Espiral #9: a máscara me lembra onde estou
O novo normal, a retomada do turismo, Dave Grohl, influenciadores e a pornografia
“Drink na mão e calcinha no chão”
Na última sexta-feira foi comemorado o Dia da Vitória da Europa, data que marca a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial, o que significou feriado aqui seguido de anúncio de um novo pacote de medidas de flexibilização do isolamento social. A premissa para ele funcionar é não haver aumento no número de novos casos de Covid-19. Por enquanto esse número está cambaleando, mas reservar uma mesa nos nossos restaurantes favoritos em Berlim, que reabrem no próximo dia 15, já está concorrido.
O feriado amanheceu chamando a gente pra rua. Sol, céu azul e 23ºC avisando que o verão chegou antes do previsto (mas já foi embora). Armamos nosso kit “praia” e nos mandamos pro parque para um picnic a dois. Na rua, risadas altas, conversas, aquele velho conhecido zum-zum de pessoas em volta, crianças gritando e uma música feliz saindo de um saxofone. O meu coração saltou emocionado ao ver a cidade renascendo aos poucos.
A vida não voltou ao normal, mas aqui já lidamos com o início do “novo normal”, onde bicicletas passam velozes rumo aos lagos da cidade com seus donos sedentos por um banho refrescante, filas se formam a perder de vista nas sorveterias, museus anunciam novas exposições, as mesas de ping pong nos parques estão todas ocupadas, os músicos voltam a alegrar as ruas com suas canções e a passar o chapéu, pedintes ocupam seus antigos lugares nas calçadas, filmes são exibidos nas empenas dos prédios, mas a máscara nos rostos não nos deixam esquecer que o mundo não é mais o mesmo.
Nesse “novo normal” o mundo está local e não global. Nele eu sei que se der uma merda [pessoal] no Brasil, eu provavelmente não conseguirei me despedir de alguém que eu amo. Nele eu sinto uma saudade doída dos meus pais sem ter ideia de quando eu poderei revê-los e seguro as lágrimas todos os dias quando eu os vejo pela tela do celular.
“O futuro frequentemente é inventado a partir de fragmentos do passado.” - Hans-Ulrich Obrist
A conversa nos corredores da Europa é a retomada do turismo para quem “sonha com noites de verão pós-pandemia”. Apesar dos alemães serem os maiores consumidores de turismo na Europa, a mãe Merkel é pé no chão e diz que é cedo demais para sonhar com viagens internacionais. Aliás, você já viu como provavelmente será viajar de avião pós-coronavírus? Eu já aposto mesmo nas viagens de carro por um bom tempo, mas ontem eu pude ir até a atual Nova York com o Spike Lee, uma cidade que teve um poder transformador gigante na minha vida. Impossível não se emocionar com o filme.
Também tenho feito uma viagem bem psicodélica, intergalática e fascinante acompanhada de uma trilha sonora fantástica. Quando ela termina, minha cabeça explode. É o que The Midnight Ghost tem me proporcionado. A série animada nasceu a partir de um podcast de entrevistas com médico, filósofo, preso condenado à morte, escritores, entre outras figuras interessantes. Mesmo que você não goste de animação, dê uma chance ao seriado.
A música continua me salvando e deixando meus dias mais suaves.
Em 2011 eu tive o privilégio de dar um abraço num dos meus ídolos, o Dave Grohl, o cara mais legal do rock. O encontro aconteceu num cinema enquanto eu buscava uma pipoca e ele chegava com todos os integrantes do Foo Fighters para a estreia do documentário “Back and Forth”, no SXSW. Eu tremia enquanto me sentia engolida pelo seu sorriso gigante e ele pegava o celular da minha mão pra tirarmos uma selfie juntos na época em que a gente ainda colocava bordas nas fotos publicadas no Instagram. Voltei pra sala tremendo como uma adolescente sem a pipoca nas mãos. Eu voltei a me emocionar com ele nesse bate-papo delicioso dele com a mãe (incrível) num programa de rádio. Nele, ela conta uma ótima história sobre um jantar feito para reunir as mães dos astros do rock, enquanto Dave diz que o novo álbum que vão lançar está mais para Let’s Dance, do David Bowie, do que para qualquer disco que o Foo Fighters já produziu. Ele conta também sobre sua quarentena em família em que tem cozinhado e escrito um bocado. É emocionante!!! A conversa rendeu um novo livro na minha biblioteca que sua mãe, Virgínia Grohl, escreveu sobre sua saga como mãe de um astro do rock.
Fiz um textão refletindo sobre o atual cenário musical para tentar desenhar cenários para onde a música ao vivo está indo. Tem muito achismo, mas acredito em vários deles.
A Espanha já fala em liberar eventos de música ao vivo para um público de até 800 pessoas em junho. Na Alemanha, eventos com mais de mil pessoas serão possíveis a partir de 1 de agosto e para mais de 5 mil a partir de 24 de outubro. O Primavera Sound e Sónar comunicaram recentemente a postergação de suas edições 2020 para 2021. O Sónar manteve o Sónar+D para este ano, que se faz mais relevante do que nunca, já que é a área do festival que discute o futuro da música. Será em setembro e terá transmissão online gratuita.
O Reino Unido, um dos lugares do mundo que mais tem festival de música na agenda, está com sua cena independente correndo risco de colapso. Por lá o verão parece cancelado.
Enquanto a gente não pode se reunir tete-a-tete, a saída tem sido shows, festas e exibição de filmes em drive-in. Eu ainda não experimentei.
No próximo fim de semana acontece a “Virtual Rave-A-Thon”, do EDC Las Vegas. Eu não gosto da música, mas quero muito saber como um dos festivais mais produzidos do mundo vai acontecer no mundo virtual.
Em 2018 chamei a Bia Granja de canto pra perguntar o que ela achava sobre a ascensão de avatares como influenciadores. Desde então eu me interesso bastante pelo assunto e o acompanho de perto. No início da semana foi anunciado que a Miquela, a primeira grande influenciadora virtual, foi contratada pela Creative Artists Agency - CAA, a mesma agência da Beyoncé. Na newsletter #7 eu mencionei a pop star que só existe no mundo virtual, a Hatsune Miko, que está no line-up do Coachella 2020. No último fim de semana rolou o festival Secret Sky com participação de outra artista virtual japonesa, a Kizuna AI, que tem quase 3 milhões de inscritos no Youtube. Hoje li um ótimo artigo sobre o assunto, pois há uma nova economia emergente de avatares na música (consequentemente no mercado de influência). É a era em que as celebridades estão virando avatares (Grimes, Travis Scott, Tupac, etc) e os avatares estão virando celebridades (todos citados acima e muitos outros).
Assisti dois shows lindíssimos no fim de semana, um de 2019 do The Blaze na França, e outro do Ólafur Arnalds no Sidney Opera House, ambos para ver na telona da TV. Eu espiei também a super live de 8 horas que o Emicida fez no domingo que merece muitos aplausos.
Um dos shows que eu adoraria rever ao vivo é do Daft Punk. A Mixmag escreveu um tratado sobre a possibilidade deles tocarem ao vivo novamente. Será que um cachê milionário, como o que o Coachella provavelmente paga para ter shows exclusivos reunindo bandas que acabaram, traz eles de volta?
Como anda o tempo por aí? Por aqui ele continua voando sem ter “horas” e sim tendo “períodos”. Esse artigo da Wired afirma em que em tempos de corona “os dias se misturam, os meses avançam e não temos idéia de que horas são. O vírus criou seu próprio relógio.”
Para apimentar um pouco essa newsletter que começou com calcinha no chão, vou contar pra vocês que o Zoom não tem servido só para reuniões de trabalho, cursos e encontro entre amigos, mas tem sido também plataforma para “play parties”.
A Dazed fez um relatório caprichado apresentando uma impressionante análise cultural sobre onde estamos e para onde vamos: How we survive a plague. É super longo, mas vale separar uma hora para lê-lo com calma com o bloco de notas do lado.
Encerro aqui deixando lembranças de três gênios da música que nos deixaram recentemente: uma playlist curada pelo Tony Allen, um show de 2018 do Kraftwerk e uma entrevista do David Letterman com Little Richard, o cara que inventou o Rock Star. Os dois primeiros eu tive o grande privilégio de ver ao vivo, já o Little Richard não deu. “A-wop-bop-a-loo-bop-a-wop-bam-boom”
“Deixe-me ir
Preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir pra não chorar” - Cartola
*Por aqui a porta está sempre aberta para quem quiser se apresentar (adoro saber com quem estou falando) e também para sugestões, críticas ou conversa fiada.