Espiral #18: a caminhada e a criatividade
Bloqueio criativo, literatura de caminhada, música, verão em Berlim, teamLab e a comunicação entre as árvores
teamLab - A forest where God lives
SALA com Bárbara Boeing e um set delicioso do Motor City Drum Essemble como trilhas sonoras dançantes para essa newsletter. Para quem quer voar um pouquinho, recomendo The Kajitsu Playlist, feita pelo Ryuichi Sakamoto para seu restaurante favorito em NY porque ele achava a trilha do local insuportável.
Eu não sou a pessoa mais criativa do planeta, mas a criatividade sempre esteve presente em mim em algum grau. É ela que me move a fazer coisas novas, a empreender e a olhar pra frente. Mas de uns tempos pra cá ela falhou. De repente eu me vi olhando pro mundo com cara de paisagem. A vida nova numa das cidades mais criativas do mundo se viu tolhida num cantinho de casa. Então lá fui eu me munir de ferramentas para tirar esse fumacê lascado que envolveu meu cérebro. Essa newsletter nasceu disso, um exercício pra “deixar minha inteligência se divertir”.
As coisas iam bem, mas aí, pretensiosa que sou, decidi investir mais a fundo nos exercícios de criatividade. Joguei-me no O Caminho do Artista, da Julia Cameron, me inscrevi no curso Escrita Criativa e Afetuosa, da Ana Holanda, me muni com leituras, podcasts e palestras sobre o assunto, além de correr no paralelo com o curso Música e Negócios que estou fazendo aos trancos e barrancos porque a diferença de fuso horário virou minha inimiga. O que rolou? Um novo bloqueio criativo que me atirou na lama.
Foi por isso que na semana passada eu falhei e não enviei a newsletter, que ficou empacada aqui no dashboard. Decidi então seguir o exercício mais simples do mundo que estudos comprovam estimular a criatividade: caminhar.
A literatura tem explorado bastante o poder de uma caminhada ao longo do tempo. Pesquisando um pouco sobre o assunto, eu descobri a “Literatura de Caminhada”, que tem o Henry David Thoreau como seu principal garoto propaganda. Para ele, “Caminhar sem rumo é uma grande arte.”
O ensaio “O que caminhar ensina sobre o bem-viver? Thoreau e o apelo da natureza” analisa de forma filosófica a sua relação com as caminhadas e a natureza sob um ponto de vista moral.
São vários os autores que unem com maestria a literatura e a caminhada provando que ela é uma ótima companheira. Para quem está boiando um pouco, é só puxar aí na memórias quatro best-sellers que viraram filmes: Na Natureza Selvagem, de Jon Krakauer; Livre, de Cheryl Strayed; Comer Rezar Amar, de Elizabeth Gilbert; e Sete Anos no Tibete, de Heinrich Harrer.
Eu não era uma caminhante em São Paulo. Saía de casa sempre pra ir a algum lugar. Berlim tem sido mais convidativa para esses passeios solitários e contemplativos. Apenas saio caminhando e isso aos poucos tem se tornado um bom hábito.
O que sobrou da newsletter que morreu: um pouco de música
No fim das contas, a newsletter não saiu, mas a intro dela virou um post sobre o Tomorrowland e a Nova Era dos Festivais, em que dei meus dois centavos para comentar sobre a última edição (digital) do festival tentando responder se ele foi ou não uma revolução. Para escrevê-lo, eu peguei carona nesse artigo que começa justamente com “Os shows virtuais não estão aqui para substituírem os de música ao vivo e sim para criar um novo tipo de entretenimento”. Por isso emulação não é o que acredito ser revolução mesmo que seja uma emulação grandiosa feita em 3D.
Eu ando bem animada com as possibilidades que surgem cada vez mais rápidas acelerando muitas tendências que, se não fosse a pandemia, demoraria algum tempo para acontecer. Para quem se interessa pelo assunto “live streaming”, eu deixo a leitura desse artigo caprichadíssimo do David Turner: “Who benefits from a pivot to live streaming?”, e esse do Highsnobiety sobre o futuro da diversão em que fala sobre as raves nos games e os clubes virtuais que estão surgindo.
Alguns eventos online de música para acompanhar
Nesta sexta-feira, dia 7, rola a Gop Tun, que recriou em 3D a Fabriketa, espaço onde a festa rolava fisicamente em São Paulo, e no sábado, dia 8, tem Festival Elas que Lutem transmitido via Twitch.
No próximo dia 15 rola uma edição virtual do CTM Festival no Club Matryoshka, no Minecraft, e poderá ser assistido também via Twitch. O CTM é um festival de música e artes visuais que rola em Berlim e tem a tecnologia de ponta como aliada.
O ADE, uma das maiores conferências de música eletrônica do mundo, anunciou sua edição online para outubro. Para quem gosta de discutir sobre o futuro da indústria da música, o ADE é imperdível.
Só mais um pouco sobre música
O Glastonbury anunciou que corre o risco de retornar somente em 2022. Será que outros grandes festivais voltam ainda no primeiro semestre de 2021? Essa é a pergunta que não quer calar.
Tem, porém, gente apostando que o futuro dos shows são verticais, como esse que aconteceu num hotel em Kiev e esse outro em Brasília com o Jorge & Mateus (que não acabou tão bem porque rolou aglomeração). Gosto mais dessa opção do que a do drive-in.
Um dos projetos mais bacanas que surgiram durante a pandemia foi o Bandcamp Fridays, em que numa sexta-feira por mês o Bandcamp direciona 100% das vendas diretamente para o bolso dos artistas. A ação seguirá até dezembro. A próxima rola amanhã, dia 7. Caso queira colaborar com artistas negros, essa planilha traz uma lista com mais de 2.500 nomes.
A negação e o verão
No último fim de semana rolou um lance horroroso aqui em Berlim: Uma manifestação contra isolamento e uso de máscaras. Sério? Sim. Foram 20 mil pessoas que vieram de vários cantos da Alemanha pra bradar contra a “ditadura do corona”. Temos negacionistas em todos os lugares. Como disse a Nina Lemos, eles reclamam contra regras que nem existem mais. Por aqui a vida está quase “normal” (quer dizer…. normal é uma palavra forte nesse momento). Usamos máscara em lugares fechados, comércio e transporte público. Quase tudo reabriu com exceção dos clubes noturnos e as casas de shows.
Eu não vi nada (ainda bem!), pois finalmente entendi a cultura de lago e o amor pelo verão. Em São Paulo eu nunca me preocupei em ficar em casa num dia ensolarado, porque no dia seguinte provavelmente teria sol novamente e assim seguimos em boa parte do ano. Aqui não. O verão vai embora levando com ele os dias longos e iluminados para dar lugar aos dias melancólicos, frios e escuros que duram uma longa temporada. Então a gente não quer perder um dia de sol e céu azul. O verão passa a ter outro valor. Eu estou aprendendo a colocar o biquini e ir pra praça mais perto tomar um solzinho mesmo que por meia-hora se ele estiver convidativo. Até comprei a bíblia dos lagos para desbravá-los e fazer a lista dos meus favoritos (mas ainda não fui muito bem-sucedida no rolê). Esse próximo fim de semana chega com o convite “vamos todos fugir pro lago”. A temperatura prevista de 32 graus e céu azul já me fez preparar a cesta de picnic.
A amizade e a floresta
No último dia 30 de julho comemorou-se o Dia Internacional da Amizade, data que (ainda) não decolou como outras datas comerciais. São poucas as pessoas que reservam uma mesa num restaurante especial no dia para jantar com a/o melhor amiga(o) e/ou mesmo compra um presente para presentear seu BFF. Eu achei esse texto “O que a não-monogamia tem a ver com as amizades?” brilhante justamente por apontar como vivemos nossas relações românticas e as de amizade na nossa sociedade. Nele, a autora destrincha como o sistema monogâmico hierarquiza nossos afetos: “…Não importa há quanto tempo você tenha uma relação harmoniosa com um amigue, se dividem a mesma casa, fazem coisas juntes, viajam, cozinham… Se o o-amor-da-sua-vida aparecer, o caminho esperado socialmente é o de que você saia da casa que divide com seu amigue para se unir ao seu amor e viver o idílico sonho prometido por praticamente toda a cultura ocidental do felizes-para-sempre.” Leia, pois vale muito a pena.
A Revista Gama fez um belo especial sobre amizade para celebrar a data. O texto sobre a Hilda Hilst e a sua Casa do Sol, que vivia cheia de amigos, faz você querer mergulhar no universo da autora, o que eu ainda não fiz. A Ana Lima Cecílio está escrevendo uma biografia sobre Hilst e liberou gratuitamente uma introdução em formato de ebook, o “Três vezes: Hilda Hilst, correspondência e poesia”. A abertura apresenta uma breve história sobre a escritora e a famosa Casa do Sol, alguns poemas selecionados e três cartas escritas pelo Caio Fernando Abreu para a Hildinha, como ele chamava sua querida amiga. As cartas são tocantes. Trouxe-me a vontade de relê-lo.
Como um link leva a outro, acabei nessa divertida carta escrita pelo Érico Veríssimo para a Lygia Fagundes Telles. Aliás, dá para se perder no Correio IMS com tanta correspondência boa publicada por lá.
Assisti o documentário Léa & I, na Netflix, produzido por duas amigas que viajam de Los Angeles para a América do Sul em busca de cura para a Léa, que sofre de fibrose cística. Elas passam pelo México onde se encontram com xamãs que trabalham com o peiote e biomagnetismo, seguem para o Peru onde mergulham numa jornada de Ayahuasca e terminam a viagem no Deserto do Atacama. O filme não é excepcional (é o primeiro das duas), mas é sensível, cativante e tem um olhar bem jovial sobre a vida, a morte e a amizade. Gostei do filme, em especial dos recursos utilizados para tentar traduzir visualmente as cerimônias de Ayahuasca.
Assistir ou ler qualquer coisa relacionada à Ayahuasca sempre nos leva ao tema natureza, em especial a floresta. A minha conexão com várias coisas na vida mudou após minha primeira cerimônia. A floresta passou a ter um significado muito mais especial para mim.
Quando ouvimos que as árvores se comunicam entre si, muita gente acha viagem demais, mas isso é, inclusive, comprovado cientificamente. Isso explica para mim o porquê da floresta ter esse poder tão potente sobre nós. Ninguém entra no meio de uma e sai igual. Pode não mudar a sua vida, mas muda seu instante.
O livro Song of Trees, de David George Haskell, explica como as árvores estão interconectadas gerando uma conexão em rede. Entender isso faz com que a gente seja capaz de ouvi-las. A revista Emerge promoveu um Book Club para discutir o livro e esse texto faz uma análise dele. A ecologista Suzanne Simard fez um TED explicando (e desenhando) como as árvores se comunicam. Você já conversou ou abraçou uma árvore? Eu já.
Eu conheci o trabalho do coletivo japonês teamLab na Expo de Milão, em 2015, mas o trabalho deles que me conquistou foi outra instalação que vi no Mori Museum, em Tóquio, em 2016. Saí tão emocionada que passei a segui-los. Eles acabaram de estrear uma nova instalação a céu aberto, “A Forest Where God Lives”, onde exploram a continuidade do tempo e da vida e em como a natureza pode se tornar arte. Nela a arte e a natureza se misturam num universo labiríntico.
O que perdemos quando os restaurantes fecham
O Rafael Tonon escreveu um texto lindo (e triste) sobre o que perdemos com os restaurantes que estão encerrando seus serviços nesta pandemia em São Paulo. Para ele, “perdemos ainda mais nós todas as vezes que um deles se fecha para não mais abrir. Não apenas pelas memórias que levam (esses momentos de celebração dos quais se tornaram testemunha), mas sobretudo pelo que representam como valor cultural de uma cidade, de um país”. Há pratos que correm o risco de deixarem de existir com os fechamentos deixando toda uma cultura para trás.
O Alvaro Costa e Silva escreveu um texto sobre o mesmo assunto, mas falando que o Rio de Janeiro está perdendo a sua cara com tantos lugares clássicos fechando. Até o Comuna, lugar que vivi boas histórias, fechou a porta e está com um crowdfunding para ajudá-los a pagar as demissões. Se você tem uma história boa por lá, bora ajudar um cadinho se puder. Outro que fechou também foi a Casa da Matriz. :(
Mas tem notícia boa também. Meus queridos amigos Jo e Renato abririam um café em Pinheiros em março, mas a pandemia veio e o negócio não rolou. Mas apesar da rasteira, a dupla não desistiu. O Curi Cozinha e Café foi lançado na semana passada em versão virtual. Eu sou muito suspeita, pois o Jo é um dos meus cozinheiros favoritos. Lamentei o fato de não entregarem em Berlim, mas quem está em São Paulo pode se deliciar com sua comfort food de casa.
O que mais andei lendo por aqui:
Eating as Dialogue, Food as Technology sobre a comida sendo repensada como uma forma de comunicação.
Esse texto da Gaía Passarelli me causou uma nostalgia sobre São Paulo, mas também me mostrou que tomei a decisão correta ao me mudar para cá.
Os Youtubers com os maiores faturamentos do mundo: a primeira da lista é o canal Like Nastya, que tem por trás uma garota de 6 anos meio russa, meio americana, faturando cerca de 7,7 milhões de dólares por mês.
A revista de fotografia Zum liberou sua última edição online gratuitamente. Tem texto da Giselle Beiguelman sobre a disseminação de vídeos produzidos por AI (os deep fakes), trabalhos de Paulo Bruscky, Décio Pignatari, Sohrab Hura e Lebohang Kganye. A edição explora a luta política no campo visual. Está lindíssima.
O Musicmap mostra a genealogia e a história dos gêneros de música popular de 1870 a 2016, mas a nossa Bossa Nova não aparece por lá.
A Microsoft está negociando a compra da parte norte-americana do TikTok, que está prestes a ser banido dos Estados Unidos. Tem muita estratégia envolvida no negócio. A Cherie Hu faz uma análise do impacto da compra em Where TikTok fits in Microsoft’s music strategy.
A Lilia Schwarcz criticou o novo filme-disco da Beyoncé e foi cancelada. Como eu estou bem longe de me sentir confortável em opinar sobre o assunto, fui ler mais opiniões a respeito. Compartilho aqui três textos críticos que valem a pena a leitura: Afrofuturismo, o movimento que inspirou Beyoncé em “Black is King” com Morena Mariah; Black is King: uma análise afrorreferenciada do novo álbum visual de Beyoncé, de Aza Njeri; e Por que devemos ter cuidado ao assistir “Black is King” de Beyoncé, de Judicaelle Irakoze.
Negro, nordestino e sambista, um bate-papo com o Toinho Melodia, que apesar de ter cinco décadas de carreira, lançou seu primeiro álbum autoral somente em 2018 a partir de uma vaquinha online.
A Marni lançou uma campanha considerada racista. O fotógrafo foi por trás é o brasileiro Edgar Azevedo, que teve suas imagens manipuladas sem sua autorização e acabou “levando a culpa”. A Igi Ayedun bateu um papo bem sincero com o Edgar para entender o que rolou em “Conversa aberta: Nós sem as correntes”.
Os laços que unem Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus analisa sobre os vazios e as subjetividades de ‘Laços de família’ e ‘Quarto de despejo’ sessenta anos depois de seu lançamento. No texto há a menção de um encontro entre as duas escritoras, em que Carolina elogia Clarice: “Como você escreve elegante”. Enquanto Clarice teria exclamado: “E como você escreve verdadeiro, Carolina!”.
Lilly Wachowski explica a narrativa trans por trás de Matrix, lembrando que na época em que foi lançado (1999), as diretoras e irmãs ainda não tinham iniciado o processo de transição de gênero.
Será Alberto di Lenardo a nova Vivian Maier? - Carlotta de Lenardo foi almoçar na casa do avô em Udine (Itália). Ele a levou para conhecer uma área secreta dentro de sua biblioteca e mostrou pra neta uma coleção de 8 mil fotos que fez ao longo de sua vida. A descoberta rendeu o livro “An Attic Full of Trains”.
Kajillionaire, o novo filme da Miranda July que tem a Evan Rachel Wood (Westworld) como protagonista e Angel Olsen fazendo cover de Mr. Lonely (Bobby Vinton).
Primetime game-tainment: Is gaming the new Hollywood? - é, esse tema não irá esgotar tão cedo.
Depois do Xennials, agora é a vez do Zennials.
Resgatei esse texto poético O silêncio que nos cura que se encerra com um poema de Mario Benedetti, O Silêncio. Uma boa leitura para acalmar a alma.
*Errata: na newsletter 17 eu incluí a url incorreta na música Instante, do Nuven, então aproveito pra deixar aqui também sua nova música Par de Ondas.
Deixo aqui um texto do Kalaf Epalanga para celebrar esse dia tão lindo que é o Dia dos Pais e desejar aos pais um feliz dia.
Se você chegou até aqui, obrigada. Lembrando que críticas, comentários, sugestões ou mesmo para jogar um pouco de conversa fora comigo são bem vindas.
Tchau! :)
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