Espiral #13: o retorno à mesa do bar
Meu aniversário, Elora Hardy e o bambu, a arte de Samuel Saboia, Spike Lee e um pouco da vida em meio à pandemia
Hoje trago duas playlists maravilhosas para acompanhar essa newsletter para você escolher de acordo com o seu “mood”: a indie Black Future, do Moses Sumney; e a Playlist Aíla para Dançar com muita brasilidade cheia de frescor (perfeita se o que você quer é remexer o quadril).
A minha cabeça está prestes a explodir com tantas coisas novas e com a vida rolando além da janela. Na semana passada os bares reabriram suas portas em Berlim como contei por aqui. A saudade de sentar numa mesa com os amigos só para tomar drinks e jogar conversa fora foi matada com sucesso no dia do meu aniversário. O local escolhido foi o Rhinoçeros, um bar de jazz comandado por um casal francês que trouxe todo o conceito de audiophile bar para trás da minha casa. Pequeno, aconchegante com ótima musica, bons drinks e uma excelente seleção de vinhos, o bar é o que eu chamo de “xuxuzinho”. Por enquanto a regra de distanciamento social limita 6 pessoas a ocuparem uma mesma mesa, mas optei juntar apenas 4. Mesmo com um dia lindo e ensolarado (lembrando que a luz do dia não some antes das 22h), eu troquei a mesa da calçada por uma no salão porque eu estava realmente com saudades desse cantinho. O Rhinoçeros é um dos meus bares favoritos por ter me abrigado tão bem nas noites frias e escuras logo que cheguei em Berlim em janeiro.
“Summer came my way” (se quiser sentir uma onda solar comigo)
Eu não sou uma exímia frequentadora de bar, mas os que oferecem um bom mix de música, drinks & beliscos sempre me ganham (vide o Caracol em São Paulo onde eu batia cartão). Está tão bonito rever as calçadas da cidade com suas mesinhas de bar a postos com a maioria delas ocupadas. A partir de hoje os bares já podem esticar o horário de funcionamento para além das 23h. Com 30 graus ameaçando bater no termômetro a qualquer momento, vai ser difícil achar uma mesa livre para ocupar.
“You're too, you're too precious”
Eu tive contato com o trabalho da designer Elora Hardy pela primeira vez quando visitei a Green School em Bali. Eu não cheguei ao seu nome na época apesar de passar uma tarde inteira na escola acompanhada de um professor brasileiro que leciona lá. A conversa girou sobre o modelo educacional, mas pouco falamos sobre sua arquitetura majestosa.
Elora fez Belas Artes em NY e caiu nas graças da Donna Karan logo que se formou. Sua carreira na moda decolou tão rápido quanto ela desistiu dela. Voltou para Bali de mala e cuia mais perdida do que eu estou aqui em Berlim, pois não tinha ideia do que faria da vida. Sabe o lance “estar no lugar certo na hora certa”? Então, foi o que aconteceu. Já em casa, encontrou o pai e a madrasta iniciando a construção da escola tendo o bambu como material escolhido pelo seu baixo impacto no meio ambiente (o que faz todo sentido com o conceito da Green School). Elora acabou se envolvendo e liderando o projeto arquitetônico. A partir daí criou uma trajetória profissional para aplaudir de pé que você pode assistir na série “Home”, na Apple TV. O episódio é o 3 intitulado Bali e tem “Sharma Springs”, uma obra de arte, como foco.
Outro que me emocionou no fim de semana foi o Spike Lee num episódio da nova série “Dear”, também da Apple TV, que conta a história de vida transformadora de pessoas como Oprah Winfrey, Stevie Wonder, Gloria Steinem, entre outros. Coloca na lista porque vale a pena assistir.
Ainda na linha “me inspira que eu estou precisada”, Samuel de Saboia é um artista plástico recifense de apenas 22 anos que acabou de estrear sua primeira individual na Suíça. Ele bateu um papo delicioso com a genial Igi Ayedun sobre sua trajetória e o fortalecimento de sua identidade como artista, onde discorre sobre suas expectativas sobre o futuro, sobre a Geração Z e afirma que seu “sonho é maior que o medo de passar vergonha”.
Eu já deixei um grande sonho pra trás, mas não foi por vergonha. Quando criança eu sonhava em ser bailarina. Aos 8 anos consegui uma bolsa numa escola de balé, pois minha família não tinha condições de pagar uma para mim. Porém, no segundo mês eu já não a frequentava mais porque o horário não batia com o escolar. O balé ficou na vontade, mas nunca deixei de amar a dança. Assisti dois vídeos de dança que me comoveram um tanto essa semana: O primeiro foi feito em Berlim em meio à sua arquitetura brutalista e o segundo promove um belo encontro da moda com a dança. Eles me fizeram bailar aqui na sala de casa.
Ontem tomei um café virtual com a Priscila Gama para conversar sobre seu projeto Bekoo das Pretas, que ela encabeça em Vitória. Que energia maravilhosa essa mulher tem! Para conhecê-la, eu recomendo seu ótimo texto “A fome é de se ver no futuro”, porque para a Priscila a “lógica de riqueza para o povo preto periférico é outra, e a fome é de futuro. O negócio é que o futuro que se espera não nos contempla. E já dizia a cantora americana Janet Jackson: ‘O futuro precisa virar presente, pois já estamos aqui agora, olhe ao redor’.” Então, você sabe como é a luta de jovens negros por uma vida sem medo? Mesmo achando que sabe, clica neste link pra saber melhor.
Depois do café eu visitei a casa da Caryn Ganz, editora de música pop do The New York Times, onde ela guarda um pedaço de bolo congelado do aniversário da Britney Spears de 2008! Aí corta, para: O MIT Technology Review publicou um artigo sobre como o Google Docs está se tornando a social media da resistência. Provavelmente foi algo que o Google nunca imaginou (e nem a gente): ter seu Docs abrigando desde bolo congelado ao ativismo.
Quem me acompanha há algum tempo sabe da minha obsessão pela série “The Midnight Gospel”, do Netflix. Eu assisti em conta-gotas porque eu não queria que acabasse. No último episódio eu chorei litros, não sei se porque era o último ou porque a história realmente me tocou. Aí que li esse texto maravilhoso de como essa animação nos ajuda a atravessar a pandemia e entendi ainda mais o efeito que a série tem sobre mim.
Quando a quarentena baixou aqui em Berlim eu comecei a cozinhar mais em casa, mas muitas vezes recorri ao delivery. Isso desencadeou uma discussão se era correto ou não utilizar o serviço de entrega durante a pandemia. Na minha auto-análise eu listei prós e contras. Levei em consideração os restaurantes lutando para sobreviver e os entregadores dependendo financeiramente deste trabalho. Optei por usar moderadamente, mas sempre pagando 10% de gorjeta para o entregador. Essa discussão tem sido bastante debatida, especialmente porque sabemos que a maioria dos serviços de aplicativos não trabalham de maneira justa. Parceria ali praticamente não tem. Mas afinal, existe uma forma ética de pedir comida na pandemia? Essa é a pergunta que essa matéria tenta responder.
A Milly Lacombe escreveu sobre amor refletindo sobre o que é liberdade individual. Afinal, ela existe? Para ela “não existe liberdade individual assim como não existe gravidez coletiva ou dor de estômago no pescoço. Algumas coisas simplesmente não existem. Liberdade ou alcança a todos ou jamais será.” E você, o que acha?
Uma lindeza só essa performance “Nósoutros” feita pelo Bob Wolfenson e suas filhas Helena e Isabel. O “Nósoutros” é uma projeção de imagens em larga escala que foi feita na fachada de um prédio, na Av. São João com a Duque de Caxias. O resultado você pode conferir nesse vídeo cheio de poesia que me trouxe uma saudade dolorida de São Paulo, cidade que sinto falta. A Maria Ribeiro fala também sobre o projeto numa deliciosa declaração à São Paulo.
Se a gente acha difícil ficar trancado dentro de casa dias a fio, imagina ficar trancado num aeroporto? O DJ Almad ficou 17 dias num lockdown no aeroporto de Frankfurt, pois não tinham voos disponíveis para voltar pra sua casa na Grécia e ele não podia entrar na Alemanha. Apesar do drama, a história é tão genial que ela foi parar na mídia o que o salvou de não ficar mais tempo por lá. Ainda acredito que de quebra a situação deu boa visibilidade para a sua carreira.
Para quem está com tempo livre aí, como eu aqui, eu recomendo duas revistas para ler neste feriado: a espanhola Metal que em sua última edição discute o que é real. A abertura é com um editorial lindíssimo estrelado pela Tin Gao, modelo chinesa que desafia totalmente as normas de beleza estabelecidas pela moda, seguida de uma ótima entrevista com a produtora venezuelana ARCA; e a revista ensolarada do The Summer Hunter que foi totalmente produzida durante o isolamento e traz minha participação dando palpites sobre “Como será o amanhã” (spoiler: algumas coisas já estão sendo). Baixa lá!
Falando em real, o André Carvalhal tem promovido algumas das melhores conversas dessa quarentena. Entre tanto papo bom, esse que ele teve com o Felipe Teobaldo sobre “O que é vida real” está sensacional.
“Dancin' and singin' and movin' to the groovin'
And just when it hit me somebody turned around and shouted
Play that funky music white boy
Play that funky music right
Play that funky music white boy” - Wild Cherry
A Rolling Stone destrincha nesta matéria como a indústria da música foi construída em cima do racismo. O termo R&B, por exemplo, foi criado no fim dos anos 40 para substituir o termo “Race Music”, que se referia às produções de artistas negros. Os charts da música americana sempre foram segregados. Os músicos brancos desde sempre dominam o rock, country e pop, e os músicos negros dominam as paradas de R&B e do hip-hop. Já evoluiu um pouco (bem pouco) desde então, mas os artistas brancos acabam ainda dominando praticamente todos os charts incluindo de artistas emergentes que traz uma mistura de todos os estilos. Enquanto isso, os artistas negros ficam, na sua grande maioria, apenas no R&B e Hip-Hop (um chart só). A discussão tem que continuar.
Ainda assim a música é tão mágica e poderosa que é capaz de criar uma sincronia entre o cérebro do artista e o da plateia. Quanto mais gostamos da música, mais semelhante é a atividade cerebral do artista com a das pessoas à nossa volta. Ou seja, dançamos e sentimos as mesmas emoções em conjunto. <3
“This is the end
Beautiful friend
This is the end”
As rapidinhas pra fechar:
Não é só o papa que é pop, o Dalai Lama é também.
Para quem mergulhou na luta antirracista, está rolando um excelente grupo no WhatsApp: O Diário Antirracista com o Samuel Emílio. Todos os dias ele envia um vídeo uma nova lição. Para quem perdeu as primeiras, elas ficam todas no Youtube. Para participar é só enviar mensagem no +55 11 99567-0805.
A Djamila Ribeiro fez um vídeo ótimo sobre as origens do racismo. Tem menos de 17 minutos
e é uma baita lição. Pá pum!
O Jorge Wakabara é jornalista de moda e tem um repertório incrível de cultura pop. A newsletter dele é um caldeirão de assuntos interessantes sobre música, moda, filmes, livros, viagens e divagações.
Estamos vivendo ou apenas fazendo lives? Uma boa reflexão da Lidia Zuin sobre influenciadores e lives.
Quer sobrevoar a beleza do Aiguille du Midi em Chamonix com o The Blaze? Prepare o fôlego, os olhos e os ouvidos!
Tchau e bom feriado para quem está no Brasil. :)
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