Espiral #73: As 5 melhores coisas de março
Tem livro, filme, série e um pouco de reflexão... :)
Trilha sonora para essa newsletter: “Bloom & Breeze”, que eu fiz para celebrar a chegada da primavera, que veio gelada, mas florida, com dias ensolarados e outros cinzentos, como são os dias de abril na Alemanha.
Lá se foi março e abril já está voando…
Como disse uma amiga, março durou um ano. Pisei em 3 países diferentes, sobrevivi a 3 fusos distintos, retornei ao SXSW após 4 anos, reencontrei pessoas que não via desde antes da pandemia, conheci novas bandas, novas pessoas e vivi experiências completamente diferentes. Visitei o Aiguille du Midi, lugar que encheu meus olhos de lágrimas pela sua beleza imponente e assumi de vez a minha paixão pelo esqui. Sou agora uma esquiadora!
Hospedei em casa um dos meus melhores amigos da vida, que ainda não tinha tido a oportunidade de me visitar, e finalmente trabalhei num projeto muito legal aqui em Berlim com o Guima, pessoa com quem sempre quis trabalhar desde que o conheci há uns 18 anos.
Senti uma nova onda entrando e trazendo um novo rolê para a minha vida. A boa energia voltou a bombar depois de eu ter ido parar num lugar muito escuro, o qual não sei como e nem porquê fui parar lá.
Março foi intenso e um mês muito legal. Vi muitas coisas novas e foi difícil pensar numa lista de 5 melhores coisas, mas seleciono aqui as que ressoaram mais positivamente e me trouxeram insights:
A Natureza da Mordida, Carla Madeira
Trouxe esse livro do Brasil na mala em dezembro, mas só na viagem para Chamonix que eu o abri para ler, afinal encarei uma viagem de 12 horas de carro, tempo suficiente para ler, digerir e refletir sobre ele.
“A natureza da mordida”, da Carla Madeira, não é um livro fácil. Ele nos arremessa para uma leitura cheia de angústia e caos que, para mim, demorou a fluir, mas quando fluiu, não consegui parar e o li numa sentada. O livro é cheio de beleza humana e poesia escrito de uma maneira muito única que a Carla Madeira faz tão bem. Recomendo um marcador de texto para acompanhar a leitura:
“O que você não tem mais que te entristece tanto?”, pergunta Biá para Olívia logo no início do livro.
O livro conta a história de Biá, uma psicanalista aposentada, e Olívia, uma jovem jornalista, que se conhecem num sebo e desenvolvem uma amizade intensa, reforçada por encontros dominicais. Em comum, as duas são apaixonadas por literatura e carregam consigo a dor do abandono, que vamos descobrindo aos poucos numa escrita visceral e poética que nos suga para dentro de suas páginas.
"É por essas e outras que as distrações me aliviam. As rimas. As flores inesperadas. O que fisga meu olho pelo rabo. A vida não é de confiança, Olívia, nos apunhala com a mesma faca com que passa manteiga. A vida, essa senhora banguela, não teme a feiura e faz coisas medonhas com sua boca murcha que não lhe inibe as gargalhadas. Ao contrário, gosta de nos exibir a extensão da mordida que nos dará com deboches e ironias ao invés de dentes, para nos passar a língua enquanto geramos estonteados, pra lá e pra cá, entre suas gengivas." - A Natureza da Mordida, Carla Madeira
Eu me identifiquei bastante com a Olívia, pois passei por uma situação similar na vida. Entender a dor dela, foi entender a minha dor.
Li uma entrevista com a Carla Madeira, em que ela diz que “A Natureza da Mordida” é um livro para ler uma vez e meia: “Se você lê o livro inteiro e volta para o início, aos primeiros encontros, tem outra percepção.” Agora é a hora de recomeçá-lo por aqui.
Ryuichi Sakamoto: Coda (2017)
É possível se preparar para morrer? Foi essa a pergunta que me acompanhou enquanto eu assistia o documentário Coda, produzido após o compositor, músico e produtor japonês Ryuichi Sakamoto ser diagnosticado com câncer em 2014. O filme é lindíssimo, comovente, musical e inspirador.
Em Coda, Sakamoto fala sobre seu processo criativo, a sua prolífica carreira iniciada em meados dos anos 1970, a fundação da banda Yellow Magic Orchestra (1978), que antecipou a chegada do eletropop, o seu ativismo, a sua relação com a natureza e como ela contribuiu para suas produções, além de contar histórias curiosas que aconteceram durante sua extensa trajetória como produtor de trilhas sonoras de filmes, como “Feliz Natal Mr. Lawrence” (1983), em que ele atua também ao lado de David Bowie, “O pequeno Buda” (1993), “The Revenant”, entre outros.
E, claro, ele fala sobre o câncer, como foi receber a notícia e ter que conviver com a doença, que o levou a decidir que tocaria música todos os dias até morrer.
Para Sakamoto, a música está em todos os lugares e ele nos leva para um passeio em diversos lugares onde podemos ouvi-la. Há um trecho que me tocou especialmente quando ele fala sobre o filme “O céu que nos protege”, de Bertolucci, uma adaptação do livro homônimo de Paul Bowles, o qual Sakamoto produziu a trilha lindíssima e ficou tão obcecado com um dos trechos do livro, que o comprou em vários idiomas:
“Porque não sabemos quando morreremos, conseguimos pensar na vida como um bem inesgotável. No entanto, tudo acontece apenas um certo número de vezes e um número muito pequeno realmente. Quantas vezes você lembrará de uma determinada tarde de sua infância, uma tarde que é tão profundamente uma parte do seu ser que você não pode sequer conceber sua vida sem isso? Talvez quatro ou cinco vezes mais, talvez nem mesmo assim. Quantas vezes você vai assistir a lua cheia? Talvez 20. E, no entanto, tudo parece ilimitado.” - Paul Bowles
Ao terminar o filme, só confirmamos o que já sabemos: Sakamoto era um gênio.
“12”: Um diário sonoro
No início de janeiro, foi lançado o seu último álbum “12”, um diário sonoro produzido nos seus últimos dois anos de vida. Tudo aconteceu de maneira espontânea quando Sakamoto retornou para casa após uma grande cirurgia. Em busca de um banho de som, ele se deparou com seu sintetizador e piano e, a partir de então, sem qualquer intenção de produzir um álbum, ele passou a tocar ocasionalmente gravando como se escrevesse um diário. Cada música recebeu como título a data em que ela foi produzida. Por fim, ele escolheu os seus “12 favoritos esboços”, como ele chamou suas músicas e as colocou num álbum.
“12” é um álbum lindíssimo. O som parece transcender a nossa existência física transformando-o num verdadeiro réquiem. Acordes de piano minimalistas e desacelerados pairam sobre ruídos de respiração pesada. Sakamoto colocou as músicas como elas foram produzidas, sem qualquer adorno.
A notícia da morte de Ryuichi Sakamoto aos 71 anos no último dia 28 de março decorrente da doença sacudiu o mundo da música. E ele nos deixou esse presente lindíssimo que é o seu diário sônico.
Deixo aqui o obituário do Ryuichi Sakamoto, no NYTimes, e essa linda entrevista com o Dr. Roland Griffiths, Diretor fundador do Centro Johns Hopkins de Pesquisa Psicodélica e de Consciência, que foi diagnosticado com um câncer terminal e está aprendendo a morrer.
Curiosidades:
Sakamoto vivia entre Tóquio e Nova York. Na última, era frequentador assíduo do Kajitsu (fechado), mas não gostava da trilha sonora do restaurante, então escreveu uma carta ao dono falando sobre a má escolha da trilha e ofereceu uma que, obviamente, foi aceita. Ele criou uma playlist chiquérrima com faixas de artistas como Aphex Twin, Nils Frahm e Nicolas Jaar.
No dia 5 de maio será lançado o álbum “Travesía”, uma curadoria com as melhores obras de Sakamoto com curadoria do diretor Alejandro González Iñárritu.
Tetris, documentário
Documentário sobre a complicada história de um jogo tão simples, o Tetris, desenvolvido em 1988, na antiga União Soviética. A história, contada num filme de ação e espionagem em meio à Guerra Fria, parece inacreditável com direito a vilões, heróis e espiões, de como um dos jogos mais populares do mundo furou a Cortina de Ferro.
Baseado na história real, “Tetris” foi criado pelo russo Alexey Pazhitnov (Nikita Efremov) e um de seus descobridores, Henk Rogers (Taron Egerton), que fez de tudo para conseguir seus direitos para distribuí-lo para a Nintendo. A narrativa é exagerada, cheia de emoção, mas divertida e a produção é toda baseada na estética dos videogames da época.
“Tetris” estreou no SXSW e contou com a participação dos reais personagens dessa história mirabolante, o Henk Rogers e Alexey Pazhitnov, que acabaram virando sócios na empreitada depois de conseguir tirar o jogo da URSS.
Acabou de ser lançado na AppleTV.
Queria ser grande, mas desisti: “Cuidado para não fazer carreira”
Li essa frase “Cuidado para não ter carreira” na
, da , e desmoronei no café da manhã ao refletir sobre ela. Na hora não me caiu bem, pois eu estava no momento num projeto cercada por pessoas que construíram uma carreira profissional bem-sucedida no mundo corporativo.A frase saiu do livro “Ioga”, de Emmanuel Carrère, e a Bárbara ficou com essa frase perseguindo-a por semanas, assim como estou por aqui. Essa frase ressoou de tal maneira que me fez levá-la para as rodas de conversa em que estive desde então.
Diferentemente da Bárbara, eu posso dizer que sou uma espécie de Hervé, amigo que o autor de “Ioga” menciona. Tive os trabalhos mais improváveis, mas numa outra vida eu fui do mundo corporativo, onde usava terninho e salto alto. Eu tinha uma carreira bem clara desenhada à minha frente. Dali, achei que só sairia quando me aposentasse, mas a minha inquietação me levou para outros lugares. Eu nunca parei. Foram muitos os mundos diferentes em que vivi e os lugares que conheci.
Estou sempre inquieta buscando novidades que aguçam a minha curiosidade e a criatividade. Gosto de ser provocada, de aprender coisas novas e de me sentir ignorante em assuntos pelos quais eu me apaixono e me faz abraçá-los até aprendê-los.
Eu gosto do movimento. Às vezes é cansativo e incerto, mas o que não é assim nesse mundo? Quando li essa frase, eu fiquei dias refletindo se eu não optei pelo caminho errado ao querer que o mundo seja eternamente uma grande aventura para mim. Eu queria ter um bom salário caindo mensalmente na minha conta corrente? Plano de saúde pago? Viagens a trabalho?
Depois de passar dias e dias pensando a respeito, eu me dei conta de que não posso ser a pessoa que faz carreira. Não é para mim. Nunca foi! Em momentos difíceis, eu invejo (posso dizer assim?) quem a faz, mas é uma sensação passageira.
Tenho aprendido a pensar mais no meu futuro e a me planejar para ele, mas ele não é o meu habitat natural. Bom ou ruim, é assim comigo. Dá frio na barriga ao olhar minha certidão de nascimento e ver que, na minha idade, o futuro é mais assustador e incerto. No fim das contas, a minha vida é um grande Tetris e eu gosto dela assim.
Tem uma frase que coloquei na minha bio do Twitter, lá em 2007, mas que me define até hoje: “Eu sou várias e às vezes todas estão no mesmo lugar.” Ela tem tudo a ver com a maneira como escolhi viver a vida.
Ontem li um texto da
, no , sobre escrever, que também mexeu comigo porque me fez entender que eu tenho buscado conforto na escrita. É nela que me apoio, que me encontro e me coloco no eixo. Tem sido uma bela jornada me entregar às palavras. Voltei a ler muito e a escrever. Nessa viagem para entender os meus lugares confortáveis, eu me dei conta de que de tudo que eu faço, eu amo fazer curadoria de experiências e de conteúdo e fazer projetos que envolvem inovação, cultura e criatividade. Eu gosto de entreter as pessoas. Como estou numa fase #mandajobs, fico aqui à disposição para diferentes tipos de projetos.Obrigada Bárbara por tamanha provocação! Espero um dia tomar um café pessoalmente com você para terminar essa conversa. :)
The Blaze: Show em Berlim
Eu conheci o The Blaze por acaso em 2018, no Coachella num dos menores palcos do festival. Foi amor à primeira vista e passei a segui-los desde então. Depois vi a dupla no Primavera Sound e recentemente fiquei colada na live que eles fizeram há 2 anos em Chamonix, só porque fui para lá.
Recentemente lançaram o terceiro álbum “Jungle”, o que eu menos gosto dos três lançados.
Ganhei o ingresso de presente de natal de uma amiga e ficamos meses esperando, mas finalmente chegou o grande dia para revê-los ao vivo, num dos palcos mais bonitos de Berlim, o UFO, no Velodrom, que parece uma nave de Star Wars.
Casa lotada e ingressos esgotados. Fomos parar na arquibancada, o que reclamamos inicialmente, mas por fim achamos a vista lá de cima mais privilegiada. Eu não sabia se seria show já da nova turnê, mas não foi. O novo show está guardado para o Coachella.
Tocaram todos os hits dos álbuns “Dancehall” e “Territory” e algumas músicas do novo álbum. No palco, muito laser e 4 telões de led enormes giravam de maneira mirabolante criando lindos video-clipes ao vivo. Foi mais de uma hora dançando. Não rolou bis, mas terminaram de um jeito tão lindo com “HAZE”, que não haveria espaço para retornarem ao palco.
Anota aí: se eles passarem no Brasil ou por onde você estiver, eu recomendo demais garantir ingressos.
*Confesso que fiquei muito na dúvida sobre qual show gostei mais, se o deles ou se o do Vök, que eu vi no SXSW. Foram duas experiências muito distintas, o primeiro com grande produção e o segundo, bem “low profile”. Mas anota o Vök também, que costuma ter grandes produções e deve ser o tipo de show inesquecível.
Time for Us
😂 O ChatGPT chega no South Park - ri alto;
⚙️ Lendo “Máquinas Companheiras”, da Giselle Beiguelman, artigo sobre o ChatGPT cheio de inquietações e questionamentos;
🇮🇸 Como o governo da Islândia está usando o ChatGPT para preservar seu idioma oficial;
🇹🇭 Você já sabe onde será gravada a terceira temporada de White Lotus?
🔥 Estou assistindo a série de ficção científica “Extrapolações”, na AppleTV, que se passa num futuro não muito distante e mostra o resultado do aquecimento global na sociedade;
🏠 O “AirBnb” dos arquitetos #socorroquesótemcasalinda;
📺 Coloquei na lista e estou ansiosa para assistir a série “Enxame”, no Amazon Prime;
🎧 Ontem foi lançado o lindo álbum “Stereo Mind Game”, do Daughter.
Feliz páscoa e um bom feriado para vocês! Volto em breve.
Chegou muita gente nova por aqui! Se quiser dar um alô, contar quem é você, como veio parar aqui, deixar críticas ou sugestões, é só me escrever. Vou adorar!
A sua reflexão sobre a reflexão da Barbara acaba de me fazer escrever a reflexão da próxima crônica! É a (positiva) pirâmide das reflexões, obrigada por isso! p.s. me identifiquei demais com suas palavras.
Que bom que você tá saindo de onde quer que seja que vc estava. Às vezes a gente tem que ir no escuro, faz parte. Mas não esqueça que vc é alguém que brilha ✨ abraços de longe ♥️♥️♥️