Espiral #61: As 5 melhores coisas que eu vi em novembro
Synästhesie Festival, Adriana Lisboa, Dixit, Heloísa Ariadne e Uma Leitura dos Búzios
“The Scent of Burnt Flowers” é o nome do livro do artista ganês Blitz Bazawule. Para se inspirar enquanto escrevia o livro, Bazawule fez uma playlist recheada de sonoridades de Gana produzidas entre 1950 e 1960 para acompanhar a odisseia. Clica no play!
Novembro é o mês de se recolher para quem mora no Hemisfério Norte. Os dias ficam demasiadamente curtos com o sol escapando no horizonte antes das 4 horas da tarde. Às 4:30 a minha sala, outrora muito iluminada por conta de seus janelões virados para o oeste, agora repousa em absoluta escuridão que se estende até as 8 horas da manhã do dia seguinte.
Essas noites confundem meu organismo. Às 7 horas da noite eu estou faminta como se fossem 11 horas e eu não tivesse jantado. É uma época em que como mais, durmo mais e permito que a preguiça me faça companhia despudoradamente. O pijama tem dificuldade de se desvencilhar de mim. Ir para as aulas de yoga pela manhã se transforma em pequenas vitórias diárias. Mas, se antes essa escuridão me aterrorizava, hoje eu quase gosto dela. Ela tem me ensinado a aproveitar o estado melancólico que me aflige nesta época do ano.
Novembro chegou com dias cheios de neve que sempre me encantam como se fosse a minha primeira vez a vê-los. Ao invés de devanear com dias nutridos de vitamina D em praias paradisíacas, eu sonho com um chalé com chaminé cravado no sopé de montanhas brancas de chantilly. Eu quero ver de perto a montanha do Toblerone, que sempre aparece imponente nas fotos de expedições invernais que meu marido faz todos os anos.
Aprender a esquiar foi um dos maiores desafios da minha vida. Foram cerca de 10 anos tentando aos trancos e barrancos. Amor em algumas temporadas, ódio e a promessa de nunca mais tentar em outras. Mas finalmente, em abril deste ano, eu esquiei de verdade. Eu voei como um pássaro. Sem medo. Leve. Acompanhada de uma das melhores sensações que eu já tive na vida. Liberdade sentida de maneira física. Enquanto eu deslizava pela neve macia numa longa pista, eu abria os braços e ria alto quase numa gargalhada. E gritava “Eu não acredito!” “Finalmente.” Daqueles gritos que a gente expele tudo o que está errado para fora. O Ola, todo orgulhoso, esquiava de costas (o que me dá um pouco de raiva) para me filmar. Ele estava tão feliz quanto eu. Foi uma das minhas maiores conquistas de 2022.
“Acho uma delícia quando você esquece os olhos em cima dos meus, ou quando sua risada se confunde com a minha.” - Chico Buarque
E, pensar, nesses dias frios e introspectivos, me fez ver que eu não fiz muita coisa em novembro. Pensei bastante nessa lista de 5 melhores coisas que vi no mês. E a melhor delas foi a solitude. Foi a alegria de sentar comigo no sofá várias vezes sem absolutamente nada para fazer. Saí de casa menos do que o de costume. Cozinhei bastante. Exercitei-me mais do que o habitual. Tomei banhos demorados de banheira. Novembro foi um mês em que eu fui o meu centro sem culpa. O mundo estava girando ao meu redor.
Contudo, eu fugi para São Paulo antes desses momentos se virarem contra mim. Tomei chuva de maiô. Uma chuva que não temos igual em Berlim. Aqui no Brasil chove com gosto. O mundo desaba. Em Berlim a chuva é sempre modesta, só é forte quando vem acompanhada de ventanias. Venta tanto a ponto de eu sempre achar que a árvore em frente ao meu apartamento atravessará a janela e cairá estatelada no chão da minha sala. No Brasil, a chuva, às vezes, cai em 90 graus. Eu não lembro a última vez que tomei um banho de chuva com tanto gosto. Lavando a alma e a melancolia de novembro.
1) Todo o tempo que existe, Adriana Lisboa
O livro de ensaios “Todo o Tempo que Existe”, de Adriana Lisboa, é de uma beleza singular. Um livro sobre luto, sobre a vida, como são geralmente os livros sobre o tema. Escrito a partir da morte de seus pais (a mãe em 2014 e o pai, em 2021), ela nos leva para passear no Jardim Botânico e em Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Relembra momentos em família tão comuns a todos nós. Talvez o fato de, assim como ela, eu morar em outro país, tão longe dos meus pais, o que me causa ansiedade e culpa muitas vezes, a leitura me deixou comovida em diversos momentos.
Entre as referências que traz, para falar do luto e da escrita, uma delas me tocou de um livro que eu ainda não li - “A ridícula ideia de nunca mais te ver”, de Rosa Montero, em que observa “que num certo sentido nosso processo de luto é uma continuação da narrativa de quem sem foi. O ser querido se cala, mas nós continuamos a lhe dar voz, continuamos a narrá-lo em nós - donde a comum necessidade de ver fotos antigas, recordar histórias, contar anedotas envolvendo quem se foi”.
Além de tudo, a escrita poética da Adriana é nova para mim. Eu não a conhecia e foi uma grata surpresa eu ter abraçado por acaso o seu livro numa livraria logo que eu cheguei aqui em São Paulo. Gostei do título. E o abracei. E o devorei numa sentada.
2) Synästhesie Festival, Berlim
Assim que adentrei o Kulturbrauerei numa noite gelada de novembro eu disse em voz alta “Do rock vim, para o rock voltarei”. Berlim me carregou no colo para o techno. Voto vencido. Trabalho bem feito. Virei devota a ponto de frequentar sua missa dominical oferecendo o meu corpo dançante por horas para celebrá-lo.
Desde que me mudei para Berlim, eu me programo para conhecer o festival Synästhesie, mas a data em que acontece sempre coincidiu com as minhas escapadas para o Brasil. Porém, este ano numa noite de jogatina, eu falei alto “Ola, temos que ir”. No mesmo fim de semana estrearia novo festival X100, produzido por um dos meus festivais favoritos, o Berlin Atonal, com um line-up cheio de gente grande da música eletrônica. Com um certo pesar, mas feliz porque aprendi a fazer escolhas, voltei à minha antiga raiz, o rock.
O Synästhesie acontece por 2 noites, sempre no meio de novembro, e é produzido pelo meu dive bar favorito da cidade, o 8mm, que agora mudou de dono e dizem estar mudando de direção. Mas o festival segue impecável, como me contou duas amigas, que o frequentam desde seu lançamento em 2017 e nele viraram as duas noites na pista ao meu lado.
Dizem que a programação nunca decepciona. Eu aplaudi! Entre nomes consagrados e emergentes, eu só me decepcionei com um show triste de ver do Tricky, de quem sou grande fã. Mas, muito além dos shows, eu vivi uma outra Berlim, muito distante da que eu costumo frequentar. Eu era uma das poucas mulheres de cabelo curto, o que é comum em praticamente todos os lugares que vou. Pessoas vestidas de maneira mais colorida, muita gente de cabelos compridos e faixa etária média 30+.
Finalmente assisti pela primeira vez um show do Slowdive, que foi lindo de morrer como eu já sabia ser. Adorei conhecer os alemães Gewalt, Suns of Thyme e Warm Graves, a canadense Tess Parks, que me deixou hipnotizada com sua voz e seu rosto tão belo, me embalei com o synth-pop do Tempers e com o dream pop de Roller Derby. Foram duas noites extraordinárias.
Agora sei que em 2023 eu só faço as malas para São Paulo depois de curtir sua oitava edição que eu espero que aconteça.
3) Dixit - jogo de tabuleiro
Um hábito que estou adorando cultivar no inverno é jogar. Eu não conhecia o Dixit, mas foi amor à primeira vista. Em primeiro lugar, as cartas do jogo são lindíssimas ilustradas com imagens oníricas. Se a tendência de conteúdo antirreal, que nos move para um universo mais onírico, faz a sua cabeça, se prepare para se apaixonar por esse jogo. Criado em 2008 pelo francês Jean-Louis Roubira e ilustrado por Marie Cardouat, o Dixit tem uma premissa muito simples para jogar: Contar histórias a partir das ilustrações. Um jogador escolhe uma carta, dá uma pista sobre ela (não muito óbvia) e a separa. Cada participante escolhe uma carta que se aproxima da pista dada e depois todos têm que adivinhar qual é a carta original. Gostei que em uma jogada alguém olhou para a carta e sem titubear disse “Lalai”. Foi divertido ver como as pessoas me enxergam.
4) Heloisa Hariadne
Descobri a artista brasileira Heloisa Hariadne num trabalho de curadoria de pessoas que fiz recentemente para uma marca. O curioso trajeto que levei para chegar até ela foi através de uma publicação na Vogue americana, mas ela foi publicada na edição brasileira também. Fico um tanto envergonhada de muitas vezes descobrir talentos nacionais dessa maneira invertida.
Como li numa entrevista, Heloisa Hariadne é um furacão nas artes aos 24 anos. Ela é de Carapicuíba, região metropolitana de São Paulo, estudou Artes Visuais na Belas Artes de São Paulo e hoje é bem representada pela Galeria Leme.
Seu trabalho é potente e vibrante. De acordo com a artista, que é vegana, ele é pautado pela sua alimentação. Suas referências são todas femininas, como Hilma af Klint, Leonora Carrington e Njideka Akunyili Crosby. Ela gosta de mulheres que trabalham (ou trabalharam) com muita cor, exagero de escala e que arrisca(vam) no que fazem, assim como ela.
5) Uma leitura dos búzios
Espetáculo muito relevante para os dias atuais, “Uma leitura dos búzios” é uma peça sonora sobre a Conjuração Baiana, também conhecida como A Revolta dos Alfaiates e a Revolta dos Búzios, um levante popular que aconteceu em Salvador, em 1798, pela luta pela liberdade do Brasil colonial. A peça aborda o episódio sob o ponto de vista feminino e é apresentada numa narrativa musical, coreográfica, videográfica e textual abordando a desigualdade racial no país. Lindíssimo, com atuações e produção impecáveis.
Fica em cartaz até 12/2/2023, no Sesc Vila Mariana. Caso você esteja em São Paulo, não deixe escapar a oportunidade de assistir, provavelmente, um dos melhores espetáculos do ano.
Lullaby - uma despedida
Foi com pesar que eu soube da morte precoce da Mimi Parker, do Low, banda que ouvia muito anos atrás. “I could live in hope” é um álbum belíssimo que ficou no repeat muito tempo no final da minha adolescência.
Esse ano eu peguei o gosto pela escrita e tenho praticado sempre que possível. Uma das minhas dificuldades é sintetizar ideias, por isso abracei o Nicheless, um editor de conteúdo que permite publicação de textos de até 300 palavras. Criei um projeto para escrever por 365 dias num tom tão pessoal quanto é a Espiral. Não tenho a menor ideia sobre o seu futuro, mas estou gostando do exercício de edição exaustiva que preciso fazer para cumprir a regra do site.
Boca do Estômago: conversas sobre cultura, saberes e histórias do alimento.
Um recap do Business Purpose com todos os temas analisados ao longo de 2022.
A ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura Annie Ernaux foi uma das sensações da última Flip. Vale muito a pena assistir à mesa com ela e Veronica Stigger e ler a cobertura da Bárbara Bom Angelo.
Amei odiar o novo filme da Olivia Wilde “Não se preocupe, querida”, que desperdiçou um ótimo tema ao não desenvolvê-lo como poderia ter feito.
Eu só descobri agora que o Sex Pistols ganhou a minissérie Pistol com direção do Danny Boyle para contar a sua história e contradições.
Eu gosto bastante de filme de terror e estou me deleitando com a série “O Gabinete de Curiosidades de Guilherme Del Toro”. A produção e as atuações são de tirar o fôlego. Cada um dos 8 episódios traz uma nova história que passeia pelos diversos estilos do cinema de terror.
Nos vemos em breve. Farei uma cirurgia muito simples, uma blefaroplastia, na próxima quinta-feira. Me mandem boas vibrações e espero que eu esteja totalmente apta a escrever a newsletter da semana que vem.
Deixo aqui a playlist com as músicas mais tocadas no meu Spotify em 2022.
*Se você é novo/nova por aqui, me dê um alô para contar como me achou, onde você está, deixe suas críticas, dicas e sugestões. E, se gosta da newsletter, envie ela para os amigos.
Oi, Lalai!
Chego a essa news quase dois anos atrasada (rss), mas estou aqui para te agradecer pela playlist indicada no início da edição. Estou viciada!!
Abraços
Esse deleite de si mesma e a frase de Chico, ai meu coração. Boa cirurgia :)