Espiral #8: memórias e o futuro da música
Fotos, lembranças, Economia Regenerativa, games e para onde estamos indo.
Uma aspa rápida: chegou um monte de gente nova aqui. Adoraria saber quem está por trás dos emails cadastrados na newsletter. Me escreva me falando quem é você e o que você gosta? Eu vou adorar te conhecer. :)
Resolvi aproveitar o tempo livre que me sobra para arrumar minhas fotos no celular onde carrego o mundo comigo. Nele coleciono quase 42 mil imagens, 5 mil a menos desde que comecei a tentar organizá-las. Desisti. Dói-me demais apagar minhas lembranças. É como se tirando-as dali, elas pudessem não existir mais num dia que talvez a minha memória venha a falhar. Então as coleciono, mesmo as repetidas, e sempre volto nelas quando a tristeza é a minha companheira do dia. Elas me alegram, me contam histórias, me trazem pessoas de outras várias vidas que vivi. Com elas eu vou pro Japão, pra Namíbia, pro Myanmar, pra Islândia, pra Austrália, e pra tantos outros lugares do mundo. Atravesso o deserto, sinto a água gelada nos pés fincados na areia negra que parece piche, ando pelas ruínas dos Incas, perco o fôlego a quase 5 mil metros de altitude, danço com auroras boreais, pego carona de bike com a Mulher-Maravilha, voo de balão, percorro a cavalo quilômetros numa estrada dura e iluminada por um céu forrado de estrelas, encontro com meus ídolos, assisto shows inesquecíveis, voo num par de esqui em montanhas de chantili, viajo num tapete voador, danço num trem que solta fogo no meio do deserto, paro o carro pra deixar uma girafa passar, dou risada com velhos amigos e com os novos também. Esse ícone tão valioso, que recebeu o simplório nome de “fotos”, é na verdade a minha grande “Alice através do espelho”.
Eu sempre gostei de colecionar histórias e contá-las pra quem estiver disposto a ouvir. Até o fim da minha adolescência eu tinha 5 amigos imaginários pra quem eu criava as histórias que eu queria viver. Hoje as lembranças que me restam são das viagens que criei pra Alice e pra Aline, pois geminiana que sou eu tinha dois alter egos. Tão contraditórias, coitadas, elas me enlouqueciam, mas me fizeram sonhar alto. Eu as mantive até a minha vida se tornar a delas. Foi com elas que verbalizei meus sonhos, encontrei meus ídolos e viajei o mundo. A quarentena está tendo o poder de eu resgatar a Lalai sonhadora que raramente colocava os pés no chão. Foi sobre essa essência que andou escondida que eu conversei no podcast “Shet_alks: Tem idade pra se reinventar?”. Eu acredito que não, senão não estaria aqui em Berlim.
Onde eu estive nos últimos dias
O meu contador de história favorito da semana é o Ronaldo Fraga que me sugou para a sua casa pra tomar com ele meus cafés da manhã. Quanta beleza, poesia, música saem dali. Ele me deixa enebriada com seu “Café da manhã com o ex-tilista”. Ronaldo, quero ser sua amiga!
Entre tantas “viagens” que tenho feito, uma das mais divertidas e mágicas foi com o Arthur Less, personagem do livro “As desventuras de Arthur Less”, que me deixou até triste quando eu o terminei de tão boa que era a companhia. Se você está em busca de respiro e sentir aquele amor que algumas histórias nos proporciona, abrace o Less.
Agora estou enamorada pelo protagonista de “O Impostor” de Edgard Telles Ribeiro, uma história sobre afeto e memória que se passa entre Nápoles e Rio de Janeiro. Livro curtinho pra ler vapt vupt!
Resgatei também um dos meus livros favoritos da vida, a ousada história de Confissão de Lúcio do Mário de Sá-Carneiro, escritor português contemporâneo do Fernando Pessoa que quase passou despercebido na história da literatura. O livro caiu em domínio público, você pode baixá-lo aqui e lê-lo numa sentada. Prometo puro deleite!
Mas se o que você procura é uma viagem poética pelo Japão com o Ryuichi Sakamoto como host, dê play em Coda.
O que chacoalhou a minha cabeça
Caí num grupo maravilhoso no WhatsApp onde discussões muito sérias acontecem. Foi bom porque eu andava mergulhada no meu umbigo e nas minhas bobagens. Esse grupo despertou um grande interesse meu em entender melhor a Economia Regenerativa. A Box1824 fez um belo estudo sobre o assunto indicando 3 pilares que estão moldando esse “novo mundo”: Consumo + Digital, Consumo + Consciente e Consumo + Social que juntos “apresentam um consumidor mais conectado, exigente e solidário em decorrência da profunda crise que vivencia.” Isso me faz concordar que o futuro só é incerto pra quem não o questiona.
Ontem aconteceu a aguardada palestra que a futurista Amy Webb faz anualmente no SXSW, onde ela apresenta 22 tech trends emergentes. Se o que você procura é uma reposta sobre o que será o novo normal, eu dou spoiler: ela não tem, mas vale muito a pena assistir.
Ainda falando em tendências, o Trendhunter também disponibilizou gratuitamente seu Trend Report 2020. Apesar de ninguém ter previsto o que estamos vivendo, eu tenho muitos insights com esses relatórios.
O Creative Mornings criou o Field Trips, meetups colaborativos onde você pode ser audiência ou host. Tem uma lista incrível de lives programadas dos mais variados assuntos de vários lugares do mundo.
Tem rolado ótimos debates sobre as mudanças que o coronavírus provocará na moda. A Vogue Brasil deu um baita tiro no pé colocando a Gisele Bündchen na capa com a frase “Novo Normal” acompanhando a imagem. Já a Vogue Itália muito mais antenada ao presente deixou a capa da edição de abril em branco.
Li esse texto muito pertinente sobre a glamourização das máscaras, afinal deveríamos transformar um artigo de primeira necessidade em objeto de desejo? Eu tenho dúvidas e sigo usando a feinha farmacêutica que comprei.
Eu sou apaixonada por revistas e Berlim é paraíso no assunto. Aqui tem duas lojas imperdíveis onde eu sempre me perco por horas em suas prateleiras, a Do You Read Me? e a Rosa Wolf. Tenho feito descobertas de revistas lindíssimas, como a Beauty Papers.
A Dazed está na minha lista de publicações favoritas. Considero-a uma publicação essencial para entender os movimentos culturais. Anualmente ela publica a Dazed100 que acabou de ser lançada. Nela é apresentado o perfil de 100 pessoas que estão modelando a cultura jovem atual.
Uma boa notícia: a Casa do Saber esticou o prazo de acesso gratuito aos seus cursos on demand e a Perestroika disponibilizou gratuitamente o excelente curso Que Droga é Essa?.
Já a Sétima Arte nos brinda com duas ótimas descobertas, ambas do Mubi (lembrando que a plataforma tem catálogo diferente entre os países): Ema, de Pablo Larraín com trilha sonora do Nicolas Jaar; e The Grand Bizarre, de Jodie Mack, um documentário têxtil singular em forma de filme lindíssimo e abstrato.
Mas vamos falar de música?
Prepara que hoje eu estou inspirada. Começo indicando dois novos álbuns que não saem dos meus ouvidos e acalmam qualquer alma inquieta: Soundtracks: Capri-Revolution, do Apparat; e o Flow, uma compilação feita pelo selo Mercury KX.
Começo compartilhando que a minha atual necessidade é ter um video game para eu me jogar no Minecraft e no Fortnite. É nesse universo que a música floresce em ambientes futurísticos, às vezes megalomaníacos, oferecendo uma experiência impossível de acontecer no mundo real. É aí que está o pote de ouro. Nós continuamos exaustivamente emulando o real no virtual. Continuamos levando a TV pra internet. Tem dado certo? Sim, por enquanto, porque estamos todos carentes dos nossos shows, dos nossos festivais, do nosso convívio social banhado de música ao vivo.
Já o video game proporciona uma experiência imersiva e fantástica totalmente diferente. Você não precisa gostar de jogar pra assistir um show lá, porque espertos que são, os games Minecraft e Fortnite já sacaram que tem gente que quer apenas curtir um show sem correr o risco de ser assassinado no meio dele. O Fortnite está construindo o modo Party Royale para que seus jogadores descansem suas armas durante os shows.
Depois da bem sucedida experiência do Travis Scott que levou quase 28 milhões de jogadores único a assistir a turnê Astronomical no Fortnite, tá todo mundo correndo atrás das possibilidades. Foi criada uma turnê com 5 shows feitos em 3 dias. Nela, Travis também lançou uma música inédita que foi tocada 7,45 milhões de vezes apenas nas primeiras 24 horas no Spotify. Para você entender um pouco da magnitude, vale a pena assistir esse vídeo do Luba, que não é entusiasta do Fortnite, mas foi contratado pelo jogo pra transmitir o show e o queixo dele cai junto com o nosso.
Diferentemente do Fortnite, o Minecraft permite que os jogadores construam dentro do jogo. Por lá estão nascendo praias que abrigam festivais e clubes sendo construídos em Londres e Manila. Quem quiser entender melhor na prática, mas não tem video game em casa, pode conferir o festival que vai rolar no próximo finde com Pabblo Vittar e Pussy Riot no line-up. É possível assistir em plataformas como o Twitch que também percebeu a galinha de ovos de ouro e lançou recentemente uma área dedicada à música.
Mas pera, não acredito que a live tem que estar exclusivamente no universo dos games, mas é lá que ela tem a capacidade de extrapolar o real. Podemos (e queremos) continuar tendo lives na casa do James Blake, da Patti Smith, do Brian Wilson, do Alceu Valença, da Ivete Sangalo. Mas será que esse formato sobreviverá quando as pistas físicas estiverem liberadas pra gente circular nelas? Eu acho que sim, mas a minha aposta é o modelo pago. Eu, pelo menos agora estou acostumada a entrar na cada dos meus ídolos. Gosto quando eles respondem à uma pergunta minha ou tocam uma música que eu pedi. Por que eu quero perder isso? Não quero. Mas se o artista pode voltar a fazer suas turnês mundo afora, por que ele ficará em casa fazendo live do quarto? Porque ele poderá monetizá-la. É o novo meet & greet direto do seu sofá.
Quem já está monetizando neste momento
Ontem a Gop Tun aderiu ao Patreon colocando na plataforma anos de arquivo, várias recompensas e conteúdo exclusivo com assinaturas pagas. A Amanda Palmer já usa o Patreon há muito tempo e conta hoje com mais de 15 mil patronos, ou seja, assinantes pagos. A banda The Doubleclicks garante na plataforma uma renda de pouco mais de 2 mil dólares.
As pessoas pagam pelas coisas que elas acreditam. Mesmo num momento tão incerto na economia, as doações têm acontecido nos projetos criados para driblar a crise na quarentena. O One World: Together At Home arrecadou 128 milhões de dólares; o United We Stream angariou quase meio milhão de euros enquanto a edição especial que fizeram em Manchester, arrecadou 260 mil libras, só para citar dois casos.
O Bandcamp fez sua segunda campanha na última sexta-feira com 100% das vendas sendo direcionadas para os artistas. Foram vendidos US$ 7.100.000. A primeira campanha feita em março bateu os US$ 4.300.000 em 24 horas.
Plataformas como o Facebook já estão tratando de desenvolver o botão “pagar” para que o artista opte pela cobrança de ingresso se assim ele preferir. Primeiro veio o botão “doar” e as pessoas estão doando, agora é o “pagar”, por que não? Artistas também têm boleto pra pagar.
O que vai rolar nos próximos dias
Ufa, acho que é isso! Quem estiver atrás de lives para os próximos dias, o Bandsintown é uma boa pedida pra pesquisa. A Defected Records faz a 5ª edição de seu festival neste finde e o Claptone tem feito lives divertidíssimas de um circo.
Para você que chegou até aqui, meu agradecimento e um presente especial. :)