Espiral #7: saindo do isolamento
A vida fora da janela, pandemia, música, silêncio e os psicodélicos.
Playlist pra ouvir enquanto lê essa newsletter.
O isolamento em Berlim diminuiu, mas agora é obrigatório usar máscara em transporte público. Ver as lojinhas e floriculturas do bairro abrirem as portas, trouxe um falso ar de “normalidade”, porque o normal, seja qual for ele, parece distante. Museus e galerias de artes já abrem na próxima semana. Tudo parece acelerado demais, mas eu sigo confiando na dona Merkel.
Por aqui eu voltei a pedalar e comecei a correr. Tenho aproveitado para conhecer melhor o meu bairro, Prenzlauer Berg, um dos mais bonitos de Berlim. Tenho feito descobertas maravilhosas. Sou rodeada por praças, parques com espreguiçadeiras cercadas por areia, alamedas de cerejeiras, castanheiras e uma vila onde casinhas de verão repousam em jardins floridos à beira da linha do trem. Nelas não é possível morar, mas eu já sonho em ter a minha.
Prenzlauer Berg sobreviveu à Segunda Guerra Mundial mantendo 80% de seus prédios intactos, muitos deles elegantes e coloridos. Eu moro num prédio pré-guerra, nem elegante e nem colorido, mas nele eu me deleito com seu pé direito alto e vista para o por-do-sol.
Na corrida de ontem eu me dei conta de que o Villa Rodízio, restaurante brasileiro que também vende comida mexicana, fica num dos prédios mais emblemáticos do bairro, a Villa Groterjan, uma villa art nouveau de 1900, que já abrigou um cinema, uma cervejaria e hoje vive com espetos cheios de carne desfilando sem parcimônia em seus 500m2. Achei quase profano.
Há também muitas paredes na cidade impregnadas de saudades com pôsteres de shows se desintegrando. Neles, a Björk, o The Weeknd, o Four Tet e a Patti Smith esperam a chegada de um tempo que não virá. Já os vejo como símbolos de um mundo que ficou para trás.
Eu fotografo tudo que vejo com medo deles não existirem mais, mas aí leio o texto “Your new normal is our old normal”, de Khalid Albaih, e levo um tapa na cara bem dado, que me jogou para o canto da sala morrendo de vergonha, por me achar tão pretensiosa achando que o mundo vai mudar e que estamos vivendo algo que o mundo nunca viveu.
Mas os pôsteres! Gosto muito deles e tenho uma extensa coleção. A Alemanha tem uma longa história com o design e a cultura do pôster faz parte dela. Aliás, a quarentena tem sido inspiração para recriar pôster com obras de arte numa alusão ao momento ou mesmo com viagens em tempos de isolamento social. Essa coleção de pôsteres criada há 100 anos no Japão traz tutoriais de como se cuidar em meio à gripe espanhola com várias lições ainda válidas.
“After silence that which comes nearest to expressing the inexpressible is music” - Aldous Huxley
Na segunda-feira eu me dei ao luxo de passar uma tarde esticada na grama do Mauerpark tomando sol na cara. Eu tenho sofrido todas as fadigas: a fadiga da quarentena, a fadiga do Zoom, a fadiga de viver com a cara enfiada na tela do meu computador e celular e a fadiga de ser imigrante.
Comecei a ouvir “Com Emicida, podcast discute o silêncio e o ruído na quarentena”. “O silêncio é uma ilusão do nosso entendimento”, disse ele sobre o assunto. Conheci o Emicida há uns 6 anos quando eu o convidei para participar de um documentário sobre produção de música em São Paulo. Ele começava a despontar e era o artista perfeito para a história que queríamos contar. O encontro aconteceu na catraca do metrô Santa Cruz. Ahã! De lá seguimos para a praça de alimentação do shopping da estação e saí com um ok dele.
No fim ele não participou, pois na sequência viajou para sua primeira turnê internacional e nunca mais parou. Ele voou tão alto que eu nunca mais o alcancei, mas desde então eu presto atenção em tudo que o Emicida faz. Continuei querendo ouvi-lo, então apertei o play no 2º episódio do AmarElo: Um filme invisível, podcast que eu já mencionei aqui. Para mim, o melhor dos últimos tempos. Quanta poesia, quanta referência, quanta história boa. Podcast pra aquietar a alma e nos fazer feliz.
Silêncio é um tema que tem me atraído bastante, até porque eu sou barulhenta demais. O silêncio e a música me conquistam cada vez mais, por isso ando tão enamorada do John Cage. Já ouviu o que Cage dizia sobre o som? É a coisa mais bonita do mundo.
Assistindo às aulas do Eduardo Schenberg e Sidarta Ribeiro sobre Ciência Psicodélica eu soube que o químico Alexander “Sasha” Shulgin, avô do LSD e pai adotivo do MDMA, descobriu e sintetizou 230 tipos de psicodélicos entre eles um que desperta apenas a audição. Uau! Enlouqueci só de imaginar. Na minha pesquisa pós aula sobre o Sasha, eu descobri que o Bruno Torturra o encontrou no Burning Man 2009 e escreveu este texto maravilhoso sobre o encontro. Obs.: o Sasha faleceu em 2014 prestes a completar 89 anos.
Tenho assistido menos lives enquanto curo a minha fadiga digital, mas fico feliz em ver marcas no Brasil começando a patrocinar projetos online de música: A Devassa se uniu a 8 festivais brasileiros pra fazer o Festival dos Festivais no próximo feriado; a Heineken manteve sua parceria com o Queremos! e juntos promoveram o Home Sessions no último finde; a Pernod lançou o The.Cloud.Bar; a Budweiser fez o One Team Live Festival, só pra citar alguns. Que venham mais!
Falando das lives que vi, as minhas favoritas dos últimos dias foram: Peggy Gou no Boiler Room, Max Cooper - Lockdown AV Session -que na real foi pré-gravada e durante a transmissão ele ficou conversando com fãs como eu - e o United We Stream com a Joyce Muniz. A notícia boa é que as pessoas estão doando dinheiro durante as lives e o público já está pagando para entrar em festa virtual.
Já ouviu falar na pop star Hatsune Miku? Eu nunca tinha ouvido, mas ela tem quase 1 milhão de fãs no Youtube, só existe no mundo virtual e tem bastante para ensinar sobre o futuro da live music.
A minha parceira de crime Claudia Assef estreará nesta quinta-feira às 21h o programa Todo Mundo é DJ no Facebook e no Youtube. A parada promete ser fina, já que tem roteiro feito pela diretora de filmes Roberta Cunha, que também comanda a gravação. O primeiro convidado é o DJ Marky.
O festival polonês experimental Unsound fará sua próxima edição em outubro totalmente online (e eu achando que iria esse ano), mas num formato bem diferente de como os festivais físicos estão levando suas edições para o virtual. Avant garde desde que surgiu, escolheu o tema “Intermission” trocando a música pela fala, o festival focará em discussões sobre o atual momento e especulará sobre para onde estamos indo. O Unsound é tão futurista, que o tema do ano passado foi “Solidariedade”. As coisas estão mudando muito rapidamente, até outubro já teremos uma baita profissionalização dos projetos criados exclusivamente para a internet, ainda assim acredito que o Unsound trará muitas lições pra gente, não só sobre essa “nova era”, mas também sobre como criar projetos relevantes para live streaming.
Para fãs do SXSW, o festival vai apresentar sessões online para quem se registrou na edição 2020, mas liberará o conteúdo para o público geral no meio de junho. O SXSW também selecionou 39 filmes/documentários que seriam exibidos este ano disponibilizando-os no Amazon Prime e fez uma bela playlist com algumas das melhores palestras de 2019.
Mas como em qualquer crise, tem um segmento do mercado da música se dando bem na quarentena: o de instrumentos musicais e de softwares de produção de música.
"- Ajudou a passar o tempo.
- Teria passado igual.
- É. Mas menos depressa." - Esperando Godot, Samuel Beckett
Já fui uma ávida leitora de peças teatrais, mas hoje não sou mais. Eu me peguei num dia desses relembrando uma das minhas peças favoritas: “Esperando Godot”, de Samuel Beckett, uma história simples e hilária sobre a espera de alguém que os personagens Estragon e Vladimir não sabem quem é. Apesar da história ser uma metáfora sobre a Segunda Guerra, ela se encaixa perfeitamente no agora. Fui pesquisar depois e achei alguns textos fazendo a mesma alusão.
E, foi ouvir sobre o tempo que dediquei minha tarde de ontem. Terminei o curso Temporal, da Torus Lab. Confesso na minha ignorância que nunca achei que estudar o tempo pudesse ser tão fascinante. Saí de lá carregada de referências e leituras para correr atrás, mas enquanto me organizo aqui, eu tento entender Por que o tempo voa com o Alan Burdick. Uma lição importante foi aprender que o álcool é metabolizado mais lentamente entre as 22h e 6h da manhã, ou seja, vamos ter que beber mais cedo. :)
Para inspirar, olha a lindeza desse diário da quarentena em Bucareste criado pela Ina-Alice, e que incrível é esse ensaio da fotógrafa Elizaveta Porodina fez com a Chloë Sevign pelo Zoom. Muitos aplausos para todas elas.
Claro que já tem dicionário de expressões criadas durante a pandemia. Qual sua palavra nova favorita? Eu adoro “isobar: isolation bar”. Deixei dois textos abertos aqui na aba para ler, que trazem dois assuntos interessantes e divido com vocês: Um fala que devemos parar de tentar replicar a vida que tínhamos antes da pandemia e o outro é sobre como o coronavírus mudará a vida das pessoas mais jovens. Estou com medo de ler os dois.
Se você está perdendo a sanidade nessa quarentena, dá uma passadinha no blog da Vovó Neuza, que tem 90 anos, mora em São Paulo e está passando por esta sozinha.
É, como disse Euclides da Cunha em Os Sertões: “A vida normaliza-se naquela anormalidade”.
Para quem ama música brasileira, eu deixo aqui uma playlist caprichada com músicas que falam de eurocentrismo. Também deixo um extenso relatório sobre os primeiros 60 dias de Covid-19 no Brasil e a dica de curso com 10 insights do Tiago Mattos para quem quer especular o que vem depois da pandemia, mesmo sabendo que a “ansiedade é o preço que pagamos pela habilidade de imaginar o futuro”.
Obrigada por ter chegado até aqui. Sugestões e críticas são super bem-vindas, pois essa newsletter está em experimentação.
Tchau!
Parabéns !!!!!!!!
Muito Foda, divagações cheias de conteúdo deixando transparecer sua personalidade e anseios.
Não estamos tão sozinhos como pensamos, mas que se essa proposta digital de festivais permanecer, eu definharei até ficar igual ao conteúdo da tumba de Tutancâmon.
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