Espiral #87: Eu te amo
Edição extra no meio das férias para contar uma história de amor com final feliz
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter semanal dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim à música, arte, cultura, inovação e literatura. Estava de férias, mas decidi escrever essa edição extra porque senti vontade de espalhar amor por aí.
Considere apoiar mensalmente a Espiral ou me pague um café para tomar nas férias que estão acabando.
A trilha sonora escolhida é a da cerimônia do meu casamento e a da nossa “valsa”, músicas que marcaram momentos especiais da nossa história:
Aos 35 anos eu me sentia realizada. Tinha um bom emprego, morava num apartamento espaçoso nos Jardins, contava com um ótimo círculo de amigos, produzia festas de sucesso em São Paulo, estava sempre no rolê e fazia grandes viagens nas férias para festivais de música mundo afora.
Solteira, carregava no passado uma história bonita de amor com começo, meio e fim, e outras nem tanto. A decisão, a priori, era não me comprometer. A vida estava boa demais para eu querer dividi-la com alguém. Vai que esse alguém me trouxesse problemas desequilibrando tudo o que eu tinha construído até então. Filhos? Ah, o mundo não me soava muito gentil para tê-los.
Tem datas que a gente guarda como se tivesse num neon colorido pendurado no meio da sala. Era 14 de setembro de 2008, o dia em que a minha solteirice balançou. Mas confesso, não senti ali nenhum risco sério. Cá entre nós, sequer senti algum risco.
Ele estava na pista, meio desajeitado, parecendo não saber bem o que fazia por lá. Eu, como uma boa promoter, fui tentar salvá-lo. Mal sabia que eu estava me salvando naquele momento. Quem consegue prever o futuro? Eu não ouso fazer isso.
O DJ Sany Pitbull tocava um pancadão daqueles que provocam contorções corporais involuntárias. Som pesado. Todo mundo rebolava até o chão! Virava a cabeça, jogava o cabelão para o lado. A pista lotada de gente suada. Os espelhos embaçados com o fogo que pegava na pista. As luzes piscantes revelavam desejos no ar. O clima era de sedução.
Ele não era muito de conversa e muito menos tinha ginga, mas dançamos. A noite inteira. E não tem rebolação que não dê espaço para uma dança do acasalamento. Só se não quiser. Trocamos olhares, nos encostamos de leve, a pele na pele que queima só de relar. Sorriso colado na cara. Dançamos. Um set inteiro sem nos beijar. Aquilo não daria em nada.
A madrugada acabou. O sol despontou no horizonte revelando maquiagens borradas. Cansaço. O que faço? Peguei a mão dele para nunca mais soltar. O amor nem sempre bate à porta, muitas vezes ele chega como o Katrina.
Ele da Suécia, eu do Brasil. Nossas conversas aconteciam através da música, o nosso universo em comum. Ele do mar, eu da cidade grande. Ele do hip-hop, eu do rock e da música eletrônica. Ele calado, eu tagarela. Ele meio solitário, eu sempre cercada de gente. Ele jovem, eu carregando pouco mais de uma década na mochila. Os dois conhecidos por um nome que se deram para tirar a seriedade que os nomes reais têm.
Tinha tudo para dar errado. Não deu. Tentei até boicotar. Fracassei. Ele foi mais sábio, aprendeu a dançar. Ganhou ginga. Hoje rebola e pula carnaval. Gosta de conversar. Tem o português perfeito. Faz caipirinha melhor do que eu. Viaja para o Brasil para matar as saudades de São Paulo sem eu estar junto. É meio brasileiro. Confidenciou que a dificuldade em aprender alemão é porque pensa em português. Mas em sueco não seria mais fácil? - eu pergunto. Ele sorri.
Em 2012 eu planejava viajar de férias para o Japão. Ele alegou não ter dinheiro para me acompanhar, então eu o pedi em casamento. Ele aceitou. Assim de supetão num almoço trivial em uma cantina italiana meia-boca na Rua Pamplona. Íamos nos casar. Não sei o que me moveu naquele momento para fazer o pedido. Mas pedi. Foi bonito. Ele arregalou os olhos, não titubeou e disse sim, mas tinha uma condição: Tinha que ser no mar.
Rimos alto. Pedimos espumante porque champagne no Brasil é muito cara. Era quarta-feira, horário de almoço no trabalho. Celebramos mesmo assim.
Saímos do restaurante carregados de sorrisos. Eu estava embalada em felicidade. A alma rodopiava com a notícia. Em uma hora tínhamos quase tudo decidido. Casaríamos em dez meses, em fevereiro. Lofoten, na Noruega, um dos lugares mais bonitos que conheço, foi o escolhido porque lá chove aurora boreal. Seria um ótimo motivo para as pessoas se empolgarem em viajar em pleno inverno para um lugar tão distante e inóspito.
No outono seguinte dirigimos da Suécia até esse arquipélago norueguês. Chorei com tanto deslumbre. As estradas eram ladeadas por montanhas majestosas cortadas por fiordes. Uma vegetação laranja se debruçava sobre o mar escuro e gelado. Vilarejos pitorescos com casinha coloridas de pescadores enfeitavam a paisagem como num cartão postal. Varais de bacalhau secando no sol com vista para o mar. Nunca tinha visto aquilo. Era ali, naquele lugar lindo de morrer, que eu queria casar. Não rolou. Nem mesmo Homero conseguiria descrever a odisseia para os meus convidados de como chegar lá.
Caiu então a ficha Que negócio é esse de querer casar no norte do mundo no meio do inverno? Quem de país tropical tem roupa para isso? Não tinha aurora boreal suficiente para convencer as pessoas a investirem tempo, roupa e muito dinheiro para ir ao nosso casamento.
Deixei de lado o meu sonho de Ariel e mudei os planos. A premissa dele persistia: Quero no mar e me deu uma lista de opções para escolher.
Decidimos pelo verão e por Gotemburgo, cidade próxima de onde ele nasceu, para celebrar. Meu lado marqueteiro buscou mais uma razão, além do casamento, para animar as pessoas a viajarem do Brasil para a Suécia. Conhecendo bem os meus amigos, não foi difícil achar um bom motivo, como se o casamento não fosse o suficiente. ⸜(。˃ ᵕ ˂ )⸝♡
Escolhemos o dia 3 de agosto de 2013, pois na semana seguinte aconteceria o Way Out West, o meu festival de música favorito e um dos maiores da Suécia, em Gotemburgo.
A Ariel, que ainda persistia em mim, deixou a vontade inicial de ter uma festa simples de casamento para fechar uma locação digna de Game of Thrones: Nya Älvsborg, uma fortaleza do século 17 para proteger Gotemburgo dos inimigos. Mas no dia só tinham amigos.
Oficializamos então o nosso amor na frente de 80 convidados com uma cerimônia ecumênica celebrada por uma madre que emocionou a todos com seu discurso caloroso. Só faltou o ritual de sangue, mas a festa durou 3 dias.
Hoje celebramos 10 anos de casados. São lindas as memórias desse dia em que eu, que tinha prometido que nunca me casaria de branco, estava lá fantasiada de princesa contemporânea. E ele, era o noivo mais bonito de todos. Em setembro serão 15 anos juntos desde o dia que rebolamos juntos na pista pela primeira vez.
As pessoas sempre perguntam qual é o nosso segredo, já que seguimos apaixonados.
Ele sou eu. Eu sou ele. Mas não somos um. Longe de mim. Somos muito diferentes. E, às vezes, somos tão iguais. Juntos nos reinventamos. Carregamos um pouco do outro. Vivemos experiências que provavelmente não viveríamos se nossos caminhos não tivessem se cruzado. Provavelmente não moraríamos em Berlim, vai saber.
Eu passei a amar estar na natureza, o silêncio, as reuniões pequenas e viajar para lugares inóspitos como o que escolhemos para casar. Me apaixonei pelo mar mesmo sem saber nadar. Passei a assistir documentários de esportes na neve. Ele ficou mais festeiro e festivo. Adora conversar. Sente falta de dançar quando passamos uma temporada longe da pista. Apaixonou-se pelos mesmo amigos que eu, meus amigos se apaixonaram por ele. Eu o ensinei a dançar, ele me ensinou a esquiar.
Todos os dias eu acordo com ele me abraçando enquanto pergunta “quer café?”. “Claro que sim”, respondo eu para depois me arrastar sonolenta até a mesa, enquanto ele já está pronto para a primeira reunião do dia. Ele é a minha moderação. Eu sou a sua abre alas. Com ele eu aprendi a voar. E, quando eu caio, ele me estende as mãos e me abraça. Está sempre lá. Eu estou sempre aqui.
Estar presente um para o outro é, talvez, o nosso segredo. Admiração mútua e continuar trocando fazem parte do pacote.
Eu te amo todos os dias, Ola! ♡
Sexta-feira viajamos para a Suécia para comemorar a data e na semana que vem estaremos no Way Out West. Será um jeito de reviver um pouco essa data especial. ⭐️
Hello love
Uma salpicada de amor para aguçar os sentidos:
👩🏽🦯 O conto “Amor”, de Clarice Lispector, uma metáfora sobre como às vezes vivemos de olhos fechados sucumbidas à rotina sem enxergar o que está à nossa volta;
📕 Voltar à Ana no conto acima, me lembrou do belo “Caderno Proibido”, de Alba de Céspedes, em que Valeria começa a escrever um diário e nele vai aos poucos se reconhecendo como mulher e não apenas a “mamãe” como se via e fica dividida entre a submissão e o desejo;
🎹 Cut in Half, álbum climão da Eddna, uma mina que mora em Berlim;
🎤 Euphoric, de Georgia, é uma chuva de pop gostoso para alegrar a alma;
🪩 Que parceria, meu Deus!
✈ Assisti “Sequestro no Ar” (Hijack), na Apple TV, e foi a série de mais “roer todas as unhas” dos últimos tempos;
🌈 Chorei com a beleza de “Closer” (2022), de Lukas Dhont;
📚 Terminei de ler o livro de memórias “Sem tempo a perder”, de Ursula K. Le Guin (falarei dele na semana que vem);
💬 Maggie Nelson e Cate Blanchet numa das melhores conversas que li recentemente;
☕ Um bonito devaneio sobre o tempo, da
;👩🏻💻 A
vai dar a oficina “Revelando Segredos: Blogs, newsletters e o combustível da escrita”. Estarei lá.Por hoje é só porque eu preciso fazer a mala. 🧳
Tchau e até a próxima semana.
Adoro histórias de amor! Obrigada por compartilhar a sua! E, se não for bisbilhotar demais, qual foi o sabor do bolo de casamento?
Aí que lindoooooooo❤️❤️❤️