Tenho estado ocupada o suficiente pra não ter tempo pra ficar mal, mas na última quinta as coisas desandaram. Atualmente vou pra cama por volta das 23h, mas nesse dia escolhi esticar no sofá até mais tarde. Entre uma taça de vinho e zapeadas na TV eu escolhi o excelente documentário "Joan Didion: The Center Will Not Hold" pra assistir. Ele abriu uma verdadeira caixa de Pandora. Pra quem não a conhece, Joan Didion é uma das precursoras do Novo Jornalismo, mas só os homens é quem ganharam holofotes na história. Entre depoimentos, leituras de trechos de seus livros, cenas de sua vida agitada, viagens e família, eis que surge a morte de uma maneira inesperada. A perda de seu marido resultou no livro "O Ano do Pensamento Mágico", uma obra-prima que mudou a forma como se escreve sobre o luto. Em 2017 a obra entrou pra lista dos "100 melhores livros de não-ficção de todos os tempos" do The Guardian.
"A vida muda num instante. Você se senta para jantar, e aquela vida que você conhecia acaba de repente". - Joan Didion.
Foi aí que desabei. Chorei até dormir no sofá enquanto os créditos subiam na TV. Chorei pela Joan, pela vida, pelo mundo, por mim e pelo reconhecimento tardio que nem sempre nossas heroínas têm. Chorei uma tristeza que estava nos escombros da minha alma e eu nem sabia. Doeu!
Na sexta-feira eu acordei me sentindo extremamente calma. Lembrei-me que tinha deletado todos os apps de interação social do celular incluindo o WhatsApp. Que alívio! Decidi então que este seria o meu dia de silêncio. A pandemia deixou o mundo tão barulhento dentro das nossas casas e dentro da gente que está mais fácil encontrar silêncio nas ruas do que nos metros quadrados em que vivemos.
Para entender o que eu sentia eu retornei ao texto em que David Kessler, um expert em luto, em que ele diz que o desconforto que estamos sentindo nesse momento de pandemia é justamente um "luto antecipado". O sentimento não é saudável e gera ansiedade pois antecipa coisas que não aconteceram (e talvez nem aconteçam). O texto parecia escrito pra mim. Eu estava imersa no luto.
"O ruído nos leva a esquecer quem somos, e o silêncio nos revela. Tentamos mudar o mundo com ruídos e convulsões, mas só o salvaremos com a silenciosa entrega à vida." - Juan Arias em El País.
Passei parte do fim de semana ouvindo música clássica. Fiz até uma playlist dedicada à contemporânea. Pra fugir do tédio, eu fui espiar o grandioso One World: Together at Home, mas fiquei ainda mais entediada. Não era bem uma live. Os artistas pré-gravaram (isso tinha sido anunciado), mas alguns tiveram a cara de pau de fazer playback para apresentar uma única música. Esses não entenderam nada. O Ivan Finoti fez uma boa avaliação sobre a programação.
A manhã dominical foi preenchida com uma ode ao rock'n roll. Pesquisei playlists alheias e achei essa bem fresquinha e chic feita pela artista Brambles no fundo da internet. São quase 15 horas de música que definem bem a cena da música atual. Depois me entreguei à live do Christian Löffler pra MixMag no domingo que foi uma lavada na minha alma.
Ontem eu ouvi o novo álbum da Fiona Apple, "Fetch the bolt cutters" na íntegra. É uma deliciosa jam session selvagem perfeita pra um fim de tarde. Não é à toa que ganhou a primeira nota 10 dos últimos 10 anos das resenhas de discos da Pitchfork. É maravilhoso! Ele me remeteu ao "The Hope Six Demolition Project", da PJ Harvey, que eu considero uma obra-prima.
Está sendo incrível assistir esse momento de profissionalização da indústria da música para atender a nova demanda de shows virtuais, inclusive já encontrando formatos de monetização. A maioria das plataformas sociais têm trabalhado pra criar ambientes propícios para abrigarem essas lives. A última foi o mixcloud. O Fortnite também entrou no jogo e abrigará 4 shows do Travis Scott nos próximos dias. A gigante Live Nation criou a plataforma "Live from Home" com uma lista incrível de shows pra acompanhar. O Dice.fm/tv também, inclusive com possibilidade de venda de ingressos. A Charli XCX tem feito conferências semanais via Zoom pra contar novidades pros fãs e conversar com jornalistas sobre o novo álbum que está produzindo nesta quarentena. Mas ainda tem muito trabalho a ser feito pelas próprias plataformas. As lendas do R&B Babyface e Teddy Riley quebraram a internet ao reunir 500.000 fãs simultaneamente pra assistirem à batalha que tentaram promover no instagram. A plataforma não deu conta e a batalha teve que ser postergada.
Não gosto muito da música, mas ando fascinada pela Grimes. Eu tenho tirado o chapéu em tudo que ela tem criado em torno do lançamento do álbum Miss Anthropocene. Tenho certeza que ela e o Elon Musk vieram do mesmo planeta e não é a Terra.
Mas não é só live music que está em destaque na internet. A dança tem também proporcionado belos momentos. O Ballet Opera de Paris fez um vídeo maravilhoso com todos os integrantes da companhia dançando de suas casas formando um espetáculo único. A Trisha Brown Company criou o "Room/Roof Piece" baseado na obra "Roof Piece" de 1971 da própria Trisha. A peça é devotada à dança e ao silêncio. O Floating Points fez um Boiler Room acompanhado remotamente da KDV Dance Essemble com seus bailarinos dançando de diversos lugares. O público tinha a opção de se apresentar também através de uma sala disponível no Zoom. Achei a ideia brilhante e diferentona mesmo com a transmissão falhando em alguns momentos. Estamos na hora de testar! Bem-vindos aos que acrescentam.
Para quem anda com saudades do barulho de cafés, a Coffitivity recria sons comuns neste ambiente. De acordo com pesquisas a distração sonora ajuda a ser mais criativo. A biblioteca conta com sons de ambientes de cafés de diversas nacionalidades. Usei aqui e adorei!
Três amigos, o German Carmona, o Lúcio Ribeiro e a Daniela Cachich (time de peso, hein?), criaram o podcast Freestyle. Toda terça tem bate-papo com um convidado especial. A primeira foi a Ju Ferraz e o segundo foi o Sérgio Dávila. Ouve lá que está bem divertido e inspirador! O Emicida também lançou o podcast "AmarElo - O Filme Invisível", uma viagem sonora pelo vasto universo criativo que o artista batizou de neo-samba.
A Giselle Beiguelman escreveu um ótimo artigo sobre como a maioria dos museus foram atropelados pela pandemia e rastejam na idade da pedra lascada da internet. A Nathalia Lavigne reflete sobre o mesmo tema. Mas já tem museus e galerias buscando por novos formatos pra atender a nova demanda. O Tate Modern, por exemplo, criou um "tour" com o curador da maior retrospectiva que já fizeram do Andy Warhol, mas que foi interrompida pela quarentena.
Nos grupos de WhatsApp dos amigos que participo o assunto mais comentado é comida, mas um conselho: não deixe de vestir uma calça jeans por 1 ou 2 horas pra daqui algumas semanas entrar em crise quando tentar entrar em uma.
Quer chorar um pouquinho de emoção? Assista esse curta And the people. <3
É meus amigos, o mundo começou a ficar estranho quando David Bowie morreu em 10 de janeiro de 2016. Vou lá "plantar folhas de sonhos no jardim solar" e volto na semana que vem.
Tchau. :)
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