Olá! Esta newsletter está tão atrasada quanto a primavera em Berlim, que chegou tardia e parece ainda escorregadia, pronta para uma traição. Eu te traí também! Enquanto meu texto sobre tendências x Berlim cozinha um pouco, decidi matar as saudades de escrever um texto bem pessoal porque estava com vontade de assim escrever. Aos que chegaram recentemente, boas-vindas! Essa sou eu, Lalai, caótica e várias, que no momento habitam o mesmo lugar.
*Trilha sonora para essa newsletter: “Mixing Colors”, dos irmãos Roger e Brian Eno, um álbum meditativo perfeito para acalmar mentes inquietas. Eu confesso que fui ao show do Roger Eno, porque sou grande fã do Brian, mas me supreendi com um artista engraçado, que dividiu cookies com a plateia e depois virou meu BFF.
Eu achei que era tristeza, mas era falta de sol
Chorei uma tristeza tão doída sem saber de onde ela vinha. Na semana passada, eu meditava ouvindo 20220214, do Ryuichi Sakamoto, devidamente sentada na posição de lótus no meio da sala, onde um sol preguiçoso atravessava a janela e repousava morno no meu rosto. De repente, lágrimas rolaram descontroladas ladeira abaixo pelas bochechas.
Terminei de meditar banhada no choro e emendei uma aula de yoga. Retomei o prumo, sequei as lágrimas, alonguei o corpo e segui meio gazela, meio pata, até o final da aula, quando novamente caí no choro sentada no chão do corredor da casa.
Antes de ir para o banho, peguei o caderno para divagar um pouco e, quem sabe, traduzir esse disparate sentimental que me assolou sem pedir licença. Escrevi, escrevi, escrevi, tentando tirar alguma dor solapada na alma. Em vão. Passei o dia meio lá, meio cá, abatida por um desânimo descomedido. Uma depressão, que nunca veio, querendo encostar em mim?
No jantar eu comentei com o Ola, o marido, sobre essa tristeza repentina. Vasculhamos juntos o que poderia estar me deixando triste. Poderia ser a falta de projetos ou a grana curta no banco. Talvez as saudades da família e dos amigos que estão do outro lado do mundo. Ou ainda a falta de viagens que outrora foram tão frequentes. Mas nenhuma pista.
No dia seguinte, o sol finalmente apareceu robusto, a temperatura subiu, as árvores em frente à minha janela pareceram mais coloridas e farfalhantes alegrando a paisagem. Fui tomada por uma vontade louca de sair pedalando pela cidade, coisa que há tempos eu não fazia e muito menos desejava.
A previsão para os próximos dias era animadora. Teríamos céu azul-bebê, que é ainda muito claro nessa época do ano, 18 graus no termômetro e pôr do sol depois das 8 horas da noite.
Com uma reunião marcada no dia seguinte para discutir um projeto com duas amigas, não tivemos dúvidas. Combinamos o nosso colóquio à beira do canal, em Kreuzberg, num dos cafés mais concorridos do bairro, onde gente bonita e animada se empilha em mesas espremidas na calçada para tomar vinho natural, comer o melhor queijo quente de Berlim, ver e ser visto.
Cheguei em Kreuzberg e dei de cara com o antigo e delicioso arrebatamento, que andou tão ausente, causado pela luz do sol e pelo calor, alterando a energia da cidade de maneira extraordinária! Enquanto eu andava à beira do canal, eu assistia pessoas sentadas perto da água, lendo livro, conversando, bebendo, fazendo piquenique, namorando ou apenas apreciando o momento.
Passar o inverno em Berlim me pareceu uma experiência insalubre. Ei, destino, que tal me dar 40% de horas extras de vida?
Encontrei as amigas, nos esprememos numa mesa minúscula, tomamos vinho, fizemos brainstorm, fofocamos, rimos de bobagens varrendo para longe a melancolia que nos cercava.
Depois, fui para um parque lotado, algo que não via há meses. Estendi uma canga na grama, encontrei o Ola que chegou com cervejinhas geladas para tomarmos enquanto contemplávamos o pôr do sol. E assim, fui pulando de lugar em lugar, como se a última vez que tivesse feito isso fosse em outra vida, em um planeta distante, até finalmente chegar em casa, pronta para apagar.
No dia seguinte, acordei com o sol iluminando o quarto, saltei da cama animada, preparei um pequeno banquete para o café da manhã enquanto verificava os horários de trem para aproveitar esse dia tão bonito. A emoção tomou conta de mim quando coloquei um shorts pela primeira vez em meses! O Ola até estranhou e perguntou: "Será que está tão quente?". "Olha só! Vai fazer 22 graus! Coloca um também!".
É curioso como nossas referências de tempo e temperatura mudam drasticamente quando mudamos de hemisfério! No dia anterior, meu pai reclamou do frio em São Paulo. Estava apenas 18 graus.
Viajamos para Potsdam, uma cidade vizinha de Berlim, e passamos o dia pedalando em meio à natureza, com o rio Havel nos acompanhando ao longo do percurso e o sol acordando nossos corpos mofados pelo mau tempo. Só paramos para comer um Bratwurstbrot, o cachorro-quente alemão, para não perder tempo, mas acabamos sendo encurrulados num biergarten que demorou uma hora para trazer a nossa cerveja. Reclamamos a demora, mas o garçom só respondeu “Paciência, hoje tá mais lento que o normal mesmo”. Todo mundo querendo sentir calor.
O parque onde passeamos há duas semanas estava repleto de árvores secas, agora se mostrava como um oásis verdejante em um dia ensolarado, que até rendeu uma prainha no fim do dia com direito a colocar as pernas na água, que ainda segue gelada.
Já no trem de volta para Berlim, o meu marido olhou para mim enquanto eu cantarolava feliz e disse: “Lalai, não era tristeza, era falta de sol.”
Sobrevivi ao inverno, mas o próximo aqui eu não fico.
Yoga 🧘🏻♀️
Terminei de ler “Ioga”, do Emmanuel Carrère, e estou sofrendo porque estou com saudades do livro.
A escrita visceral e a vulnerabilidade com que Carrère compartilha sua história são de uma honestidade que me deixou desnorteada. Imagino que ele possa ser uma pessoa talvez insuportável, mas mesmo assim fui completamente cativada por sua escrita e senti empatia quando o vi atingir o fundo do poço.
“Preciso começar por algum lugar o relato desses quatro anos, durante os quais tentei escrever um livrinho simpático e perspicaz sobre a ioga, enfrentei coisas tão pouco simpáticas e perspicazes quanto o terrorismo jihadista e a crise dos refugiados, mergulhei a tal ponto numa depressão melancólica que precisei ser internado por quatro meses no hospital Sainte-Anne e, por fim, perdi meu editor”. - Ioga, Emmanuel Carrère
De alguma forma, eu me conectei com seu caos e, em menor (bem menor) grau, senti algumas de suas dores. Fiquei emocionada em diversos momentos da leitura, assisti Martha Argerich tocando "Polonaise", de Chopin, como ele assumiu que seus leitores fariam, e o livro terminou cheio de notas e referências anotadas num caderninho.
Se eu já estava envolvida com o tema da yoga e meditação, o livro me levou ainda mais para perto das duas. Carrère escreveu um livro sobre yoga, que não é exatamente sobre yoga, mas ela, ao lado da meditação e do tai chi, funciona para ele como a escrita, num exercício de ampliar sua própria existência.
Acompanhá-lo ir ao inferno, que não são outros mas nós, e voltar trouxe certo alento para momentos em que a vida não está tão maravilhosa como outrora.
Caso você esteja procurando um livro que te prenda até a última página, corra e leia “Ioga”. Para saber mais, leia esta ótima crítica da Quatro Cinco Um.
CooCool
📚 Um dos apps mais legais que descobri recentemente foi o “Libby”, onde você pode se conectar com bibliotecas ao redor do mundo para pegar livros emprestados, que podem ser baixados diretamente no Kindle. Além de livros, há também muitas revistas, um verdadeiro tesouro para amantes da leitura. Eu fiz uma conta digital na Biblioteca Pública de Nova York, que empresta livros por 21 dias;
🖼 Este fim de semana rola o Berlin Gallery Weekend, que sempre traz oportunidades de conhecer espaços e ateliês não abertos normalmente ao público;
👾 Quem passa mais tempo jogando videogames, os Millennials ou a Geração Z e os adolescentes?;
👨🏼🚀 Algumas empresas estão preferindo contratar pessoas mais velhas porque elas trabalham mais. Seria esse um dos caminhos para combater o etarismo no mercado de trabalho?
❤️ Conheçam a genial Elise by Olsen que, aos 21 anos, lançou a “International Library of Fashion Research”, o maior repositório do mundo de pesquisas especializadas e publicações de moda, com mais de 5.000 publicações lançadas a partir de 1975. No fim de 2022 o projeto deixou de ser apenas digital e ganhou um espaço físico em Oslo;
🤑 Assistir este documentário sobre o A-Fest, festival de bem-estar para milionários, me remeteu ao último episódio da divertida série “Loot”, com a Maya Rudolph;
✍️ Do divã ao diário: A ascensão da terapia da escrita;
📺 Série imperdível: Linhas Negras, que aborda o protagonismo de escritores negros na literatura brasileira;
👩🏼🎤 Qual seu estilo de criatividade?
🪅 A criatividade como conexão por
;📻 Para quem gosta de música experimental cabeçuda, recomendo o álbum *1, do coletivo vietnamita Rắn Cạp Đuôi, que está maravilhoso;
💔 Descanse em paz meu querido Pomba.
Vou embora cuidar da minha vidadulta. Volto essa semana ainda.
Chegou muita gente nova por aqui! Se quiser dar um alô, contar quem é você, como veio parar aqui, deixar críticas ou sugestões, é só me escrever. Vou adorar!
Também lendo Ioga, por pura influência da comunidade substackiana, e é especial ver como para cada pessoa ele pode tocar em um aspecto diferente! E sobre a falta de sol... ahh, como te entendo! Carioca, leonina e apaixonada pelos dias claros, acho que jamais conseguiria viver os meses de inverno europeu – o de SP já me deixa suficientemente cabisbaixa.
achei que era depressão mas era só falta de sol é muito maravilhoso ha!
esses dias ouvi dizer que abril é um mês traiçoeiro aqui na eurasia, porque fazem dias com 10 graus do nada, enquanto a primavera ta la batendo na porta. muito isso.
vc falou da martha argerich, vc ja assistiu bloody daughter, o doc que a filha cineasta dela fez sobre elas?