Espiral #4: Em quarentena
Sugiro dar play nesse show intimista de piano para acompanhar a leitura. Eu o descobri na newsletter "Dept. of Enthusiasm", onde o autor Jez Burrows compartilha uma coisa que o inspirou na semana. Vale a pena assinar.
A primavera chegou em Berlim e junto com ela o horário de verão. Aqui atrás de casa, onde outrora passava o muro, uma fileira de cerejeiras florescem num universo paralelo onde o mundo não parou. Neste finde quando ousei fazer uma caminhada, fui justamente em direção à elas. Incrível como coisas tão simples tem causado um efeito tão intenso (e comovente) na gente nesse momento.
Entramos na quarta semana vivendo comedidamente dentro do apartamento. Fazemos uma caminhada semanal para sentir o sol bater direto na cara, alongar o corpo e comprar café. A falta de vitamina D, que eu já sofro há tempos, provoca diversos sintomas nada bons pra quem contrai o coronavírus, pois a falta dela pode aumentar as complicações devido o aumento de risco em ter infecções respiratórias.
Voltei para as pistinhas de dança na sexta com uma live incrível do Four Tet. Já no sábado, enquanto pintávamos portas, curtimos uma live deliciosamente sexy do DJ alemão Oliver Koletzi. Na segunda foi a vez do James Blake nos brindar de novo com toda sua simpatia de garoto pimpão. Porém deu pra sacar que a curva da pandemia de lives está achatando. Ao contrário da primeira em que ele teve 26 mil espectadores, essa não ultrapassou a marca dos 14 mil simultâneos. Aliás, minha obsessão pelo James Blake é por conta de "Limit to your love" ter sido minha música da valsa do casamento. Não sei se ele a tocou, mas fez cover do Joy Division. Eu acabei trocando o Blake pelo ótimo filme Dirt - Confissões do Mötley Crüe, uma das minhas bandas favoritas da minha época metaleira. Aliás, melhor do que ser um rock star é ser o fotógrafo Mick Rock. O cara conviveu pertinho de um monte de ídolo que eu tenho no altar de casa. Pra quem ainda não viu, eu recomendo o documentário Shot! The Psycho-Spiritual Mantra of Rock.
Tenho conseguido ler bastante. Estou terminando o meu quarto livro da quarentena, Esboço - Rachel Cusk, e revisitado o meu livro favorito, "Uma temporada no inferno", de Arthur Rimbaud numa edição de 1982 traduzida magistralmente por Lêdo Ivo (gosto também da tradução do Paulo Hecker Filho). Eu sou tão obcecada por este livro que quando o descobri, há uns 25 anos, eu o decorei inteiro e tatuei um trecho no cóccix. Ele é meu autor favorito ao lado de Charles Baudelaire. Foi Rimbaud quem trouxe Henry Miller, Anaïs Nin, Patti Smith, Verlaine, Jean Genet e até mesmo Baudelaire pra dentro da minha casa.
Neste finde eu li o livro ainda inédito da minha amiga Amanda. Mergulhei fundo no mundo da depressão, assunto que conheço pouco. Foi uma leitura intensa com muita risada no meio revelando uma amiga genial. A escrita dela é ágil, bem humorada e inteligente (como ela). A leitura me comoveu e me levou para vários lugares diferentes incluindo uma auto-análise. Muitas vezes fico na superfície dos meus problemas pois é mais fácil do que lidar com eles. Esse tem sido inclusive o meu trabalho nas cerimônias de Ayahuasca. Coincidentemente assisti uma aula no MAM sobre a obra de Lucian Freud com a Magnólia Costa. Ela afirma que ao contrário do "ser, logo existo", de Descartes, a obra de Freud é "observo, logo existo". A partir de seus retratos e auto-retratos, ela diz que "nós nos observamos observando o outro pra tentar nos ver no outro e o outro em nós em mesmos." Uia, intenso, né? Me deu até uma tontura aqui. Então vamos pros links espertos?
Estamos nos preparando para viver um novo mundo? É essa a reflexão nesse excelente artigo. Eu tenho muita certeza acerca disso. Nada voltará a ser a mesma coisa.
Giselle Beiguelman fala no programa "Ouvir Imagens" sobre como será voltar dessa quarentena. Para isso ela cita um texto recente do filósofo Bruno Latour: "a última coisa seria voltar a fazer tudo o que fizemos antes e este é um momento para repensar o modelo de globalização neoliberal. Ele propõe fazermos um inventário das atividades que gostaríamos que não fossem retomadas e daquelas que, pelo contrário, gostaríamos que fossem ampliadas".
Seria a pandemia do Covid-19 um teste de consciência? Um texto sobre a pandemia e a moda.
A trend forecaster Lil Edelkoort acredita que a pandemia deve ser vista como uma representação da nossa consciência. Para ela o vírus trouxe à tona tudo que há de tão errado com nossa sociedade.
Como anda sua relação com o tempo? A minha anda bem complexa como sempre foi. O tema é assunto do curso da Torus, um laboratório que questiona como as pessoas compreendem o tempo e se conectam com ele. O primeiro encontro me fez entender que hoje minha relação com o tempo não é mais baseada em horas e sim em período: manhã, manhã e noite. Por que duas manhãs? Porque eu ainda sigo conectada com o Brasil com um vínculo maior lá do que aqui, isso faz com que quando o Brasil amanhece, o dia amanhece novamente aqui pra mim. Dei-me conta de que olho no relógio quando quero saber que horas são em São Paulo e não em Berlim ou se tenho algum horário marcado com alguém. E você, como anda lidando com o tempo? Se junta aí com a gente.
Querendo aproveitar pra entender a história de 4 mil anos do mundo? Cola nesse mapa.
Nesta sexta-feira o Coachella lançará um documentário contando seus 20 anos de história. To curiosa!
O recém lançado Glitter Up the Dark: How Pop Music Broke the Binary traz um olhar histórico para artistas que transcenderam o gênero e a forma pela qual a música subverteu o gênero binário. A autora Sasha Geffen deu uma ótima entrevista aqui sobre o livro e conta como começou seu interesse pelo tema.
Com foco na música clássica este texto especula 19 teses possíveis que mudarão a forma como consumimos música ao vivo após a crise do coronavírus, mas ele se aplica a toda a indústria da música.
O jornalista Matt Anniss escreveu o livro "Join the future: bleep techno and the birth of British bass music". Do livro nasceu a compilação "UK Bleep and Bass 1988-91". Agora por conta da quarentena, Anniss lançou o projeto Bleepography em que é possível ouvir cada uma das faixas e ler um texto sobre cada uma delas.
A Lady Gaga é a curadora do "One World: Together at Home", promovido pela Global Citizen, que rolará dia 18 de abril. Jimmy Fallon será um dos hosts do festival que contará com nomes como Paul McCartney, Elton John, Stevie Wonder, Billie Eilish, Lizzo, Billie Joe Armstrong, entre outros. Vai ser foda, hein?
A Jassrausch é uma bigband de techno alemã. Foi um dos shows mais incríveis e divertidos que vi no SXSW. Vai rolar uma live streaming nesta sexta-feira, às 15h (Brasília) e eu convido vocês a assistirem comigo. Falando em SXSW, hoje (quarta) rola o "Not SXSW" promovido pela White Rabbit com dois palestrantes incríveis: a Amy Webb e o Rohit Barghava, que seriam keynotes no festival. Pra assistir é só se inscrever aqui.
Direto dos anos 80: Laurie Anderson pra quem gosta de música experimental e Grace Jones para quem prefere pop.
Eu amo dança e o Grupo Corpo é uma das minhas companhias favoritas. Eles estão disponibilizando vídeos de seus espetáculos gratuitamente no Vimeo. Para saber como acessar clica aqui.
O Canal Meio, além da ótima newsletter, agora tem também podcast.
Quem estiver afim de melhorar o inglês, o British Council lançou um curso gratuito baseado na obra de Shakespeare. Além dele, eu também estou fazendo nos trancos e barrancos o "What is contemporary art", do MoMa.
Olha aí uma boa sugestão pra maratonar: uma lista com os 50 filmes favoritos de Susan Sontag.
Playlist deliciosa para alegrar dias tristes. Para acalmar, indico o set Serenity do Recondit. O set Japanese Funk and Soul só com artistas japonesas dos anos 70 e 80 é daqueles tesouros que a gente encontra no fundo do youtube. A Biscoito Fino também está disponibilizando vários shows na íntegra de artistas brasileiros.
Pra quem gosta de novidades musicais, a newsletter Boombop Indica é cheia delas.
Se você está curtindo minha newsletter, não deixe de indicá-la para os amigos: tinyletter.com/lalai. Obrigada aos que me mandaram dicas de leituras, música e podcast. Sugestões também são super bem-vindas.
Se você chegou até aqui: Boa páscoa! <3