Espiral #39: Dois anos em Berlim celebrados na Berghain
O dia em que fui barrada na Berghain
Eu não consigo contar nas mãos quantas vezes fui no Berghain, tendo sido devidamente barrada numa delas, assim posso dizer que tenho no currículo toda a experiência que o club mais famoso do mundo oferece.
Passei uma longa temporada em Berlim em 2017. Na época, eu sequer imaginava que não demoraria muito para me mudar de mala e cuia para cá. O verão estava no auge, o domingo ensolarado e quente, perfeito para fugir para um lago, mas me mandei com os amigos para a missa dominical dos clubbers da cidade, o Berghain, uma semana após ter sido barrada depois de ficar três horas na fila. Ouvi um sonoro “not today” do bouncer.
Não sou grande fã da música pop, mas a Robyn ganhou meu coração há alguns anos e permanece intocável vivendo nele. Ela tocaria no Panorama Bar neste saudoso domingo ensolarado de 2017. Não tive dúvidas! Queria dançar com ela num dos lugares mais improváveis para vê-la ao vivo.
Fila pequena, o mesmo bouncer que não me deixou entrar na semana anterior, mas desta vez ouvi um “yes for you today”. Eu me senti especial por um momento. Opa, ele se lembrou de mim, mas não se iluda. Ali poucos são os especiais e eles não estão entre os mortais comuns como eu. Deixei a roupa na chapelaria e voei seminua para ver a minha musa sueca tocando. Ela, vestida numa camiseta longa de tela transparente deixando à mostra a calcinha e sutiã, tocava pulando e cantando com a galera já no meio do seu set. Estava longe de ser a Robyn que eu conhecia e eu gostei ainda mais dela. Foi ali a última vez que curti uma festa por horas seguidas no Berghain por um bom tempo.
Em outubro de 2019 eu me mudei para Berlim. Antes da pandemia chegar eu voltei ao Berghain, mas não exatamente para curtir suas famosas noites, mas para shows e festas do festival de música experimental CTM. Faltando menos de um mês para ser declarada a pandemia mundial, eu bati lá num fim de domingo chuvoso e gelado de fevereiro. A longa fila, que aprendi a dimensionar o tempo que gastarei nela pelo tamanho, anunciava pelo menos duas horas e meia de espera. Desisti. Lamentei profundamente nos meses que se seguiram por não ter ficado. Mal sabia que poucas semanas depois o Berghain anunciaria o fechamento de suas portas que, na época, foi um baque geral e um prenúncio de que tempos difíceis estavam chegando.
A Alemanha teve um lockdown bem severo. Era possível sair na rua, ir aos parques e lagos, mas além do supermercado, da farmácia e da loja de bebidas, o restante do comércio ficou fechado por longos meses. Entre um verão e outro quase tudo reabria, com exceção dos clubs que ganharam finalmente a liberdade de abrir suas portas somente em setembro. Até então, as festas por aqui eram somente as ilegais (que eu não fui) e no verão. Tivemos festas cheias de protocolos acontecendo legalmente até às 22h apenas em biergarten e em espaços abertos. O Berghain dedicou todo o seu prédio para abrigar exposições de arte e no último verão abriu seu famoso Garten (o jardim) para festas pequenas ostentando sempre filas gigantescas.
No fim de setembro a notícia de reabertura do Berghain foi recebida com ovação. Foi um ano e meio sem festa no intitulado templo mundial do techno. À época da notícia, eu tinha fugido com minhas amigas clubbers para curtir a noite em Kiev, na Ucrânia. Rolou uma comoção geral quando soubemos que o line-up de outubro havia sido anunciado. O Instagram foi tomado por memes e celebrações. O mundo comemorava o retorno. Para mim era sinal de que a vida aos poucos estava retomando de verdade. Eu fiquei feliz.
Na semana que antecedeu a reabertura só se falava sobre o assunto nas rodas de conversa aqui em Berlim. Todo mundo querendo dar um jeito de conseguir curtir este momento histórico. O grande dia chegou no primeiro fim de semana de outubro tendo os DJs residentes Ben Klock e Marcel Dettmann fazendo um ‘back to back’ no domingo. Ia ser pauleira.
Provavelmente a primeira noite marcou a maior espera da história do club: Foram ao menos sete horas de fila com gente acampando na porta. Eu pulei, mas decidir no domingo seguinte com amigas que tinham nome na lista, o que diminui bastante o tempo de fila. Já eram cinco horas da tarde quando seguimos para lá. O dia estava ensolarado, mas gelado. Quando desci do táxi, a fila normal estava a perder de vista e a de guest list e/ou reentrada (quem sai e quer entrar de novo, pega fila e paga cinco euros) estava longa também. Calculamos uma hora de espera, mas acabamos ficando duas horas esperando.
A fila é parte do ritual de quem vai no Berghain. No fim das contas, ela sempre pode ser interessante, afinal o público é, na maioria, tão interessante quanto a experiência dentro do club. Estávamos todas bem ansiosas e o tempo na fila no fim das contas ajudou a relaxar um pouco. Fiquei por um tempo observando a entrada: de um lado, a fila normal, do outro, a fila que eu estava e no meio surgiam sempre pequenos grupos entre as duas filas que entravam com toda a facilidade invejável do mundo.
Vi poucas pessoas sendo barradas e notei um equilíbrio entre deixar pessoas de uma fila e outra entrar. Também notei os bouncers mais simpáticos do que de costume, mas como não estar feliz com um dos clubs mais emblemáticos do mundo reabrindo a porta depois de tanto tempo fechado?
Chegou a nossa vez. Friozinho na barriga e a leve tensão costumeira de quem pega fila no Berghain, mas a minha amiga foi recebida com abraços calorosos da bouncer, então finalmente relaxei. Já lá dentro, eu não conseguia disfarçar a alegria, não apenas por estar de volta às festas, mas porque o Berghain reabrir significa muita coisa em meio à pandemia. Deixamos as coisas na chapelaria e voamos para pegar o final do set do DJ residente Norman Nodge, que fazia sua última mixagem para fechar a noite com uma aceleração de BPM primorosa. A Avalon Emerson, que tocava no Panorama e era minha prioridade, ficou para uma outra vez. Eu não chegaria a tempo de vê-la e queria muito ver a entrada do DVS1 na pista do Berghain depois de tanto tempo.
A pista estava lotada, luzes verdes formavam um quadrado em cima dela e as pessoas estavam mais sorridentes do que o normal. Quando o DVS1 entrou triunfal com BPMs baixos ainda, eu fui tomada por uma emoção que me fez chorar emocionada. Muitos braços se levantaram e os olhos se fecharam para sentir os graves perfeitos saindo de um dos melhores soundsystem do mundo.
Ficamos por um tempo dançando com o techno pesado do DVS1 que sempre exige atenção e parece ter sido feito sob medida para o Berghain. Não é som para conversar na pista. É para mergulhar nele. Eu, que nem sempre estou no clima de seus sets, neste dia o abracei.
No Berghain é tudo superlativo. Ele não tem essa aura toda à toa. Sua arquitetura imponente assim como tudo à sua volta. Este fim de semana estava sendo comandada pelo coletivo queer Mala Junta, o que explicava tanto a profusão de espanhóis quanto a pulseirinha do club com a frase “Lo que no me mata me alimenta”.
Depois fui dar uma volta pelo Panorama, onde o israelense Roi Perez fazia um set divertido com direito a pancadão (pancadão no Berghain? What?). Pela primeira vez achei a noite leve, as pessoas mais soltas e risonhas. Encontramos amigos de pista, conversamos, rimos e dançamos. Não foi uma noite longa, pois a segunda-feira estava batendo na porta cheia de coisas pra fazer, mas como minha amiga disse, foi “short but sweet”.
A vida está voltando.
Por que sumi?
Eu ando desaparecida porque tenho sentido uma exaustão que tem me colocado num estado de apatia. A conta da pandemia chegou. Passei esse um ano e meio me ocupando o suficiente para não entrar em paranóias. Construí muita coisa, mas fiquei cansada. Agora vou abrindo mão de coisas que não fazem sentido e não é fácil.
Voltei aqui pra reaquecimento, pois uma das coisas que mais me deu prazer em fazer durante a pandemia, foi a #Espiral, que me levou a tantos lugares e pessoas.
Tenho uma lista imensa de leituras, de séries e achados pra compartilhar, mas agora estou aqui esparramada na cama de um hotel em Barcelona esperando a hora do casamento de uma das minhas melhores amigas, a Amanda Foschini, amiga que a pista de um festival (o Dekmantel 2016) me deu de presente.
Então hoje, deixo apenas essa crônica sem te encher com milhões de links. Aproveite para respirar também, para não fazer nada e para voltar a pensar no futuro, mas sem abrir mão do presente.
A minha única recomendação hoje é a série “Sex Education”, que pode ser bem teen, mas tem muita coisa pra nos ensinar.
❤️
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