Espiral #32: "É preciso voltar ao passado para seguir em frente"
O futuro do livestream, shows ao vivo, Clubhouse, a solidão e o BBB, Radiohead, livros, filmes e podcasts
Uma pérola como trilha sonora para acompanhar a leitura: compilação com as estrelas da música eletrônica de Detroit - 3 Chairs Collection (1997-2013)
Who I am
Li a frase do título dessa newsletter numa mensagem do meu amigo Gustavo Nogueira, no grupo do Guilda. Quando li, pulei da cadeira pela “coincidência”, porque essa newsletter é exatamente sobre isso. Eu viajei nas minhas memórias antigas para resgatar quem sou.
Os festivais de música estão presentes na minha vida desde 1991 quando pisei no Rock in Rio pela primeira vez. Juntei umas poucas economias e o dinheiro das férias do meu primeiro emprego para celebrar a chegada à maioridade. Foi um perrengue total, mas foi em meio à essa efervescência coletiva em que me encontrei que decidi dedicar a minha vida à música. Acabou não sendo bem assim.
O que eu queria na época, era ter um trabalho que me pagasse o suficiente para curtir os meus festivais e não a trabalhar com eles. Entre 1991 e 1997 eu fui praticamente a todos os festivais e shows de rock e metal que aconteceram no eixo Rio-São Paulo. Assisti de David Bowie a Nirvana, de Beastie Boys ao Prince, de Poison ao Motorhead, numa época em que as mulheres eram menos solicitadas nos nossos palcos.
O primeiro festival internacional veio somente em 2006. Esse já não era seria mais marcado por guitarras nervosas, mosh e bateção de cabelo, pois eu tinha acabado de abraçar a música eletrônica. Sozinha, com a cara e a coragem, eu fui pro I Love Techno, na Bélgica, onde o Justice e o Gui Boratto marcaram a minha noite e deram um novo norte para a minha trajetória musical.
Nessa época, já mais pretensiosa, a ambição passou a ser visitar um festival internacional por ano e não falhei desde então, mesmo em 2020, na véspera da pandemia eu fui aos festivais CTM e ao Strom, ambos em Berlin.
Temos o mau hábito de não valorizarmos nossas realizações. Eu estou há um ano tentando fazer meu portfólio sem êxito. Na minha última ida ao Brasil, aproveitei para revirar fotos, pastas e cadernos antigos, tirar pó das lembranças, que me fizeram recordar projetos que eu sequer lembrava ter feito. Convidei algumas pessoas muito próximas para um tête-à-tête sincerão, algo cada vez mais raro, e com isso fiz minha lista de feitos.
Minha paixão pela música me levou a produzir festas em São Paulo, como a CREW, PostIt e [in]finita, por 8 anos, a criar um festival de música na Casa de Criadores em 2009, a ser curadora de música na Campus Party e no YouPix, a criar ativações e conteúdo pra diversos grandes festivais no eixo SP-Rio, a rodar o mundo por um ano em 18 festivais de música, a produzir as ativações de marca da edição brasileira do festival Dekmantel, a criar a Marfa com a Clau Assef, onde fizemos o Dia da Música Eletrônica de SP por dois anos consecutivos, criamos e produzimos várias ativações de música e de festivais para marcas, só pra citar algumas das principais coisas que fiz nos últimos 15 anos.
Entrei numa espiral maluca nos últimos anos criando vários futuros pra mim, a maioria deles improváveis e distante da música. Ter criado uma agência de sucesso (de social media lá no início de 2008) foi o meu auge e a minha derrocada, pelo menos foi assim que acreditei por um bom tempo. Auge porque cheguei num lugar que nunca pensei em chegar. Derrocada porque me fez achar que não criaria nada tão brilhante depois que saí de lá, até entender que ela foi apenas um dos meus “feitos”, que em algum momento deixou de fazer sentido para mim.
Depois que saí da agência, eu passei 5 anos viajando pra cima e pra baixo visitando festivais de música e arte mundo afora e ganhando pra isso. Ganhar para viajar o mundo? Para visitar festivais? Era tudo que eu queria. Onde então eu me perdi?
Haja terapia para me encontrar… mas está funcionando. Não só a terapia, mas as conversas, as caminhadas, a escrita, as reflexões, as leituras e a música. Se eu não promovo trocas, eu não evoluo.
São as pistas de festivais e dos shows de música ao vivo que me movem, me comovem e é onde eu quero estar. Já atuei em praticamente todo o ecossistema de um festival. É sobre disso que entendo, o que sei fazer e onde eu brilho sem qualquer modéstia. Às vezes precisamos nos despir dela para realizarmos nossos sonhos.
Estou aqui toda de braços abertos para projetos com festivais, plataformas sociais e marcas. Quer que música seja a plataforma da sua marca? Me chama. :)
Por isso, a Espiral será cada vez mais focada em tendências e notícias sobre música & experiência & tecnologia , pois é o triângulo que abracei nesse último ano.
Se a Síndrome de Impostora anda te impedindo de seguir em frente, eu sugiro o mesmo exercício: Listar tudo que já fez, conversar com as pessoas sobre sua trajetória profissional, pois divagar a respeito com outras pessoas é muito bom, porque nós assumimos coisas que não assumimos para nós mesmos, pedir para essas pessoas te contarem um pouco como elas te veem e promover trocas pode mudar como você se vê.
Parafraseando Sartre, nós somos aquilo que fazemos de nós mesmos. O que você está fazendo de e por você?
Bora “assumir nossas imperfeições, afinal perfeccionismo é apenas um mecanismo de defesa que nos impede que o outro nos enxerguem na essência” (alô Brené Brown). Tá liberado falhar. :)
I believe in music
Trilha sonora para acompanhar a leitura: Parallels - Shellac Reworks, álbum novo do meu muso Christian Löffler
“O mercado de livestream tem potencial em ser “exponencialmente maior do que era o mercado de música ao vivo”, graças aos shows virtuais que têm capacidade ilimitada de audiência, alcance global e com custos menores do que uma turnê física.” - Mary Kay Huse, fundadora da Mandonlin, uma das dezenas de plataformas de livestream lançadas em meio à pandemia.
Os shows virtuais chegaram há meses no mainstream com grandes players do mercado entrando no jogo. A Amazon com o Twitch, a Livenation com o Veep, o YouTube lançando livestream pago, o Pandora com Sessions. Ou seja, “os artistas não precisam de mais ferramentas, eles precisam de audiência”, como bem disse Tim Westergren, (Pandora/Sessions) numa entrevista na Billboard, sobre fundo de US$ 75 milhões criado no Sessions para investir em marketing para os artistas. Westergren diz que artistas iniciantes estão faturando pelo menos US$ 700 por um show de uma hora, sendo que 40% vai pro bolso do artista, 30% pra plataforma e 30% pra Apple (taxa da AppStore).
Uma das cenas que apontam a evolução do livestream é a do k-pop que, além de faturar com ingressos pros shows, fatura também com merchandising, como o lightstick do BTS que custa US$ 30. O primeiro livestream do BTS em 2020 reuniu 756 mil pagantes com faturamento de cerca de US$ 25 milhões. Já o segundo livestream, reuniu 933 mil fãs em dois dias e teve um faturamento estimado entre US$ 43 e 62 milhões. Nesse segundo, o BTS usou realidade estendida, permitiu o fã escolher uma das 6 câmeras pra assistir, mostrou os fãs assistindo ao show em um telão e abriram o microfone em vários momentos recriando a catarse coletiva com os fãs gritando e cantando com a banda.
Outro destaque nessa (r)evolução do livestreaming é a Dua Lipa com o show Studio 2054 que teve 5 milhões de visualizações. Os ingressos custaram de US$10 (pós-show) a US$ 25(VIP com afterparty). A produção do show custou US$ 1,5 milhão, levou 5 meses para ser produzido e contou com aparição especial de Elton John, Miley Cyrus e Kyle Minogue. Ou seja, quer lucrar? Invista e crie algo único.
Acompanhar o retorno da Nova Zelândia pós lockdown traz esperança de que os festivais retornarão com o seu brilho de sempre. O país continua fechado para o turismo, mas a agenda de festivais de verão segue confirmada. Em janeiro rolou o primeiro grande show do ano para 20 mil pessoas sem precisar seguir qualquer regra criada pós-Covid além de teste rápido na entrada. Uma amiga que mora lá contou que o uso de máscara é obrigatória somente no transporte público. No geral ela sente que a vida está voltando ao normal. Dois dias depois da nossa conversa, ela me contou que o país entrou um lockdown de 3 dias porque surgiram 3 novos casos de Covid na comunidade, o que me faz achar que nosso novo normal seja com quarentenas eventuais daqui pra frente.
Já o prefeito de Nova York autorizou a reabertura das casas de shows e estádios que têm estrutura para mais de 10 mil pessoas a partir do dia 23. A liberação é para eventos usando apenas 10% de capacidade do espaço e a exigência de teste PCR negativo feito em até 72 horas antes.
Clubhouse prevê novas funcionalidades: gorjeta, ingressos e assinaturas
O Clubhouse foi lançado em março apenas para poucos convidados gerando ainda assim um grande buzz na mídia americana e muito FOMO pra quem ficou de fora, mas só em fevereiro aterrissou no Brasil. Em maio contava com 1.500 usuários e já valia US$ 100 milhões. Hoje já conta com 6 milhões, tendo um crescimento de 2 milhões de novos usuários por semana, e virou um unicórnio valendo US$ 1,3 bilhões atualmente!
Atualmente as funcionalidades são bem simples baseadas em voz, mas melhorias já estão previstas, inclusive o Clubhouse fechou o primeiro contrato para lançamento de um álbum na plataforma da artista espanhola Paula Mateus. Em breve será possível dar gorjetas, cobrar ingressos ou criar planos de assinaturas de clubs.
A NPR o descreveu tendo “vibe de clube de campo com Silicon Valley”. A Sheylli Caleffi comentou numa discussão que fizemos sobre sua similaridade com o Burning Man: “Nos festivais há um anonimato que permite relaxar enquanto no Clubhouse é o extremo oposto. No fim das contas, é tudo sobre quem você e a quantidade de seguidores que você tem. É impossível falar nas salas grandes.” Além disso, com o tempo vamos percebendo que no fim das contas ninguém sabe ouvir mesmo.
Deixo uma ótima explicação sobre a plataforma e análise feita pela Dani Ribas.
Nesta quarta-feira, 19 de fevereiro, eu abro uma sala para discutir o “Futuro dos Festivais”, às 18h (Brasil). Coloca na agenda e me segue por lá @lalaipersson.
Obsession [spoiler alert: assunto nerd à frente]
NFT - token não fungível, que no mundo cripto significa algo único que não pode ser trocado - no último semestre passou a ser um universo explorado por produtores musicais. RAC, Carl Cox, 3LAU, deadmau5, Mike Shinoda (Linkin Park) são alguns dos artistas que juntos movimentaram mais de US$ 1,6 milhão em seis meses, sendo metade disso movimentado somente em janeiro.
Estou me aventurando pelo assunto (e obcecada), pois vejo nele um bom futuro pra música. Os entusiastas com a criptomoeda, que acreditam num futuro em que os artistas serão pagos de maneira mais justa através do blockchain, provam com o NFT que estão certos.
O Mike Shinoda (Linkin Park) é um deles. Ele vendeu recentemente uma obra por US$ 30,000 e fez uma ótima thread no Twitter para explicar como funciona. Ele explica que se tivesse lançado uma música nos meios tradicionais, ele não ganharia líquido nada próximo a US$ 10,000.
Um dos avatares mais influentes do mundo, a Lil Miquela, que você provavelmente já ouviu falar, leiloou uma obra digital intitula “Rebirth of Venus” no SuperRare arrematando nada mais nada menos do que US$ 86,321.
Quem quiser ir mais a fundo, indico esse artigo da Rolling Stone. No Clubhouse também tem rolado várias salas para discutir o assunto, incluindo algumas mediadas pelo deadmau5 que anda morando na plataforma.
Where are we now?
Os museus, que no início da pandemia liberaram seus acervos para visitas gratuitas online, encontraram uma nova forma de renda criando visitas guiadas exclusivas com curadores. Ainda são poucos os museus que estão investindo na cobrança de ingressos, mas os que já estão fazendo, estão mostrando que pode dar certo. O MET já fez 116 tours virtuais para mais de 2.800 visitantes com ingressos custando entre US$ 300 e US$ 200.
Para quem está ou não assistindo o BBB, eu recomendo a leitura de três artigos que trazem boas reflexões acerca de toda a polêmica desta edição. A BBC entrevistou o filósofo Wilson Gomes que destrinchou o programa concluindo que a edição pode fortalecer a direita, já que para ele “a esquerda criou um palco, ganhou um espelho e não gostou do que viu”. Para Gomes, “há uma esquerda que passa pano para os abusos autoritários, linchadores e canceladores da esquerda identitária. Tem sido sempre assim. Eles vivem nessa complacência, embora estes sejam comportamentos que violem as crenças da própria esquerda”.
A Lídia Zuin já analisa o BBB a partir da “A história da solidão”, de George Minois, livro que esmiuça o paradoxo da solidão que enfrentamos desde o século 20. Para Zuin, o fato da “edição de 2021 do BBB estar causando tantas polêmicas e desilusões pode ter a ver com isso. Ao colocarmos pessoas já públicas numa casa em que elas são 24 horas vigiadas, não apenas adentramos sua intimidade como descobrimos que o excesso de exposição acaba por transformar esses indivíduos em estereótipos, personagens que tentam passar conexão, empatia e verdade, mas que acabam apenas gerando mais solidão para si mesmos e para os outros que não mais se reconhecem naquele espelho que é falso.”
Já o jornalista James Cimino coloca o público como grande vilão do programa. Ele questiona “para que eu vou ficar me torturando, acompanhando isso se repetir e ainda contribuir financeiramente para quem produz? É tudo falso, cheio de preconceito social, racial e de gênero, mas vendido como verdade absoluta e arremedo de justiça. Portanto, se você se indigna, mas continua assistindo, o vilão é você.” Você pode discordar totalmente do texto, mas ele traz boas verdades.
Com o cancelamento do carnaval, o Baiana System continuou navegando seus mares agitados levando o Navio Pirata para o digital. Trilha cheia de remelexo para deixar sua folia ensolarada.
Watch me
Eu me emocionei com “A Escavação”, filme na Netflix sobre a história de uma descoberta arqueológica feita no terreno particular de Edith Pretty (Carey Mulligan), considerada o “Tutancâmon britânico”. As 263 objetos preciosos encontrados pertencentes ao período de 599 e 624 foram doados ao Museu Britânico.
Estou curtindo a série “Cidade Invisível”, também na Netflix, baseada em histórias do folclore brasileiro. A Alessandra Negrini como Cuca está genial, além da produção estar impecável, fotografia linda e uma trilha sonora belíssima.
Ainda não assisti, mas grande fã que sou de Anaïs Nin, eu quero muito conferir “Little Birds”, baseado em sua coleção de contos eróticos “Pequenos Pássaros”, que estou neste domingo na Starplay.
Também tenho na lista o “Minari”, indicado para “Melhor Filme em Língua Estrangeira” no Globo de Ouro, para assistir. O filme conta a história de uma família coreana que se muda para o interior do Arkansas em busca do sonho americano. O que me fez querer assisti-lo foi a trilha sonora lindíssima assinada pelo compositor e pianista Emile Mosseri (que assinou também a trilha de “Kajillionaire”, da Miranda July).
I’m leaving
Então deixo aqui as rapidinhas:
Li numa sentada dois livros na última semana que eu recomendo bastante: “Os últimos melhores dias da minha vida”, de Gilberto Dimenstein e Anna Penido, narra os últimos dias de vida de Dimenstein num relato sensível, bem-humorado e cheio de reflexões pra fazermos; e “Suíte Tóquio”, da Giovana Madalosso, que conta uma história doméstica de relação de classes a partir de um rapto de uma criança pela babá. Bem-humorado, ácido que tem como trunfo o protagonismo feminino.
Cursos online diversos gratuitos na área das Artes, com inscrições até o próximo dia 21, promovida pela Fôlego.
O último especial da Revista Gama foi feito sob medida para quem está querendo colocar projetos em pé. A entrevista com a Bárbara Soalheiro, criadora da Mesa Company, coloca nosso pé no chão afirmando que as “ideias têm pouco valor no mundo de hoje”. Eu, que já participei em duas mesas (incluindo a primeira de todas), sempre concordei com isso. Não adianta ter uma ótima ideia e não saber executá-la. Também me surpreendi ao saber que Itamar Vieira Jr. começou escrever o genial “Torto Arado” aos 16 anos e terminou aos 40. Aliás, o Itamar estará nesta segunda-feira, 15, no Roda Viva.
Para ouvir: o episódio Caminhando com Leonardo Fróes, no podcast 451MHz, e o bate-papo maravilhoso entre o Seth Troxler e o prof. Dr. Conel West (Harvard) sobre as origens do house e techno.
Já ouviu uma música feliz do Radiohead? Então dê play aqui.
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Tchau e deixo aqui a live linda da Maria Bethânia para quem não a assistiu.
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- Queria muito ter visto os shows do David Bowie, Nirvana, Beastie Boys e Prince contigo!
- Justice foi um dos shows da minha vida, naquele fatídico Sónar 2012!
- "Wake Up" é uma das minhas músicas favoritas ever do Arcade Fire, e não sabia que era do album Funeral (que você citou na news anterior).
- Ainda curioso com esse "NFT", aguardando seu TED Talks sobre o assunto que achei meio elitista a primeira impressão, tô enganado?.
- James acabou perdendo a cabeça com a Teresa Cristina no Twitter e achei bem desnecessario.
- E as minhas dicas (do outro lado do oceano): assista a entrevista da Meghan e do Harry para Oprah, tem algumas discussões bem legais. O filme "O Som do Silêncio" no Amazon Prime Video que fala sobre um baterista que está perdendo sua audição e duas músicas que amei "All Night" da Bree Runway e "Kiss U Right Now" do Duckwrth.
Bjs