Espiral #25: Depressão pós-verão
Roísin Murphy, Claudia Assef, Monique Dardenne, Cindy Sherman, Lisa Taddeo, Listening Parties, comida e inovação
Escolhi como trilha o Roísin Machine, álbum da nossa Disco Queen Roísin Murpy, que acabou de sair do forno. Para refrescar o calor de 40 graus que está rolando no Brasil, sugiro um play nesse vídeo maravilhoso de Something More, que a Roísin Murphy fez numa casa dos sonhos em Ibiza.
O verão chega ao fim
Eu ando no momento envolta em dramas dignos de roteiro das novelas do Aguinaldo Silva. Mas além dos dramas pessoais, tem também o verão indo embora a galopes por aqui.
De repente, eu me vi indo para a cama antes das 10 horas da noite sem entender o que estava acontecendo comigo. Estaria eu ficando doente? A preguiça me venceu? Depressão? Só uma conversa sincera com uma amiga, que já está aqui há alguns anos, para me lembrar que agora o dia acaba antes das 19h e não mais às 22h como há poucas semanas. Daqui a pouco acabará às 14h.
Enquanto eu listava para ela meus dissabores atuais e dava como veredito uma possível depressão me solapando, ela sorria pacientemente e dizia: “Lalai, é só o verão indo embora. Você vai se acostumar”. Escureceu? Pah! Meu cérebro entende que é hora de dormir e eu obedeço. Durmo 12 horas por noite! É bom, mas é ruim.
Dei-me conta de que eu estou exausta neste pós-verão. Ele foi intenso e eu quis viver cada segundo dele. Ele, que chegou junto com a liberdade pós-quarentena, trouxe o receio de me ver presa novamente, especialmente agora que estamos com “sinal vermelho” na crise Corona em Berlim. Vamos abraçando qualquer oportunidade que aparece para estar na rua e ela tem estado lá todos os dias.
Como já citei aqui, eu me apaixonei por essa cultura de lagos que toma conta dos dias quentes em Berlim (e na Alemanha). Querer estar próxima à natureza e da água virou necessidade. Se não dá para ir pro lago, tem o Rio Spree e vários canais espalhados pela cidade.
Depois de um dia de trabalho, muitas vezes enfiada dentro de casa, eu quero uma pizza e um vinho, sentar à beira do canal para sentir essa vibração contagiante que só o verão tem. Botes, barcos, pranchas de stand up paddle e caiaques vêm e vão num zig zag constante deixando para trás rastros brilhantes refletidos pelo sol. O gramado, as muretas, as calçadas e até as ruas são tomadas por pessoas falando alto, rindo, ouvindo música, enquanto o sol nos aquece nesses dias sem fim. É uma energia tão louca que sentimos algo nos conectando com todo mundo que está à nossa volta. E tem mesmo, é o verão.
E então esse astro solar começa a ir embora cada vez mais cedo. Os dias frios chegam. Chove sem parar. Rola ventania. Manhãs cinzas que insistem para que a gente não saia da cama. Um dia bom, um dia ruim, outro dia ruim, e ainda nada perto do dias dramáticos que a gente sabe que vai chegar. A ansiedade bate forte porque de repente nós nos damos conta de que não aprendemos a lidar com essa mudança de estação tão marcada e esperada. Nada novo pra ninguém. A emoção fica tão à flor da pele que, de repente, tudo fica estilhaçado dentro de mim.
Domingo completa um ano que eu vim pra cá com seis malas cheias de sonhos. As fronteiras que nos barram no mundo físico não permitiram que eu conhecesse esse lado obscuro do inverno quando o dia vira noite. Sem o visto em mãos, eu tive que voltar pro Brasil e ficar por lá 2 meses até a Alemanha abrir as portas pra mim novamente. A gente brinca aqui em casa que foi uma desculpa para fugir dos dias curtos e gelados, mas não foi uma escolha. Foi uma obrigação. Não nego que foi maravilhoso escapar para dias ensolarados com a temperatura beirando os 40 graus, regados a vinho rosé e praia ao lado dos meus amigos e da família num clima festeiro de despedida.
Ah, mas como esperei pelo dia da partida. Como sonhei que um dia atravessaria o oceano para uma vida nova e diferente, onde eu conheceria novas pessoas, viveria outra cultura e seria quem eu quisesse ser. A gente sempre acha que quando mudamos de país a gente pode zerar quem somos trazendo à tona outros seres que nos habitam. Ah, que doce ilusão! Junto vem toda essa gente que tem dentro de nós, inclusive a que a gente já não queria mais ser. A cada dia eu acho uma nova pessoa em mim. Agora é essa que ama tomar sol pelada, a que não liga para os fios brancos dos cabelos e pede para o marido cortá-los do jeito que dá. Ela só usa base no rosto em ocasião especial, adora pedalar e andar sem destino. Às 19h ela fecha o computador para abri-lo só no dia seguinte e não sente falta dele. Ela está com o “verão instalado no coração”. <3
***Aproveito para avisar que estarei no Brasil entre 9 de dezembro e 17 de janeiro. Caso alguém queira passar um mês em Berlim em pleno inverno, alugaremos nosso apartamento por um mês para amigos e amigos de amigos. Inclusive queria esse capacete-máscara para a viagem se ele não fosse tão caro.
As amigas geniais que trazem luz para os meus dias mais escuros: Claudia Assef & Monique Dardenne
Quem trabalha com música no Brasil conhece a dupla Claudia Assef e a Monique Dardenne. Eu conheci as duas através da música. A Clau, como a chamamos carinhosamente, eu conheço de longa data e acompanho sua carreira há mais de uma década. Já a Monique eu conheci numa carona de BH para Inhotim quando fomos juntas para o festival MECA.
O que ambas têm em comum? O Women’s Music Event, projeto criado para discutir e colocar um holofote na mulher na indústria da música. O WME nasceu focado no protagonismo feminino promovendo a inclusão de mulheres nessa indústria liderada majoritariamente por homens. Depois veio WME Awards, que tem também outra mulher-maravilha por trás, a Fatima Pissarra. O meu queixo caiu quando em 2019 eu me deparei com um evento 10x maior que o anterior mostrando que ainda tem muito a crescer. Elas têm o cuidado de homenagear também artistas mulheres que já faleceram e não tiveram a chance de verem seus trabalhos reconhecidos. No fim das contas o evento é uma grande aula da música brasileira, um encontro precioso e necessário.
Além disso, a Clau é também minha sócia na Marfa, uma garagem criativa que criamos para projetos de música & cultura. Juntas fizemos duas edições do Dia da Música Eletrônica de SP, sendo a última com palco no SP na Rua, onde reunimos alguns dos maiores nomes da música eletrônica brasileira e um público de quase 15 mil pessoas em cada edição. A Clau é a pessoa mais multitarefa que conheço. Ela é responsável pela programação do Centro Cultural Olido (SP), criadora do site Music Non Stop, mãe de duas meninas maravilhosas, a Luna e a Maya, DJ e produtora musical, autora dos livros Todo DJ Já Sambou, Ondas Tropicais (biografia da DJ falecida Sonia Abreu) e O Barulho da Lua - A História do DJ Anderson Noise. Está sempre botando pra quebrar e tem uma criatividade infinita que me deixa sem fôlego quando trabalhamos juntas.
A Monique Dardenne, é advogada por formação, curadora musical do Centro Cultural São Paulo, gestora de carreiras e projetos na sua agência MD/Agency e mãe da Malu. A Monique é um trator. Ela fez e aconteceu durante essa longa quarentena que rolou em São Paulo promovendo várias lives para discutir a indústria da música, carreiras e promover artistas brasileiras. Foi ela quem levou o Boiler Room para o Brasil em 2014, já foi booker, gerente do selo Skol Music, e uma das fundadoras da Modular, agência que levou artistas como Snoop Dogg e e Pitbull para o país.
Somando-se a tudo isso, tanto a Clau quanto a Monique são duas bíblias ambulantes da música brasileira e do mundo, generosas, divertidas e as melhores companhias para festivais de música e bons drinks.
Obs: mesmo diante da pandemia, elas colocaram o WME 2020 em pé numa edição online que contou com mais de 700 pagantes e milhares de pessoas assistindo a toda a programação.
A música como meu sol enquanto ele não volta
Um hábito que readquiri esse ano foi ouvir um álbum na íntegra e não fui a única. O Tim Burgess, do Charlatans, criou um projeto no Twitter no início da pandemia, o “Tim Twitter Listening Party”, uma audição feita em conjunto comentada em tempo real pelo artista. Já foram ouvidos 500 álbuns e tem agenda prevista até 2021 quando acontece a audição do “Trompe Le Monde”, do Pixies, que fará 30 anos desde seu lançamento. A Roísin Murphy é uma das convidadas do programa . No próximo dia 8 de outubro ela comentará seu novo álbum por lá (22h Berlim / 17h São Paulo). 😍
Vamos concordar que a Roísin Murphy é “musa de 2020”. Quem a acompanha nas redes sociais se divertiu bastante com suas lives improvisadas e agora está assim, como eu, ouvindo o novo disco no repeat enquanto rodopia pela sala de casa. Roísin está em todos os lugares, inclusive nesse ótimo bate-papo feito pelo Resident Advisor e nessa entrevista do The Quietus. Já sabemos que ela será uma das grandes estrelas dos festivais de música quando eles retornarem.
Já o meu muso Nick Cave e o roteirista Warren Ellis vão hospedar uma “listening party” da trilha sonora do filme “Dos Homens Sem Lei” (2012), no canal Bad Seed Teevee, no dia 9 de outubro. A audição também será comentada e discutida via chat em tempo real.
Eu dou o prêmio 2020 para a plataforma de música Bandcamp que tá dando um olé no Spotify desde que lançou o Bandcamp Friday, onde toda a receita recebida é direcionada 100% para os artistas. Hoje é dia! Aqui tem uma lista de artistas negros, uma artistas mulheres negras e outra com artistas negros trans ou não-binário para ajudar. O RA fez uma lista de artistas bem bacana para conhecer na plataforma. A newsletter Kill Yr Idols liberou o acesso da última edição com uma lista fantástica de artistas que também merecem um play.
Na semana passada aconteceu o esperado desfile da Prada com a estreia do Raf Simons como cocriador da marca. Eu, que não sou do universo da moda, me deleitei mesmo com a trilha sonora maravilhosa criada para o desfile pelo Richie Hawtin com seu projeto Plastikman. O Eduardo Viveiros escreveu um excelente texto sobre o desfile com bons insights sobre o momento em que estamos vivendo: Aprendendo a ajustar as expectativas. Serve pra tudo!
Está rolando a edição online do Unsound, festival experimental polonês que está há anos na minha “wish list”. Tem muito debate interessante na agenda, desde “a natureza como cura em tempos de Covid” e “Belarus, cultura e ativismo” ao “futuro dos festivais” e live do festival Nyege Nyege. O Nicolas Jaar é co-curador da performance de abertura Weavings e reuniu vários artistas e instrumentistas de vários lugares do mundo (incluindo ele próprio) para tocarem na estreia. O acesso é gratuito, mas doações são bem-vindas.
A Larissa Marques, da newsletter Vibra, achou essa playlist maravilhosa com oito mulheres que inventaram a música americana popular. São elas as responsáveis pelas músicas que amamos hoje em dia existirem. Junto, a Larissa compartilhou uma lista com 150 álbuns feitos por mulheres. Trilha sonora do inverno garantida por aqui.
Carl Craig conta que no início do ano 2000 tocou no Panorama Bar e teve sua experiência de club totalmente alterada neste dia. A festa chegou ao clímax no amanhecer quando a luz do sol atravessou as janelas e cortou a escuridão esfumaçada que tomava conta do lugar. Essa noite é o ponto de partida da sua primeira exposição “Party/Afterparty”, uma instalação sonora que pode ser conferida no Dia:Beacon (alô amigos que estão em NY?).
O François K, que andou sumido do meu radar, está publicando todos os sets que fez nos últimos tempos. Chamo a atenção para esse tributo que ele fez para o saudoso Tony Allen que está uma belezura sonora sem fim.
Enquanto a gente não pode pisar numa pistinha, os clubes virtuais continuam surgindo. Um deles é o Techno Club, que promoverá sua segunda festa neste fim de semana. Uma das djs que tocam é Stacey “Hotwaxx” Hale, a avó do house, que toca no sábado por lá. Para assistir, é necessário comprar um pacote de minutos. Com 5 euros é possível ter acesso a 5 horas de programação, por exemplo.
Mas não é só de música que a gente vive (só não vive sem ela)
Uma seleção com rapidinhas de assuntos que valem o clique:
A Laëtitia Vitaud escreve sobre o futuro do trabalho numa newsletter semanal. Num de seus textos ela discorre sobre o livro “The Uncertainty Mindset: Innovation Insights from the Frontiers of Food”, do Vaughan Tan, em que o autor buscou na alta cozinha insights para lidar com a era da incerteza nesse novo momento do trabalho. Para Tan, incerteza é diferente de risco, pois enquanto em um é possível planejar, no outro é impossível. Super recomendo a leitura (aliás, foi nela que descobri que o filme Ratatouille foi inspirado no “Cozinha Confidencial”, do Anthony Bourdain).
Não lembro se já compartilhei, mas na dúvida aqui vai a dica do Imagineering in a Box, curso promovido pela Disney em parceria com a Khan Academy, que mostra todo o processo criativo por trás da criação dos parques. O foco está em estudantes de 11 a 18 anos e professores especializados em artes, humanidades, ciências e matemática, mas vale para todo mundo e tem versão em português.
Enquanto a mulherada afirmar estar envelhecendo aos 30, tem gênio redescobrindo a infância aos 100 anos de idade. Eu me inspiro com o segundo.
Eu vi há alguns anos uma exposição com fotos de uma Paris na China. O Jardim de Versalhes, a Torre Eiffel, o Jardim de Luxemburgo entre outros lugares estam lá. A cidade é Tianducheng, também conhecida como Sky City, que ficou pronta em 2007 e é uma réplica perfeita da capital francesa. É surreal o esmero na construção para ficar à altura da original.
O Bob Dylan, além de ter lançado o excelente Rough and Rowdy Ways esse ano, ressuscitou seu programa Theme Time Radio Hour para falar sobre uísque. Tudo que você imagina do Dylan é ele nesse programa.
Na Espiral #14 eu contei sobre o artista Lee Migwei, que eu conheci na sua exposição no Gropius Bau, em Berlim. Foi com certeza uma das coisas mais bonitas que vi nos últimos tempos. Recentemente o Migwei e o Bill T. Jones fizeram a performance “Our Labyrinth” ao vivo direto do MET com duração de quase 5 horas.
Um mini doc para conhecer um pouco a cena de música eletrônica de Barcelona e torcer mais do que nunca para essa pandemia acabar. Afinal estamos ansiosos para voltar a curtir uma das cidades mais solares e divertidas da Europa.
O site Calvert Journal é um dos mais completos em inglês para quem se interessa pela cultura do leste europeu. Eles estão lançando agora um festival de filmes produzidos nesse canto da Europa.
Se Paris está na sua rota, anota aí: a Cindy Sherman ganhou uma retrospectiva na Fundação Louis Vuitton que vai até janeiro de 2021.
Está querendo sumir do mapa sem deixar rastros? Já tem empresas vendendo o serviço.
O Papel Pop lançou um novo podcast, o Além do Meme, apresentado pelo jornalista e escritor Chico Felitti. O primeiro episódio é sobre o a Beth, do trote, incluindo uma entrevista inédita com ela.
Um estudo com 1.200 genomas mapeou a diversidade da população brasileira. Dá uma conferida para ver se há alguma novidade nele. Nessa thread do Twitter está rolando uma discussão fervorosa sobre o assunto.
O aeroporto de Tegel encerrará suas atividades no dia 8 de novembro e abriu visitas em seu deck de observação até lá. É só escolher o dia e o horário, agendar e ir. E o antigo Tempelhof está abrigando a exposição Living the City, uma ótima oportunidade para conhecer a área interna do aeroporto.
Está rolando até dia 31 de outubro o European Month of Photography com trabalhos de 500 artistas ocupando 100 espaços em Berlim. A cidade está bombando!
Eu recomendo o livro “Três Mulheres”, de Lisa Taddeo, que conta de forma envolvente a história real de três mulheres sobre desejo, relações afetivas, sexo e mostra como pequenos detalhes do nosso cotidiano podem moldar quem somos.
Um texto sensível escrito a partir do encontro entre o Kalaf Epalanga e o Chadwick Boseman, na Lux, famoso club em Lisboa.
Divertidíssima essa campanha nova da Gucci com o Iggy Pop, A$ap Rocky e o Tyler, the Creator.
Eu poderia estar nessa lista aí “Sem Acompanhante”, sobre mulheres que viajam sozinhas, apesar de sequer viajar mais.
Encerro com uma viagem pelo Monte Olimpo, na Grécia, com a Nina Kraviz.
Tchau! :)
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