Espiral #35: Você é uma pessoa criativa? Sim, talvez apenas não saiba.
Brian Eno, NFT na música ao vivo, Ryuichi Sakamoto, Patti Smith, John Cage, Baudelaire, Caetano Veloso, o amor e Berlim
Playlist para acompanhar esta newsletter: Voyage noyage, mixtape feito pelo meu amigo Tamba.
Eu comecei a estudar música e a tocar pífano numa banda de fanfarras aos 11 anos. Meu sonho era tocar violino, mas como o meu poder de decisão em casa era pífio e não tinha essa opção na banda, foi o instrumento de sopro que me deram. Três anos depois, uma paralisia facial me impediu de continuar tocando. Em meio ao tratamento, que foi longo, eu decidi trocar o pífano pelo tambor. Fiz um teste e uma alma infeliz me impediu de seguir em frente dizendo que me faltava coordenação motora para tocar instrumentos de percussão. Desolada, eu acabei desistindo temporariamente da música prometendo voltar a tocar quando a minha boca voltasse pro lugar. Eu não voltei (a boca sim). Hoje o meu pífano habita algum canto da casa do L_cio para quem eu dei meu estimado objeto.
Nesta mesma época eu adorava escrever, tanto que aos 15 anos eu juntei meus diversos “amigos imaginários” e escrevi um “livro” sobre eles. Mas diversas questões fizeram eu me sentir uma impostora já tão jovem que me fez queimar a minha primeira obra. Aos 16 anos eu já enterrava duas grandes paixões, a música e a escrita, nos recônditos da minha alma.
Fiquei então certa de que a criatividade me faltava, logo eu um ser de humanas, então alcei carreira no mundo corporativo e por lá fiquei mais de uma década.
Por volta dos 30 anos eu entrei na Escola de Teatro Macunaíma, onde passei alguns anos aprendendo muito, não apenas sobre a arte de atuar, mas sobre quem eu era. Ali eu deixei brotar toda a criatividade enterrada em mim, me surpreendi com o resultado e o terninho do dia-a-dia deixou de caber em mim.
Foi então que topei um convite em 2005, que mudaria totalmente o rumo da minha vida, para trabalhar numa agência de comunicação digital, quando a internet ainda tinha muito mato, numa área que sequer existia, a Social Media. Troquei um ótimo emprego CLT para a famigerada vida dos PJs ganhando 1/3 do meu antigo salário. Foi neste período que eu entendi que a criatividade está em todos, só precisamos despertá-la, treiná-la e nutri-la.
Desde então eu não parei de criar coisas, algumas bem sucedidas, outras fracassos esquecidos. Aprendi que o mundo é um lugar muito mais alegre, colorido e feliz quando nos permitimos viver de maneira criativa. Mesmo se a nossa vida são os livros contábeis, é possível ter uma vida criativa também. Não se iluda e nem aceite o contrário.
Sei que já falei dele diversas vezes, mas falarei de novo: O livro “O Caminho do Artista” tem me ajudado a escavar meus traumas, sonhos e paixões que ficaram soterrados no meu passado. Cada dia, seja escrevendo as páginas matinais, promovendo meu encontro semanal com o meu “eu” artista ou fazendo os exercícios propostos, eu descubro fatos sobre mim que eu sequer lembrava. Aí pego tudo e levo pra terapia que ficou muito mais interessante com esse combo.
Em alguns momentos lamentamos não poder voltar no tempo, mas é gratificante quando nos permitimos resgatar antigos sonhos e realizá-los. Dei-me conta de que escrever a Espiral é uma das coisas que mais tenho prazer em fazer hoje em dia, porque resgatei nela meu jeito íntimo de escrever.
A música, que eu continuei a amar apenas como espectadora, voltou para a minha vida de um outro jeito: Colocando a mão na massa. Agora eu tenho meus encontros semanais com a minha amiga genial Stefani Egedy que, com toda a paciência do mundo, está me ensinando tudo que ela sabe. E ela sabe muito.
Desde que permiti me (re)conhecer, a vida está mais vibrante, generosa e fluída. Saí do encosto em que me encontrei no último ano e deixei novas perspectivas surgirem na minha vida. O resultado é que eu me sinto renascendo, as ideias estão brotando por todos os lados e novos projetos estão surgindo.
Uma coisa importante que estou aprendendo também nesse processo todo é que “ter disciplina é libertador”, logo eu que sempre pareci fugir dela.
Se você está em busca de inspiração para estimular (ou desbloquear) a sua criatividade, eu recomendo percorrer “O Caminho do Artista”, da Julia Cameron, e também ler “A Grande Magia”, da Elizabeth Gilbert, livro leve e bem humorado sobre criatividade que traz ótimos insights e serve pra tudo. Recomendo assistir (ou se puder, ler o livro) “Como o cérebro cria”, para se inspirar ainda mais. A criatividade é, na verdade, uma habilidade cognitiva que pode ser aprendida, medida e desenvolvida.
Brian Eno se viu com sua criatividade comprometida em 1972 durante a gravação de seu segundo álbum. Para driblar a crise, ele começou a escrever frases de auto-ajuda num bloco de notas. O exercício deu tão certo que em 1975 ele e o artista Peter Schmidt criaram uma edição limitada de 500 conjuntos de cards chamada “Oblique Strategies: Over One Hundred Worthwile Dilemmas”. Cada conjunto possui 113 instruções para serem seguidas aleatoriamente quando um artista se encontra com sua criatividade bloqueada. Eno só errou ao dizer para um cirurgião cerebral que os cartões não serviam para médicos, eles tinham sido criados para artistas.
Music (and NFTs)
Artistas da música no Brasil começam a ser atraídos pelos NFTs e suas infinitas possibilidades criativas, tanto que duas plataformas de música em NFTs surgiram no mercado, a Phonogram.me, um stock market de fonogramas que está aberto para inscrições de artistas e será lançada em maio; e a All Be Tuned, que já está rodando com um modelo de negócio bem interessante focado em artistas independentes, funcionando como editora, selo, distribuidora e marketplace dos NFTs.
Se em janeiro eu estava estupefata porque a música movimentou cerca de US$ 2 milhões entre outubro (2020) e janeiro, hoje esse número já ultrapassa os US$ 60 milhões de vendas de NFTs no mundo nesta indústria. O crescimento é exponencial e todo mundo quer uma fatia desse bolo. Só o produtor 3LAU, que lidera o ranking de quem mais faturou em NFT de música, vendeu US$ 17,500 milhões com 22 NFTs. A Grimes, US$ 6,400 milhões, e o Steve Aoki, US$ 4,300 milhões, ocupando o 2º e 3º lugares na lista dos que mais faturaram.
Enquanto há poucas semanas os NFTs careciam de criatividade transformando em token qualquer coisa só pra dizer que fez um NFT, agora eles começam a surgir muito mais elaborados e estruturados entregando algo além do que outros meios podem oferecer. Um exemplo é o lançamento da banda HLMTD que lançará a música “Leaving” em NFT em diversas camadas, permitindo que ela seja alterada com a possibilidade de serem criadas até 6.400 músicas diferentes. A ação está sendo feita no Async, plataforma de “música programável em blockchain”, que aí sim eu vejo algo que vai além do que já temos.
O Don Diablo lançou o primeiro show num NFT único que vendeu por US$ 1,259,280. O comprador receberá em casa uma caixa feita à mão com um pendrive todo estiloso com o show em alta resolução, que levou 12 meses para ser produzido com cara de obra de arte. Não deixa de ser também uma maneira de vender uma experiência exclusiva.
Let’s talk about me
Participei de um episódio do podClav sobre NFT com uma galera muito massa que sabe bastante sobre o assunto. Vale o play!
Na próxima quarta-feira (14) estreia o programa “Que garota é essa”, da minha amiga Claudia Assef, tendo eu como a primeira convidada. O assunto? NFTs.
A Bia Pattoli é minha nova sócia na Menta Land, estúdio criativo focado em projetos de NFTs. Nós nos juntamos com uma empresa de blockchain, a Dux Cripto, e estamos bem animadas por aqui com as oportunidades que têm surgido (e estudando muito). A nossa estreia juntas foi neste artigo escrito para a Fast Company Brasil sobre quais são as oportunidades para as marcas por trás dos NFTs.
Don’t hold back…
Para não dizer que agora eu só falo sobre NFT, eu compartilho esta dica preciosa de um documentário sobre o Ryuichi Sakamoto, Tokyo Melody, produzido durante a gravação do álbum “Illustrated Musical Encyclopedia”, em 1984. Na época Sakamoto da gravação ele disse: “Eu estou trabalhando em coisas que só serão compreendidas pelos netos do século 20”. Ele tinha mesmo razão, muitos ainda não entendem.
Eu, que to sempre lendo coisas sobre o John Cage e muitas vezes me refugiando em seus silêncios, não sabia da história sobre a execução de sua obra “Organ2/ASLSP - As Slow As Possible” numa igreja medieval na Alemanha a 2h30 de carro da minha casa. A história toda sobre esta obra, que levará um total de 639 anos para ser totalmente executada, é fascinante e pode ser conferida neste texto bem humorado sobre esse audacioso projeto. A próxima nota será tocada em 5 de fevereiro de 2022. Já coloquei no calendário (valeu Bia pela dica). Quem vem comigo?
Opa, olha que notícia ótima: A minha musa Patti Smith aderiu à newsletter e é agora minha vizinha aqui no Substack.
Para quem trabalha com música, essa planilha contém uma lista imensa de ferramentas disponíveis de marketing. Está bem completa e feito com foco em artistas.
Se você gosta de estar por dentro das previsões sobre o futuro das experiências, recomendo baixar este report da ØCLB, que traz alguns insights interessantes.
Oh, Baudelaire
Rimbaud foi quem me levou a conhecer o Charles Baudelaire quando eu tinha 18 anos. Apesar do primeiro ser meu favorito, foi Baudelaire quem me fez cair de amores por Paris e a me tornar fã de carteirinha dos simbolistas, inclusive foi essa a escola que escolhi para estudar nos meus anos dedicados ao teatro. No auge da minha paixão, eu decorei alguns de seus poemas e o tinha como um amigo íntimo (e um tanto mimado). Na última sexta-feira completou-se 200 anos da data de seu nascimento e rolaram várias homenagens à sua vida e obra.
Fui lembrada da data pela genial Aurea Vieira (recomendo segui-la no IG) que publicou uma pequena homenagem a ele resgatando o texto “Baudelaire e seus demônios” (ele tinha vários), de Geraldo Mayrink, que eu já li algumas vezes de tão maravilhoso que é:
“Prisioneiro do tempo, Baudelaire lamenta as coisas que não fez. Sofre com os projetos, as ambições e as decisões todos os dias retomados e diariamente desmentidos. Ele não quer correr junto com esse tempo. Para que se sinta também encarcerado pela paisagem, vai apenas um passo. A preguiça do poeta se transforma em tédio. Nascem as visões fúnebres, o medo da morte..” (Geraldo Mayrink - Baudelaire e seus demônios)
Gostei também bastante do texto (e das referências) da Francesca Angiolillo, que trouxe o Baudelaire para o mundo atual questionando se o hábito de flanar resistirá ao confinamento, prática na qual ele era adepto, pois nela “encontrava os motivos para o gozo pleno da alma” (Walter Benjamin).
Nesta terça-feira (13), o programa “Poesia no Ling” homenageará o poeta com uma aula sobre a vida e obra de Baudelaire ministrada pelo também poeta Diego Grando.
My name is trouble
As rapidinhas do amor:
Eu mesma já fiz piada acerca da matéria sobre o dia em que Caetano Veloso estacionou o carro no Leblon. A autoria, até então um mistério, se revelou num ótimo texto publicado na Piauí sobre o fato (tem muita reflexão nele para fazer acerca do jornalismo). Eu fiquei com vontade de atravessar o mar até a Dinamarca e dar um abraço pessoalmente na Elisangela Rosso, autora de tal proeza.
Texto tocante da Maria Homem lembra da sua história vivida ao lado do Contardo Calligaris até seu último suspiro.
A Christie’s abraçou de vez a cripto arte depois da venda milionária da obra do Beeple. O próximo leilão será de 9 NFTs do famoso CryptoPunks. O interessante no caso da Christie’s está sendo vê-los abraçar artistas que até então eram desconhecidos do grande público e desprezado por colecionadores de arte. Olha que filão aí! Se alguém ainda afirma que o mercado de NFT é mera bolha, ainda não sacou direito o que está rolando.
Dizer que só os ricos leem livros para defender a taxação maior sobre os livros é mais uma política higienista para manter as classes mais pobres alienadas. Como disse Osmair Camargo Cândido, coveiro e filósofo, que certa vez vendeu sua TV para comprar livros: “Ler livros economiza tolices”. No meu caso, ler livros me mostrou que o mundo era muito maior do que a região pobre onde nasci e cresci.
A drag amazônica Yúra Sodoma usa o corpo para chamar atenção para questões ambientais e sociais e também para mostrar a beleza da floresta. A personagem, criada pelo biólogo e mestre em ecologia Emerson Yúra, afirma ser uma drag demônia, pois quando se monta não se transforma em gente e sim numa árvore que anda. Isso me remeteu à peça-filme “A árvore”, monólogo poético e surreal em que Alessandra Negrini é M, personagem que vive uma metáfora kafkiana após sofrer uma perda se metamorfoseando numa árvore. (Fica em cartaz até dia 18 de abril).
Terminei de ler “Talvez você deva conversar com alguém”, da terapeuta Lori Gottlieb, que desvenda o fascinante mundo da terapia através de suas vivências pessoais e profissionais. O livro é também um mergulho na nossa própria experiência ao nos depararmos com dilemas muito similares aos dos personagens ou até mesmo da própria autora.
Próxima leitura: Enciclopédia Negra, um compilado de biografias afro-brasileiras.
A minha amiga Paloma Sá sempre disse “que no fim tudo é amor” e não há como não concordar com ela. A Revista Gama fez um (ótimo como sempre) especial sobre como o amor nos salva. Recomendo espiar o bloco de notas que têm várias dicas para mergulhar nesse tema tão universal.
Um ano de silêncio: Conecte no telão da TV, coloque o volume alto e dê play nessa lindeza.
O livro “A sociedade do espetáculo”, de Guy Debord, veio à tona numa conversa recente com 2 amigas. Eu nunca consegui lê-lo, mas curiosa que sou, eu fui atrás de algum podcast que falasse a respeito e acabei caindo nesse episódio homônimo do podcast “E se?” que discute o livro numa conversa fascinante e profunda com a Prof. Dra. Rita Velloso (UFMG). Nela, ela traz questões sobre o cotidiano, a arquitetura e urbanismo, as artes, a religião.
Caso você esteja em São Paulo e goste da culinária japonesa, não deixe de conferir esta lista de deliveries de alguns dos melhores restaurantes japoneses da cidade.
Você acha que techno é o estilo mais ouvido em Berlim? Errou! O Pudding mostra que quem toma conta da área é a música pop. 😥
Estamos prestes a entrar num novo lockdown com toque de recolher às 21h aqui em Berlim. As lojas, que reabriram e hoje é necessário agendamento e teste negativo de Covid feito no dia para visitá-las, também podem voltar a fechar. A previsão é que essas medidas possam durar até junho.
Antes de partir, eu deixo aqui uma live da compositora e pianista Hania Rani. São 25 minutos de muita beleza daquelas que fazem nossa alma sorrir.
Tchau! :)
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