Espiral #66: As 5 melhores coisas de janeiro
ChatGPT, Yayoi Kusama, Ensaios sobre o Futuro, Olivia Laing e Natassja Martin
Resgatei uma playlist que fiz há bastante tempo, mas que sempre me alegra quando eu dou um play nela: Ressurreição!
Esse é o primeiro inverno que passo quase inteiro em Berlim. Não tem sido fácil, o que tornou meu início de ano atípico, uma verdadeira montanha-russa com a emoção e a sensibilidade à flor da pele. Janeiro foi um mês solitário no geral, mas não apenas sobrevivi a ele, como aprendi um pouco neste período sobre a solidão, a felicidade, as nossas relações e as expectativas que colocamos em nós e nos outros.
Janeiro aconteceu aos trancos e barrancos. Mas, como eu já escrevi algumas vezes, momentos introspectivos são novidades para mim e eles têm sido bem-vindos (e até criativos).
Finalmente a escuridão está indo embora, lá fora e dentro de mim. Hoje um solzinho ousado atravessou as janelas da sala e se deitou sobre o meu corpo, mas ainda sem esparramar sua vitamina D sobre ele e por uns momentos eu quase senti o seu calor. Eu não sabia o quanto o sol de fato nos traz tanta vida.
Mas o mês não foi tão ruim quanto possa parecer. Eu li 4 livros, fiz um curso inteiro sobre felicidade - o tema da próxima Espiral -, visitei ótimas exposições, fui a shows, fechei um projeto novo e estou colocando outro na rua (ou melhor, no aeroporto) no fim de fevereiro. Aguardem, porque estou super orgulhosa e não vejo a hora de compartilhá-lo.
Eu também me dei conta de que consigo escrever duas newsletter mensais temáticas, pois eu gosto de fazer uma imersão no tema, ler livros, assistir filmes e documentários, conversar com pessoas, ouvir podcast, analisar relatórios/estudos e folhear revistas atrás de olhares únicos sobre o assunto para trazer mastigadinho para vocês.
A Espiral continuará semanal, mas com 2 edições temáticas, 1 com entrevista sobre temas específicos e/ou projetos criativos e esta lista com as coisas que mais curti no mês. O objetivo é conseguir enviá-la sempre às quintas-feiras.
Mas chega de lero lero e vamos às coisas que deixaram janeiro um pouco mais ensolarado por aqui:
🤖 ChatGPT: Inteligência Artificial na produção de conteúdo
*Uma trilha especial para esse trecho da newsletter: Meat Robots, Paresses - Curses Remix
Uma das experiências mais legais que tive em janeiro foi explorar o ChatGPT, a celebridade do mês em todos os cantos da internet e até da TV (passou no Fantástico). Ele foi lançado em 30 de novembro do ano passado e hoje já está sendo testado para ser incorporado na produção de conteúdo de grandes conglomerados de mídia, como o Buzzfeed.
Decidi testá-lo como um guia na produção da próxima newsletter, que era para você estar recebendo hoje no lugar desta, mas o experimento me levou tão longe que precisei de mais tempo para organizar e compilar as informações colhidas.
A próxima Espiral será sobre “Felicidade”, tema perfeito para o início do ano, pois é sempre bom lembrar e rever conceitos básicos, mas que nos são tão caros. Foi uma sugestão de minha amiga Fernanda Mello. :)
Aproveito aqui para contar sobre o processo. Foram duas semanas de “conversas” com o chatbot com perguntas básicas sobre o conceito de felicidade, a visão de felicidade na filosofia, na psicologia, na religião, na neurociência e na psicanálise. Pedi referências das leitura mais aclamadas sobre o tema e também por resumos de alguns livros que o próprio chatbot me indicou. Perguntei quem são as maiores autoridades no mundo sobre o assunto e quais os melhores TED para assistir, já que a lista é extensa. Pedi dicas de filmes, poesia, livros, literatura e cursos. Tiveram momentos que eu esqueci completamente que estava conversando com uma inteligência artificial a ponto de pedir por favor ou até mesmo desculpa!
Fui levada para lugares que talvez o Google não me levaria de maneira tão fácil.
Depois da nossa primeira “conversa”, em que fui sugada para uma espiral, eu me matriculei num curso sobre felicidade, que não tinha aparecido na lista de opções que o chatbot me deu, mas quando eu perguntei a respeito dele, ele me trouxe todas as informações sobre o curso e sobre o professor.
O curso (que já terminei) me trouxe um novo repertório, o que me fez voltar várias vezes ao chatbot com novas perguntas e discussões, algumas filosóficas que foram muito bem respondidas, para aprofundar em alguns pontos. Pedi a sua ajuda para analisar dados de pesquisas sobre felicidade. Aproveitei também para me aprofundar um pouco mais em aspectos mais técnicos que aprendi de maneira superficial.
A conversa resultou num documento de 60 páginas cheia de referências e, claro, alguns erros. É importante sempre checar as informações, o que eu fiz sempre que ele me trazia coisas novas. Quando eu achava um erro, eu o levava de volta ao chatbot. Alguns ele corrigia (corretamente) e outros, ele “assumia” não ter informações suficientes para responder e me pedia desculpa (ah lá a humanização do “ser”). Um exemplo: ele me trouxe uma frase atribuida à Clarice Lispector, mas que na verdade é da Adélia Prado. Ele não conseguiu achar essa informação e ficou por isso mesmo.
O processo foi fascinante, não só porque enriqueci bastante a minha pesquisa, mas porque eu me senti conversando com uma pessoa muito inteligente. O tom no geral é formal numa linguagem às vezes entediante, como o de pessoas que não tem muitos skills sociais. Algumas vezes eu pedi para ele responder usando o estilo de escrita de alguma escritora que eu gosto ou dar um tom poético à resposta. Um exemplo: pedi para um resumo do livro “Escute as Feras” de maneira poética e a resposta foi:
”Em "Escute as Feras", Natassja Martin fala
Da voz das criaturas silenciosas,
Que habitam nossos bosques e nossas matas,
Mas são escutadas tão poucas vezes.
Ela convida a escutar suas canções,
De uma linguagem antiga e verdadeira,
Que fala da beleza da natureza,
E da necessidade de preservá-la.
As feras nos contam suas histórias,
De amor, sobrevivência e coragem,
E de como a ganância humana,
As afasta cada vez mais da harmonia.
Mas ainda há esperança, a autora diz,
Se escutarmos suas vozes sinceras,
E agirmos com sabedoria e respeito,
Poderemos viver em paz com as feras.”
Eu confesso que eu ri, mas adorei a resposta. A minha experiência me mostrou que a inteligência artificial vai substituir criadores de conteúdos e redatores que produzem conteúdo, mas conteúdos mais impessoais e/ou genéricos. Sabe os posts em formato “power point”, que fazem tanto sucesso no Instagram? Pois bem, ele é capaz de produzir a maioria deles, assim como tem a capacidade de criar os famosos quizzes no modelo do Buzzfeed.
É a nossa vivência/experiência e a forma como conectamos nossas referências que serão a cereja do bolo do conteúdo.
Novamente eu digo: Eu não acredito que a inteligência artificial vá matar a criatividade, mas que vai potencializá-la.
📚 “A cidade solitária”, de Olivia Laing
Entre as leituras que fiz em janeiro, “A Cidade Solitária” sobressaiu entre elas. O livro é um verdadeiro tratado sobre a solidão contado a partir de histórias de artistas que viveram e morreram em Nova York. Quem gosta de leituras cheia de referências, essa é altamente recomendável.
A autora britânica Olivia Laing se mudou para Nova York aos 30 anos, logo após uma decepção amorosa. Não demorou para ela se ver solitária numa das cidades mais movimentadas do mundo. Para refletir sobre o tema, Laing esmiuçou a vida e o trabalho de diversos artistas em que a solidão é o tema ou a resposta à ela. Alguns deles são Edward Hopper, Henry Darger, Valerie Solanas, David Wojnarowicz, Andy Warhol e Klaus Nomi.
Ela escreve maravilhosamente bem e entrelaça as histórias de seus personagens de maneira brilhante. A leitura é densa e também lenta.
Entre as várias histórias que ela conta, ela fala sobre o surgimento da AIDS e como os Estados Unidos lidou mal com a doença, e discorre sobre o primeiro experimento social da internet feito em 1999, realizado por Josh Harris, que colocou 60 pessoas trancadas numa espécie de bunker na virada do milênio.
“numa performance duradoura, um campo de prisioneiros hedonistas ou um zoológico humano coercivo. O “Quiet” foi concebido como uma investigação sobre a vigilância e a vida em grupo: um experimento designado para testar os efeitos do colapso dos limites entre o público e o privado, que Harris estava convencido que a internet causaria. “Andy Warhol estava errado.” disse ele a um jornalista. “As pessoas não querem quinze minutos de fama em sua vida, querem isso toda noite. O público quer ser o show”.
Filas se formavam na porta para ver de perto a “performance” que nos soa tão atual. O primeiro Big Brother da internet expondo de maneira crua o lado mais animalesco do ser humano.
É um livro pesado, ousado e sedutor. Laing se inspira na genialidade dos artistas que analisa para buscar respostas para a solidão brutal que sente.
“Como é se sentir solitário? É como estar com fome: como estar com fome quando alguém perto de você está se preparando para um banquete. É se sentir envergonhado e apreensivo. Com o tempo, esses sentimentos irradiam para fora, tornando o solitário cada vez mais isolado, cada vez mais alienado.” - Olivia Laing
📺 Kusama - Infinito (2018)
O meu primeiro contato com o trabalho da Yayoi Kusama foi tardio, em 2014, quando a exposição “Obsessão Infinita”, estreou no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Eu fui arrebatada pelo conjunto de sua obra e ouso dizer que foi uma das exposições da artista que mais gostei até hoje. O catálogo pode, inclusive, ser baixado aqui.
Kusama se transformou num ícone da cultura pop, tendo recentemente assinado uma nova coleção da Louis Vuitton. Ganhou uma versão robótica em tamanho real para estrelar as vitrines das lojas da marca em Paris, Nova York e Tóquio.
Tentei visitar o seu museu em Tóquio, mas ele tinha acabado de abrir e já não tinha ingressos disponíveis por meses. Visitei sua famosa abóbora amarela em Naoshima e passei por diversas exposições dessa artista tão singular de 93 anos em diferentes cidades do mundo, o que sempre me trouxe uma nova leitura.
O documentário “Infinito” explora a vida e a obra de Yayoi Kusama, nascida numa família conservadora, na área rural do Japão e mostra que se não fosse sua persistência, ela não teria se tornado a grande artista que se tornou.
Em 1958, ela se mudou para Nova York e, embalada pela revolução política e social americana dos anos 1960, produziu esculturas ousadas e protagonizou protestos contra a Guerra do Vietnã. O documentário explora a infância difícil de Yayoi, o preconceito, o machismo que sofreu no mundo das artes e a sua internação voluntária numa clínica psiquiátrica.
O filme estreou no Brasil na 43ª Mostra Internacional de Cinema e agora está disponível em streaming (gratuito) na plataforma Sesc Digital.
Aproveito para recomendar a ótima autobiografia “Infinity Net”, publicada em 2002, em que Yayoi começa o livro contando sobre a saga de sair do Japão e ir para os Estados Unidos, nos anos 1950, quando não era tão simples pegar um voo e atravessar o mundo. O livro, além de tudo, contém um ótimo senso de humor da artista, como quando ela conta que mandou uma carta para o presidente da França dizendo que queria ir morar lá, mas que voltou atrás porque aprender francês só lhe deu dor de cabeça, fazendo-a voltar sua atenção para os Estados Unidos.
🔮 The Monocle Companion: Fifty Essays for a Brighter Future
O livro-revista “The Monocle Companion” apresenta 50 ensaios, a maioria deles inspiradores, sobre a sociedade e o futuro, escritos por pessoas brilhantes, de escritores e poetas a CEOs de grandes empresas. Há alguns textos patrocinados por marca, mas que mantém sua relevância ao falar de temas tão atuais, como metaverso, aquecimento global, dados, gêmeos digitais (avatares), etc., sem interferir no editorial diretamente.
Alguns assuntos discutidos são:
Como olhar para frente com esperança e por que o arrependimento pode ser uma emoção construtiva.
Como sair da rede: Pequenas comunidades compartilham grandes ideias para resolver a crise energética.
Os líderes mundiais deveriam se preocupar mais com o que sentimos do que com o que ganhamos num ensaio sobre o quanto o mundo está mais infeliz.
Como novos hábitos – em vez de revoluções – irão empurrar o mundo para uma direção melhor.
Por que geralmente concordamos sobre as coisas importantes, mas ficamos presos nas diferenças. Um modelo para conversas mais saudáveis.
Tem até menção ao time do Corinthians e um guia de como comer melhor escrito por um crítico gastronômico.
📕 Escute as Feras, Natassja Martin
“Escute as Feras” é um livro de sucesso no meio literário, mas eu demorei um bocado para ler, pois não há opção digital, então eu precisava lembrar de comprá-lo numa ida ao Brasil, já que a leitura me pareceu densa demais para fazê-la em inglês.
Apesar de ter 106 páginas, a leitura é puxada porque o livro é resultado de um trauma. E nunca é fácil dele. Para quem está totalmente por fora do que se trata a história, “Escute as Feras”, é o relato da autora Natassja Martin sobre o seu encontro com um urso no sopé de um vulcão na Sibéria, durante uma pesquisa etnográfica que fazia sobre o povo nômade Evens. O inesperado é que ela sobreviveu ao ataque, mas perdeu uma parte de sua mandíbula.
O livro é um acerto de contas com esse trauma e uma reconstrução de quem ela se tornou após o acidente, além de também querer fazer as pazes com o urso. Perdoá-lo por ele levar um pedaço dela. Ela nos conduz a uma jornada poética através da voz das florestas. Ela apela para o ouvido sensível de cada um, a fim de escutar as histórias que habitam nossos bosques e matas, tão frequentemente ignoradas. Martin nos convida a mergulhar na beleza da linguagem antiga e verdadeira das criaturas selvagens, e a refletir sobre a importância de preservar a harmonia com a natureza. Não há como não pensar também nas nossas florestas e no nosso povo originário tão ameaçados.
A autora esteve presente na última FLIP, onde dividiu com a também brilhante Tamara Klin, rendendo uma ótima e inspiradora conversa, que pode ser assistida na íntegra aqui. O Ciclo de Estudos Selvagem também promoveu uma conversa entre a autora e o Ailton Krenak, que vale a pena ouvir.
Do you follow (me)?
Uma listinha com conteúdo extra que também anda causando por aqui:
Uma jornada para curar nossos traumas - Comprei numa livraria e já de cara um trauma que tenho se revelou totalmente diferente de como ele está impregnado na minha memória;
Uma análise sobre o que nos revela os 50 maiores relatórios de tendências para 2023;
A Hyper Island compilou diversos relatórios de tendências aqui;
Exposições imperdíveis em Berlim:
Wim Wenders: Two Or Three Things I Know About Edward Hopper at Galerie Bastian, Berlin: Até 25.02
Nan Goldin, na ADK, até 19.03. A exposição é concisa e apresenta os trabalhos produzidas nas últimas 5 décadas;
Broken Music Vol. 2 - 70 Years of Records and Sound Works by Artists, no Hamburger Bahnhof, até 14.05;
William Eggleston - Mystery of Ordinary, na C/O Berlin, até 04.05;
Uma conversa brilhante sobre criatividade entre Pharrell Williams e o produtor Rick Rubin.
Um ótimo fim de semana. Na semana que vem eu volto trazendo uma caixa de felicidade.
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Lendo janeiro em fevereiro haha. Também li Escute as feras mês passado, amei. Ótimas dicas <3
Como eu curto as tuas 5 melhores coisas!
(E vocês tão me colocando enlouquecida com o ChatGPT. Vou explorar!)