Espiral #53: As 5 melhores coisas que vi em agosto
Whole Festival, Museu Bauhaus, Priya Parker, Tilda Swinton e Casa dos Aposentados em Cleveland
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Agosto foi puro brilho por aqui
Agosto foi um mês com muita coisa boa à minha volta. Azar eu não tive. Me inspirei com discos novos, literatura, newsletters vizinhas, revistas, festival, um bate-papo sensacional com a Renata Simões e uma viagem até Weimar, cidade impregnada de história para onde se mandaram os maiores nomes do romantismo alemão: Nietzsche, Goethe e Schiller. Para quem gosta de um turismão residencial, Weimar oferece as casas desses célebres homens para visitar.
Separar as 5 melhores coisas que vi/vivi em agosto não foi fácil. Fiquei também pensando em como tenho estruturado essa lista, já que não necessariamente eu vou compartilhar algo que seja acessível a todos (como visitar um museu em Weimar). Mas penso que, de alguma forma, eu posso compartilhar um pouco a minha experiência e deixar referências que me emocionaram para quem quiser pesquisar, além de também vir a ser um lugar para entrar numa lista de lugares para conhecer quando estiver em viagem. É isso… espero que por aí agosto tenha sido também um mês inspirador.
1) WHOLE Festival, em Ferropolis
O WHOLE Festival não tem o perfil de festival que frequento, assim como eu estou longe de ser seu público-alvo. Mas, tendo por trás uma querida amiga (e agora sócia) como uma das idealizadoras, eu decidi ir prestigiá-la. Embarquei numa viagem divertida com um grupo de amigos para encarar três dias acampando numa cidade próxima a Dessau. Eu me considero, sem falsa modéstia, uma expert em festivais de música e falo de boca cheia de orgulho: o WHOLE é um dos festivais mais especiais que eu já fui.
Além de acontecer numa locação pós-apocalíptica, Ferrópolis, um museu a céu aberto com diversas máquinas industriais monumentais do século 20, o WHOLE é um festival queer com música boa. Não me entendam mal, mas os poucos festivais queers que fui eram todos focados em música pop e house de gosto duvidoso.
Foi o festival mais diverso em que já estive (e ainda há muito para incluir ali). Pessoas de comunidades de todas as letras da sigla LGBTQIA+ estavam lá. Muitas pessoas trans mostrando seus corpos nus bem à vontade enquanto se banhava no lago que cerca a cidade de ferro. Tinham heteros? Alguns, como eu e o marido que foi comigo a tiracolo.
Eram 5 palcos, um deles na praia, outro no meio de uma floresta e um no concreto com uma das maiores máquinas do local (30 metros de altura) como pano de fundo. Teve um quarto palco dedicado à performance e um lounge onde aconteceram talks, workshops e aulas de yoga. No line-up, mais de 100 artistas e 40 coletivos de diversos lugares do mundo, incluindo a Mamba Negra, de São Paulo, e Bulto, de Bogotá.
A festa para 6 mil pessoas, com ingressos esgotados há meses, começou na sexta-feira ao meio-dia e se encerrou às 4h da manhã de segunda-feira. Teve perrengue? Teve! Mas ele deixou boas risadas e histórias para contar.
Como li na Vice, “é um festival com qualidade de uma ótima rave. É festa, bar de praia, costa paradisíaca, mundo dos sonhos, utopia real e também uma questão política. Não poderíamos ter terminado o verão de forma mais bonita do que aqui.” (minha tradução livre)
2) Museu Bauhaus, Weimar
Antes de desembarcar em Weimar, eu confesso que não sabia que era nessa antiga República alemã que foi fundada em 1919, por Walter Gropius, a escola de arte mais vanguardista da história e a primeira de design do mundo. Eu achava que sua cidade natal era Dessau, mas essa abrigou a Bauhaus quando a extrema-direita alemã avançou a passos largos em 1925 e o governo local quis promover mudanças drásticas na escola.
Em comemoração aos seus 100 anos, a Bauhaus ganhou em 2019 um novo museu em Weimar, com projeto assinado pela arquiteta Heike Hanada, que destacou a história da escola explorando questões relacionadas ao design nos dias de hoje e no futuro. Inclusive sua última sala é dedicada a exposições temporárias com artistas que dialogam com o conceito da escola.
Na entrada somos agraciados com uma instalação suspensa, “Sundial for Spatial Echoes”, de Tomás Saraceno, que mostra sua visão de uma cidade flutuante do futuro. E o museu Bauhaus é mais sobre o futuro do que o seu passado, mesmo que em seus três andares a coleção de mais de 10 mil itens expostos foram feitos durante sua história, que é relativamente curta. A Bauhaus existiu entre 1919 a 1933, quando foi fechada pelos nazistas por considerarem a escola um lugar de comunistas liberais e subversivos, mas deixou um legado que ainda é muito atual.
A exposição se inicia com uma pequena mostra intitulada “New Man”, que investiga esse novo homem do século 20 resgatando o conceito criado por Nietzsche, que viveu parte de sua vida e morreu em Weimar. É interessante ver questionamentos que continuam tão atuais feitos no início do século passado. Como esse novo humano deveria se comportar na era das máquinas? Nós nos vemos diante do mesmo dilema nos dias atuais em que artistas, por exemplo, concorrem hoje com aplicativos de inteligência artificial.
Ainda na sessão “New Man”, a mostra discorre sobre a emancipação da mulher contextualizando o nosso papel no início de século 20. Em 1919, mesmo ano em que a escola abriu, as mulheres ganharam o direito de votar na Alemanha e também deu a elas um acesso mais fácil às escolas, tornando a Bauhaus popular entre o público feminino, mas (como sempre) foram os homens que ganharam destaque.
O museu tenta reparar essa omissão sobre a presença de mulheres na Bauhaus, que era grande e foram suprimidas de sua história. Elas eram até bem-vindas a entrar na escola alemã, inclusive o manifesto afirmava que acolhia "qualquer pessoa de boa reputação, sem consideração de idade ou sexo", mas um forte preconceito de gênero permeava sua estrutura. As mulheres eram encorajadas a estudar tecelagem em vez de pintura, escultura e arquitetura, como os homens. O próprio fundador Walter Gropius encorajou esta distinção acreditando que os homens pensavam em três dimensões, enquanto as mulheres só podiam lidar com duas.
Já “Experimento”, sessão que traz os trabalhos iniciais da Bauhaus, surge outro questionamento tão atual de como queremos viver no futuro em que a resposta é de que não era possível voltar atrás no avanço tecnológico. Por que então não fundir tecnologia e arte para tornar a vida diária mais fácil e bonita, aproveitando assim ao máximo os materiais modernos e o design funcional? Foi o que a Bauhaus fez.
Ao percorrer o museu, vamos conhecendo o trabalho de mulheres geniais que se tornaram estrelas, como Marianne Brandt, Marguerite Friedlaender-Wildenhain, Anni Albers, Gunta Stölzl, Alma Siedhoff-Buscher, Gertrud Arndt, entre várias outras.
Na cidade, aproveitei também para visitar pessoalmente a Haus am Horn, casa construída para a exposição de Weimar, em 1923, que foi desenhada por Georg Muche. Foi o primeiro modelo de casa “Bauhaus”.
Links para explorar:
Documentário “100 anos de Bauhaus” e outro documentário também celebrando os 100 anos da escola em 3 partes aqui e outro em português aqui
A série “Bauhaus: New Era” (2019 - 6 episódios) coloca luz na história das mulheres da Bauhaus
Grand Tour of Modernism mapa para um tour na Alemanha na arquitetura moderna de 1900 a 2000
Rebel with a cause: how the founder of Bauhaus changed the world
Bauhaus em 7 minutos (com legenda em português)
3) A arte dos Encontros, Priya Parker
Quem acompanha o SXSW está habituado a ouvir falar sobre a Priya Parker, a maga dos encontros e especialistas em resolução de conflitos. Parker abriu o festival e foi um dos destaques da edição deste ano, afinal após dois anos de lockdown os encontros pessoais ganharam um novo significado. Por ocasião do SXSW, a autora distribuiu um guia gratuito com os princípios básicos para promover encontros com propósito.
Seu livro “A Arte dos Encontros: Como se reunir e a importância de estar perto dos outros” foi lançado em português no último mês pela Cia. das Letras. Eu, que estou empenhada em estudar sobre comunidades, devorei suas páginas não só porque o tema me interessa, mas porque é uma leitura prazerosa.
Todos nós promovemos encontros o tempo todo, desde um café até um jantar mais elaborado ou mesmo uma festa de aniversário ou casamento. Muitas pessoas têm o dom de serem anfitriãs e fazem esses encontros com maestria, enquanto outros penam no assunto.
Parece simples, mas nem sempre é. Eu mesma tenho penado um pouco para promover uma interação mais genuína numa comunidade que ajudei a criar e a leitura tem me trazido diversos insights, apontado erros básicos e até mesmo fazer a entender que não há encontro sem objetivo.
Parker apresenta um beabá de como reunir pessoas, seja duas ou mil, com sucesso. Ela discorre desde jantares íntimos a reuniões de governo e em como ela tem ajudado a promover encontros mais substanciais. Assim como ela, eu acredito que bons encontros são os transformadores e ensina “Faça uma engenharia reversa do resultado: pense no que você quer que seja transformado devido à reunião e faça o caminho contrário a partir desse resultado.”
Em 2020, ela apresentou o podcast “Together Apart”, no New York Times, em 10 episódios.
4) Filmes “The invisible frame” e “Cycling the frame” com Tilda Swinton
O Mubi está (ou estava) com uma programação especial homenageando a atriz Tilda Swinton. Foi nela que assisti a dois documentários sobre o muro de Berlim. E aviso: “Cycling the Frame”, gravado em 2009, faz mais sentido assistindo “The invisible frame”, produzido onze anos antes (1988) quando o muro ainda separava a Berlim Oriental da Ocidental.
Talvez morar aqui dê um peso maior aos filmes, já que ao longo dos dois vamos reconhecendo os trechos tantas vezes percorridos na cidade. Em ambos, Swinton percorre de bicicleta os 155 quilômetros por onde o muro passava. Enquanto no primeiro, uma jovem Swinton espia o que tinha do outro lado e reflete (de forma profética) em monólogos internos sobre a divisão, no segundo ela discorre sobre a liberdade recitando poesias de W.B. Yeats e Robert Louis Stevenson.
Os dois filmes juntos criam uma paisagem poética através do tempo retratando de maneira convincente as duas épocas. É um belo passeio pela cidade ao mesmo tempo que é assustador assistir como Berlim mudou drasticamente desde então. Em ambos ela começa e termina o passeio no Portão de Brandemburgo, hoje um dos principais ícones da capital alemã.
5) Casa de Aposentados Judson Manor, Cleveland
Apesar de não ser um lugar acessível para qualquer um, a comunidade de aposentados Judson Manor, em Ohio, tem um programa desde 2010 que me comoveu. Judson Manor ocupa um hotel de 1920 totalmente reformado e fica próximo ao Instituto de Música de Cleveland.
Estudos científicos já comprovaram que a música ameniza efeitos de demência e, provavelmente, você já se emocionou assistindo a bailarina Marta Gonzalez, que tinha Alzheimer, lembrar de seus movimentos coreográficos ao ouvir “Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky. Também há pesquisas que mostram enormes benefícios na saúde de idosos quando eles têm mais interações com jovens.
Foi a partir dessas constatações que a comunidade decidiu criar um experimento. Com o objetivo de diminuir o isolamento e a demência de seus moradores, convidaram cinco estudantes de música da faculdade para morar de graça com seus 120 habitantes idosos em troca de recitais, de cursos de arteterapia e de que passassem mais tempo com eles.
O programa, criado em 2010, deu tão certo que persiste até hoje. O mini documentário acima mostra como é o dia-a-dia e, como no fim das contas, os jovens estudantes também se beneficiam bastante dessa parceria.
O mesmo programa foi criado também numa universidade na Holanda em que exige dos estudantes 30 horas de trabalho com os idosos em troca de moradia gratuita.
O foda de ler a Espiral é se perder nos links e nas dicas e passar horas pós Espiral espiralando.
Excelente