Espiral #58: As 5 melhores coisas que eu vi em outubro
Sigur Rós, Lula, Hanya Yanagihara, Bicep e Anne Imhof
Resgatei uma playlist bem antiga que fiz para dormir no avião e a deixo aqui para acompanhar essa newsletter. Ela sempre me ajuda a habitar o silêncio quando dele eu preciso, mas meu zumbido eterno no ouvido não permite.
Outubro ganhou de agosto o posto de ano mais longo do ano. Depois do susto com o resultado do primeiro turno das eleições no Brasil, foi a vez de segurar a onda para chegar viva e bem no dia 30 de outubro. A sanidade andou bem bamba por aqui.
Rebolei bastante para isso. A ansiedade tomou conta de mim dos pés à cabeça me deixando irritada numa TPM eterna. Para não deixar a peteca cair, eu aproveitei outubro do jeito que me foi possível. Para a sorte de quem mora em Berlim - ou azar se considerarmos isso um fenômeno causado pelo aquecimento global, tivemos um mês ensolarado, quente e colorido como são os meses de outono. O termômetro, que costuma marcar uma média de 12,5 graus nesta época do ano, chegou a bater 27 graus. Não é à toa que o fracasso das ações climáticas está em primeiro lugar na lista de riscos percebidos pelas pessoas no Relatório de Riscos Globais 2022, do Fórum Econômico Mundial. Estamos literalmente sentindo o aquecimento na pele.
Outubro foi um ótimo mês para estar em Berlim. Além da temperatura agradável, que nos manteve pedalando pra cima e pra baixo, eu consegui assistir diversos shows que eu esperava há muito tempo, como Sigur Rós, Max Cooper e Bicep, vi ótimas exposições, li 2 livros que foi o que o meu foco foi capaz de dar conta, dei uma passada no festival ADE, em Amsterdã, e escrevi muito pouco. Estou com diversos textos iniciados no dashboard da Espiral, mas a falta de foco não me deixou terminá-los, por isso o envio da newsletter andou irregular no último mês, mas a energia está voltando aos poucos estou voltando ao eixo.
Em outubro, eu fiquei mais fora de casa do que dentro. Caí numa festa cilada num bunker abandonado, cheirando a morte, no meio de uma floresta a 1,5 hora de Berlim. Mas eu estava bem acompanhada de amigos e de um céu atapetado de estrelas que há muito tempo eu não via. A minha noite terminou com um show hipnótico da dupla brasileira Mirella Brandi & Muep Etmo que fez valer a pena todo o perrengue e os euros gastos.
Vamos à minha lista de 5 coisas que me deixaram animada no mês:
1) Lula eleito presidente
No domingo pulei mais cedo que o normal da cama porque dormir nesse dia não era negociável e muito menos possível. Às 9h15 eu estacionava minha bicicleta na Embaixada do Brasil em Berlim para encontrá-la festiva, com a maioria das pessoas vestidas de vermelho assim como eu. E, não eram apenas brasileiros. Havia muitos amigos gringos, também trajados na cor do amor, que se juntaram para apoiar nesse momento tão esperado. A embaixada estava LOTADA com filas virando o quarteirão, bem diferente do primeiro turno em que eu cheguei às 10h e só tinha 1/4 desse povo todo. Foi uma hora de fila e um grande encontro com conhecidos enquanto matávamos as saudades de comer coxinha tomando Guaraná Antártica no café da manhã.
Não foi surpresa o Lula ter 88,3% dos votos registrados em Berlim e não poderia ser diferente na “capital destruída na 2a guerra, a capital da democracia. Quem lidou com ideias fascistóides não cai em narrativas de soluções autoritárias”, como disse sabiamente um amigo. Mas aqui a extrema-direita também avança a passos largos.
Eu sou filha de uma ex-diarista e de um carteiro aposentado. Se eu saí da periferia, abri uma empresa de sucesso, viajei o mundo e consegui trazer meus pais para a Europa, eu devo em parte as minhas conquistas aos anos de governo do PT.
Eu tenho muitas ressalvas com o partido, inclusive no 1º turno de 2018 meus votos foram todos para o PSOL, enquanto o Haddad só levou meu voto no 2º turno.
Na época, eu prometi que sairia do Brasil se o Bolsonaro fosse eleito e em 2019 eu estava de malas prontas me mudando para Berlim.
Sabemos que o futuro não será fácil, mas agora já podemos voltar a pensar nele. Inclusive para mim passa a ser factível voltar a morar no Brasil em algum momento, o que estava totalmente fora de cogitação. Foi lindo demais poder ligar na madrugada de segunda (aqui) para os meus pais e celebrar com eles esse momento tão especial. Feliz sou eu por ter pais do mesmo lado que eu. Chorei o suficiente para lavar a minha alma e a deles.
Um bom futuro para todos nós. Se cuidem. <3
2) Show do Sigur Rós
O Sigur Rós é há anos uma das minhas bandas favoritas e é trilha sonora oficial do meu sono nas viagens transcontinentais. Sua música acalma meu espírito e me deixa feliz.
Em 2016 eu fui uma fã bem louca perseguindo a banda em vários shows durante a turnê que estavam na época. Eu fui na estreia que rolou no dia do meu aniversário no Primavera Sound Barcelona, e em novembro eu fechei o meu rolê de festivais pelo mundo no penúltimo show da turnê em Singapura. Um ano depois eu voltei a vê-los em São Paulo num show lindo de morrer.
O último show que vi foi no mês passado, numa terça-feira muito fria, em uma casa de shows que eu gosto bastante por aqui, o Tempodrom, uma arena construída em 1980 no formato de tenda de circo na Berlim (Ocidental na época). Casa lotada, público em média 35+ e ingressos esgotados. Eu fui sozinha, porque ninguém quis se aventurar comigo, mas foi ótimo, porque assim eu não tive sequer distrações durante o show.
Para mim, o show do Sigur Rós sempre me faz mergulhar numa experiência transcendental. É imersivo sem qualquer artifício além da música e da luz. O público entrou em transe e eu segui junto ouvindo somente a voz angelical do Jónsi e os instrumentos atrás dele. A banda tocou principalmente músicas do álbum “( )”, lançado em 2002 e remasterizado esse ano, e também canções dos álbuns “Ný batterí” (1999), “Ágætis byrjun” (1999) e Takk (2005). Saí de lá com tanta energia que poderia correr uma maratona.
Algumas curiosidades:
O Jónsi, frontman da banda, além da música, se aventura também no mundo dos perfumes. Ele e as irmãs criaram a Fischersund, uma perfumaria no coração de Reykjavik, que diz colocar a essência da Islândia na fragrância de seus perfumes. Jónsi estuda há 10 anos o mundo das essências de óleos e das moléculas aromáticas. Quem testou seus perfumes, garante que sua sensibilidade para a perfumaria se compara à que tem para a música. O best-seller é a fragrância Nº 23 e, claro, não poderia faltar uma trilha sonora oficial para a marca, obviamente desenvolvida por Jónsi: Sounds of Fischer nº 6. Aqui tem uma (rara) entrevista com o Jónsi sobre o assunto.
Em 2016, o Sigur Rós dirigiu por 24 horas ao redor da Islândia numa viagem transmitida ao vivo no YouTube. A live virou o álbum “Route One”, lançado em 2 formatos: uma compilação de 40 minutos e outro com a trilha sonora na íntegra somando 370 músicas, que promovem uma viagem sonora pela Islândia. Atualmente há também uma transmissão 24/7 rolando ao vivo com músicas feitas entre 1999 e 2003 gravadas por fãs numa época anterior às redes sociais.
3) Livro: Ao Paraíso, Hanya Yanagihara
Eu tenho tido muita sorte nas minhas leituras este ano. Fui impactada por diversas autoras de calibre, mas “Ao Paraíso”, de Hanya Yanagihara, autora que eu desconhecia completamente, tocou profundamente por aqui. Fiquei uma semana monotemática acerca do livro enquanto tentava digerir a história. Escrevi sobre ele no Instagram e trago para cá o texto.
São 700 páginas, 3 histórias divididas em 3 séculos: 1893, 1993 e 2093 acompanhados de uma narrativa fascinante e, por vezes, sufocante, em especial no capítulo em que um futuro distópico parece ser uma visão factível nos dias atuais.
Em comum, as histórias têm NY de pano de fundo, uma mesma rua e personagens de mesmo nomes: David, Charles, Charlie e Edward são os principais, além de detalhes sutis que criam conexões entre eles. No primeiro livro, o casamento entre pessoas do mesmo sexo é a norma numa NY que se transformou numa república separatista. Na terceira história, a relação entre pessoas do mesmo sexo volta a não ser bem vista num mundo em que o sexo serve só para procriação. A AIDS surge no segundo livro, mas não é nomeada como muitas coisas no livro, pois como disse a autora numa entrevista: “muitas vezes renomeamos as coisas nos EUA para erradicar uma memória ruim ou para se dissociar a história de uma pessoa que não foi tratada gentilmente”.
Meu mal-estar foi maior no terceiro livro, que narra uma NY distópica em 2093 numa sociedade totalmente controlada pelo governo, após o mundo ter sido assolado por pandemias. Nele, a TV e a internet não são mais acessíveis e a mídia é totalmente controlada. Curiosamente o livro começou a ser escrito em 2016 e Hanya estava justamente escrevendo o capítulo sobre seu mundo pandêmico quando a pandemia chegou. Ou seja, o livro não é um resultado da pandemia, mas nasceu durante ela. Talvez o fato dela ter “previsto” o que vivemos nos últimos anos é o que fez o livro mexer tanto comigo, porque se a iminência de tudo que aconteceu já era previsível e o que ainda não aconteceu será uma realidade também?
As três histórias exploram as nuances que formaram e formam a América. O racismo, o colonialismo, a xenofobia e a democracia são os temas que permeiam toda a obra, resultando numa reflexão necessária e urgente sobre a sociedade democrática, porque no livro dela a democracia morre.
A Revista Gama publicou um trecho do livro, que foi o que me levou a lê-lo. Agora me preparo psicologicamente para ler seu aclamado “Uma vida pequena”.
4) Show Bicep
Apesar do Bicep estar a caminho de uma sonoridade mais pop, eu gosto bastante da dupla e o último show deles me deixou sem ar. Desde a última vez que eles me impactaram num show vigoroso no Sónar Barcelona 2018, eu comecei a ansiar por vê-los novamente. “Isles”, lançado em 2021, ficou no repeat durante a pandemia aqui em casa.
No último dia 30 eles se apresentaram finalmente em Berlim, no Velodrom, casa de shows que me deixou impressionada. O show foi no palco UFO, onde o teto parece uma Millennium Falcon e a acústica é de qualidade. Com capacidade para 5 mil pessoas, os ingressos estavam esgotados.
Quem acompanhou blogs de música na primeira década de 2000, provavelmente caiu no “Feel my Bicep”, blog criado em 2008 pelos amigos de infância Andy Ferguson e Matt McBriar, que se tornaram enorme no palco e que não demoram a ser headliner de festival.
Uma das músicas mais recentes que eu gosto muito e sempre me emociona é “Sundial”, que tem um trecho de um vocal hindu hipnótico do filme bollywoodiano “Jab Andhera Hota Hai”, de Raja Rani (1973).
As luzes são um show a parte, assinadas pelos artistas visuais da Black Box Echo, têm lasers espetaculares, com alguns momentos calmos e oníricos e outros cheios de efeitos glitchy, flashes brancos, visuais psicodélicos e todas as cores, com azul, rosa e vermelho predominantes, muita vezes formando o logo da dupla, num efeito lindíssimo e hipnótico que me remeteu às raves dos anos 90.
Esse vídeo tem uma pequena amostra do show e aqui é possível ouvir na íntegra a live que fizeram este ano no Glastonbury.
5) Exposição “Youth: Anne Imhof”
Foi difícil escolher o 5º lugar entre a nova exposição “Youth”, da alemã Anne Imhof, que está no Stedelijk Museum (Amsterdã), e “LuYang: DOKU Experience Center”, em cartaz no Palais Populaire (Berlim). Enquanto a “Youth” abraça o vazio com instalações de grande escala, de som e de vídeo, ocupando de maneira labiríntica e gamificada todo o subsolo do museu, LuYang se apropria de avatares futurísticos se inspirando na ficção científica, mangá, games e no techno para refletir sobre o pós-humanismo e transumanismo no contexto das cosmologias budista e hindu.a
“Youth” foi criada para o “Garage Museum”, em Moscou, mas foi cancelada devido à guerra. É a primeira exposição de Imhof que não envolve nenhuma performance ao vivo e é também um “ambiente imersivo”, de acordo com a artista.
São duas grandes salas ocupadas por estruturas que obstruem o movimento do espectador através do espaço com tanques de água, pilhas de pneus, capacetes, caixa de plástico vazias, armários cinzas, colchão com latas de Red Bull vazias acompanhados de uma instalação sonora potente (e muito maravilhosa) criada pelos artistas Ufo361 e Arca.
Já os vídeos-instalações de “Youth” são estrelados pela artista Eliza Douglas, fazendo as vezes de avatar de Imhof, que caminha por ruínas cobertas de neve filmadas em Moscou, o que se torna simbólico, pois talvez seja a última obra de arte feita por uma artista internacional na Rússia por muito tempo.
Para Imhof, o nome da exposição “Youth” vem da juventude, “onde as coisas ainda não estão onde se tornam”, e está ligada à fluidez e à incerteza. Como ela disse na coletiva: “quando você é jovem, tudo parece que é tudo ou nada”, como sentimos as coisas nos tempos atuais.
“Os corpos desaparecidos, a enxurrada ocasional de sons, a sensação de tempo perdido, a busca por uma saída — tudo isso ecoa com a sensação calamitosa da guerra ecoando ao fundo.”
Se você passar em Amsterdã até janeiro, não deixe de conferi-la.
Rapidinhas antes de ir…
Eu estou lendo “Luxúria”, de Raven Leilani, e também “Walking in Berlin - A Flaneur in the Capital”, por Franz Hessel, um ótimo guia da Berlim dos anos 20 que ainda é válido para conhecer a cidade.
Assisti “Triângulo da Tristeza”, de Ruben Östlund, e recomendo. Faça como eu: vá vê-lo sem qualquer referência a respeito.
Vocês viram que estreou a 2ª temporada de White Lotus?
Eu já dei a dica, mas repito: a Homeostasis Lab está com uma programação incrível de cursos gratuitos na área de Arte & Tecnologia.
O publicitário Ian Black lançou uma coluna no LinkedIn para refletir sobre a publicidade além do óbvio. Prepare-se para as pauladas e as puxadas de orelha.
As fotos da Björk feitas pelo Nick Knight e o bate-papo dela com o poeta Ocean Vuong, na Another Mag, estão espetacular.
Um bate-papo sobre “medo, inovação e fé” com Bárbara Soalheiro, criadora da Mesa.
Uma newsletter sobre andanças em filmes com uma edição dedicada à Berlim.
Quer apagar uma memória ruim causada pelo fim de um relacionamento? Cientistas pesquisam uma droga que possibilita apagar essa memória, assim como Clementine fez em “Brilho eterno de uma mente sem lembrança”.
A nova estética da extrema direita.
Metaverso explicado em 14 minutos pelo papa Matthew Ball.
Relatório sobre “O impacto e o futuro da Inteligência Artificial no Brasil.”
A Grã-Bretanha está se tornando uma nação mais queer?
Neste fim de semana tem um evento focado em newsletter: O Tempo e o Texto. Eu participo de uma mesa no domingo (10h BR / 14h GER). Corra que ainda dá tempo de se inscrever:
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Bom fim de semana e até a próxima semana. <3
essa é a primeira edição que leio. adorei suas dicas, ouvi muito sigur rós quando jovem e deu vontade de voltar a ouvir!
:)