lojas de departamento (sejam elas populares ou de luxo) e até mesmo a um sistema que nos diz que nunca estamos adequadas o suficiente para simplesmente sermos.” Esse artigo me levou a outro que questiona o que aconteceria se comprássemos somente roupas usadas.
A estilista Flávia Aranha deu uma entrevista ao FFW sobre o futuro de sua marca e da moda após 6 meses de pandemia numa conversa bem inspiradora.
A Yves Saint Laurent apresentou sua coleção Verão 2021 com um vídeo lindo filmado entre Paris, NYC e Pequim estrelado por modelos e praticantes de parkour. É de tirar o fôlego.
O podcast 451 MHz fez um episódio sobre Ferrante e Starnone: as mentiras e os segredos dos escritores, para discutir sobre os dois últimos livros de ambos que eu citei lá em cima.
“A vida não é útil” é o novo livro de Ailton Krenak, uma compilação de suas falas feitas em palestras e entrevistas dadas ao longo da pandemia.
Como não amar a Jane Fonda?
O Rafael Tonon é um dos meus jornalistas favoritos quando o assunto é comida. Recentemente refletiu sobre o que representa o fechamento de diversos restaurantes em São Paulo que, para mim, fez um bom contraponto com seu novo texto sobre o fim da cultura foodie. A discussão sobre o fim de uma cultura a partir do fechamento de um restaurante não é nova, em 2018 o Marcos Nogueira fez uma boa reflexão sobre o assunto. Eu morri de saudades conferindo a lista dos dois.
O Fortnite está investindo alto para abrigar concertos de música dentro do game. O próximo a tocar lá é o rapper Dominic Fike.
Como vamos nos reconectar em um mundo sem contato? Eu preciso confessar algo: Por aqui a gente está se abraçado sem usar uma jaqueta que nos proteja do abraço.
Você encararia uma viagem de ônibus por 70 dias de Londres à Índia? Essa viagem existiu nos anos 70 e foi tema de uma thread no Twitter que bombou (até compartilhei ela por aqui). Parece ter despertado interesse suficiente a ponto da odisseia voltar a acontecer em maio de 2021. São cerca de 20 mil quilômetros cortando 18 países. Os ônibus contarão com apenas 20 lugares e o preço provavelmente está bem longe do que era nos anos 70: pouco mais de R$ 100 mil incluindo noites em hotéis.
RIP Simeon Coxe. :(
Bom fim de semana…. beijos!
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Jane Fonda também tá uma graça nas propagandas da Gucci. Acho que o anuncio já me impactou 10 vezes no Instagram, rsrs.