Espiral #28: Você está bebendo muito?
O tempo, a pandemia, o álcool, Hélène Vogelsinger, Elle Fullman, Brian Enno, games & música, eleições Brasil
Depois de uma semana tomados por uma ansiedade insana por conta das eleições nos Estados Unidos, a trilha sonora não poderia ser outra: “some kind of peace”, o novo álbum de Ólafur Arnalds, que está mais pop que seus trabalhos anteriores, mas é um alento para a alma nesse momento.
Obs: O atraso da newsletter rolou porque o teclado do meu notebook deixou de funcionar.
Estamos bebendo mais do que deveríamos?
Quando viajar e cobrir novidades no Brasil virou minha profissão, o álcool passou a ser frequente no meu dia-a-dia. Em plena segunda-feira eu poderia estar num almoço com degustação harmonizado com ótimos vinhos, visitando uma fábrica de cervejas ou num evento de lançamento qualquer regado a bons drinks. A minha agenda era implacável. Eu tinha eventos praticamente todos os dias. Quando não tinha nada, eu estava em almoços, jantares ou em bares com os amigos. Sempre com a taça de vinho na mão.
Nas viagens não era diferente, afinal eu sempre tinha a desculpa de que estava viajando. O problema é que passei os últimos 4 anos entre a estrada e os eventos. Em 2019 quando decidi me mudar pra Berlim, eu freei a agenda para dar conta da mudança. Fiquei dias seguidos sem tomar álcool o que facilitou bastante a rotina. Mas depois da correria que envolve uma mudança, achei merecido seguir com meus planos de passar 40 dias curtindo o verão europeu antes de aterrissar na Alemanha. Foram 40 dias me divertindo sempre com uma taça na mão. Bebi todos os dias, mesmo com o álcool custando o olho da cara na Finlândia.
Retornei ao Brasil e antes de embarcar pra Berlim, eu visitei o Rituaali, um spa em Penedo que promete nos ensinar a viver melhor. Foram sete dias numa dieta vegana sem álcool, sem cafeína, sem açúcar e sem manteiga. No prato apenas comida vindo direto da terra. Voltei pra casa mais leve, revigorada, com o sorriso de orelha a orelha determinada a viver de maneira equilibrada de tão bem que eu me sentia. Eu estava pronta pra mudar de país.
Fiquei algumas semanas praticamente sem beber até voltar pra Europa com mala e cuia para começar essa nova fase da vida.
Por sorte eu sou casada com uma pessoa bem equilibrada em todos os sentidos, incluindo no quesito álcool. Isso me colocou um pouco nos trilhos, mas ainda assim não demorou para eu voltar a beber tanto quanto em São Paulo. O frio e a ansiedade eram a desculpa perfeita para se render a pelo menos uma taça de vinho diária sem culpa.
Aí veio a quarentena permitindo a todos beber como se não houvesse amanhã, afinal estamos passando por tempos difíceis. Passamos a ter que lidar com a ansiedade, o estresse, a falta de perspectivas de futuro, a falta de grana, o medo da morte, o distanciamento social e uma lista imensa de coisas que nunca sentimos antes. Eu e boa parte da população mundial pegou sua bebida favorita em março para não largar mais. Haja álcool para tanto Zoom que rolou nesses últimos meses. Os dias passaram a ser divididos em hora do café e hora do álcool.
Pesquisando o aumento de consumo de álcool no Brasil, me surpreendi com os números. A Ambev teve um aumento de 25,4% de vendas de cerveja no último trimestre; a venda de vinhos cresceu 86,4% entre abril e junho e rolou um aumento de 72% no consumo pessoal de vinho no país.
Eu, que costumo dormir bem, passei a dormir mal, acordava no meio da noite que era mais ocasionado pelo excesso de álcool do que pela ansiedade. Se eu não bebia, a noite rolava bem. Meu corpo passou a reclamar. Meu estômago ficou sensível e barulhento. Então eu decidi fazer aquele balanço atrasado pra assumir que sim, ando bebendo além da conta há algum tempo. Mas como parar?
Peguei carona no projeto “mês triste” que uma amiga faz para seu detox anual. Escolhi novembro, ou seja, ainda é cedo pra dizer, mas já há uma diferença boa em tudo: disposição, sono, ansiedade, foco e felizmente foram raras as vezes em que eu fiquei com vontade de tomar um vinhozinho. Como a vida social aqui está suspensa com restaurantes e bares fechados, está sendo mais fácil. A minha surpresa foi o alívio emocional que tenho sentindo por ter decidido dar um tempo no álcool depois de passar quase 8 meses bebendo praticamente todos os dias, além de ter passado boa parte dos 5 últimos anos com uma taça na mão mais tempo do que deveria. Mas como disse uma amiga que não bebe há 3 anos: um dia de cada vez.
Sabe a ressaca do futuro que tanto falam tanto? É, aqui ela já chegou.
A gente não discute muito esse assunto. Eu mesma sempre passei o pano pro meu impulso de beber tanto, mas há tempo sei que o álcool, mesmo não atrapalhando o meu dia-a-dia, se tornou meu inimigo. Senti que meu corpo estava gritando por esse momento de calmaria e demorei pra obedecê-lo.
Não sei como as coisas estão aí com você, mas se estiver no mesmo barco que eu e quiser trocar uma ideia, me escreve! O assunto é tão tabu que raramente alguém nos chama de lado e diz “ei, acho que você anda bebendo demais”. Mas bora colocar o tema na roda para normalizar essa discussão. Não precisamos ser alcoólatras para falar sobre isso, pois se não falarmos, poderemos nos transformar em um(a).
Quanto tempo o tempo tem
Música especial para acompanhar esse bloco: “Time”, do Pink Floyd.
A Revista Gama publicou um especial sobre o tempo para responder porque ele anda tão escasso.“Pode parecer até um certo lugar comum dizer que somos muito mais ocupados hoje do que no passado, mas, de acordo com a psicóloga e escritora Claudia Hammond, essa afirmação não é necessariamente verdadeira. Segundo ela, as pesquisas feitas na década de 1950 sobre o uso do tempo não tinham resultados muito diferentes de estudos recentes a respeito do tema, feitos antes da pandemia.”
A pandemia alterou nossa percepção do tempo a partir do momento em que a vida pessoal, social e profissional se juntaram no mesmo espaço: a nossa casa. Você já se perguntou o que perdeu e/ou ganhou quando deixou de usar parte do seu dia com deslocamento para ir e voltar do trabalho, a pausa para o cafezinho ou cigarro e a saída pro almoço? Pois faça… talvez você se surpreenda ao ver o quanto perdemos com a falta dessas trocas.
Não há como falar sobre esse assunto sem mencionar o Gustavo Nogueira, meu sábio amigo viajante do tempo, que passa a vida estudando o tema. Ele fez uma palestra no TEDxRio dando dicas de como podemos lidar melhor com o tempo, esse faceiro. Na abertura ele já provoca citando Carlo Rovelli (de A ordem do tempo): “Para sair do buraco negro, você precisa se mover para o presente e não para o futuro”. E aí, você está vivendo para o futuro ou no presente? Quanto tempo o tempo tem é também a pergunta desse documentário na Netflix que reúne vários especialistas pelo mundo que dedicam a vida estudando o assunto.
O tempo e o bem-estar
A genial Lidia Zuin escreveu um dos melhores artigos que li sobre a indústria wellness. Em a positividade tóxica dos coaches de bem estar, ela usa o livro “A Sociedade do Cansaço”, de Byung-Chul Han, como fio condutor para questionar se essa cultura da positividade não faz a gente dizer sim pra tudo. Voltamos às nossas cobranças de sermos cada vez mais produtivos “explorando a si mesmo até se esgotar (burnout)….. Se éramos proibidos a algo, hoje somos incentivados: é sempre possível conquistar uma versão melhor de si mesmo, o que significa, portanto, que nunca ninguém será bom o suficiente, afinal, não podemos parar nunca.” Para ir mais a fundo no assunto, recomendo a série Indústria da Cura.
E onde fica a nossa diversão nessa vida super produtiva e nesse mundo em que precisamos ser cada vez mais perfeitos? Esse longo texto da Vox procurar responder o que é diversão hoje em dia, pois em tempos de pandemia “tudo o que você costumava recorrer porque era divertido ou não está mais disponível ou está de um jeito tão diferente que você ainda não se acostumou a ele. E se você está se divertindo, quanto tempo leva para que a culpa apareça?”.
Eu deixei de tentar ser eficiente e produtiva o tempo todo. Estou aprendendo a dizer não (lembram do livro “Essencialismo” que eu falei aqui?) e aos poucos abro mão de atividades que não me acrescentam nada, nem mesmo prazer. Agora eu tenho tempo livre e estou aprendendo a saber o que fazer com ele. Tenho pedalado por horas, lido bastante ou feito minhas audições de álbuns na íntegra sem qualquer distração.
2020 tem sido para mim um ano cíclico ao invés de linear. Às vezes mal me lembro em que mês estamos. Meu dia tem girado mais em torno da luz do dia do que pelo relógio, pelo menos enquanto é possível, mas em breve não será mais. Aos poucos vou me cobrando menos. Você sabe o que faria se trabalhasse apenas quatro horas por dia?
Música para inspirar e relaxar
Contemplation, de Hélène Vogelsinger, vai ser o álbum mais bonito que você vai ouvir hoje
Uma das coisas mais bonitas que vi nos últimos tempos foi “Reminiscence”, uma apresentação da compositora francesa Hélène Vogelsinger com seus sintetizadores modulares no meio de um castelo abandonado. Hélène explora lugares abandonados para criar sua música. Para ela, a energia e as histórias vividas por pessoas que passaram nesses espaços a ajudam a criar momentos imersivos cheios de poesia e melancolia. Eu me emocionei. Por aqui ela conseguiu me suspender no tempo.
Outra apresentação belíssima é da Ellen Fullman com um instrumento de corda único, que tem quase 16 metros de extensão, construído por ela no início dos anos 1980. Seu trabalho reside nos campos da arte sonora e da música. Esse longo instrumento permite Ellen combinar a sua arte com atividades cotidianas como caminhar, transformando suas apresentações numa performance única.
As mulheres estão no pioneirismo da música eletrônica e aos poucos elas vão ganhando seus devidos créditos. O festival Sheffield Doc/Fest está exibindo essa semana alguns filmes que contam esse lado da história. Underplayed é outro documentário sobre a mulher na dance music e mostra o sexismo que ainda existe nessa indústria.
Esses dois filmes me remeteram ao Top100 DJs da DJ Mag, que recentemente apresentou a sua lista dos 100 maiores DJs do mundo. Li bastante por aí que a lista está incrível, mas sabe quantas mulheres temos nela? Apenas 11. Num dos artigos que vi, eu li o autor se mostrando surpreso e feliz com a quantidade de mulheres na lista e enumera 10 e “muitas outras”. Então, são apenas 11.
O Brian Eno deu uma entrevista ao NYTimes sobre sua nova compilação “Brian Eno - Film Music, 1976-2020”. Nela, ele discute sobre a música ambiente como funcional e se o que faz é criar experiências musicais. Também discorre como começou a produzir música ambiente, sobre seu processo de criação de trilhas para filmes e, por fim, afirma que a pandemia o deixou dois meses sem produzir nada fazendo-o pensar se seria a hora de se aposentar ou fazer outras coisas: “É muito boa a ideia de que você acabou de fazer algo ao invés de esgotá-la, que é o que normalmente acontece. Você apenas toma uma decisão e diz: É isso, agora vou trabalhar em outras coisas”. Ele anda cogitando escrever um livro.
Para entender melhor o surgimento e a história da música ambiente, eu recomendo o episódio “O que é música ambiente, proposta de Brian Eno”, no podcast Escuta, do Nexo Jornal.
Ainda no tema música ambiente, o compositor Auntie Flor criou a estação de rádio Ambient Flo com transmissão 24 horas por dia e com foco em três pontos: música, saúde e economia justa. A cada mês um novo curador é convidado. O primeiro foi o JD Twitch (Optimo), mas Shanti Celeste e Nicola Cruz estão na lista de próximos convidados. Uma das coisas que achei genial é que sempre tem uma música tocando e um outro player com sons da natureza, como pássaros. É possível remixá-las.
Eu, como fã do estilo, baixei o app Endel (obrigada Gabriel pela dica) que traz trilhas sonoras para os mais diversos momentos do dia e é perfeito para meditar.
A jornalista genial Cherie Hu estreou a coluna State of Play, sobre games & música. Em seu primeiro artigo, ela explora um ponto de vista bem interessante: o jogador também como performer dentro de um show, pois ele também atua enquanto joga. Como exemplo, ela menciona o Ninja, que sozinho teve 12 milhões de visualizações em seu vídeo de reação ao show do Travis Scott, no Fortnite, oferecendo ao público a sua visão do show feita a partir de seus movimentos.
Um estudo na Alemanha mostra que o risco de ser infectado pelo coronavírus em concertos em lugares fechados é baixo. E a Alemanha reconhece oficialmente clubs e eventos de techno e house como concertos, o que diminui consideravelmente o imposto recolhido em cima do valor do ingresso de 19% para 7%.
Já ouviu falar em deepfake music? O Guardian fez uma matéria ótima e bem humorada sobre música produzida por inteligência artificial. Como exemplo traz Frank Sinatra cantando uma canção natalian que desavisados dirão que é ele mesmo.
O Massive Attack lançou recentemente um curta sobre o impacto da indústria da música no meio ambiente e como fazer para diminuir a emissão de carbono.
As rapidinhas antes de ir…
Dia 15 de novembro tem eleição no Brasil. Você já sabe em quem votar? A plataforma Vote nas Pretas reúne candidatas de todas as cidades brasileiras para dar mais visibilidade à candidatura de mulheres negras e aumentar sua participação nos cargos de poder. Para quem está em São Paulo, o Fabio Allves fez uma lista de candidates LGBTQIA+ para ajudar na sua escolha.
Hans Ulrich Obrist fala nesta entrevista sobre os seis caminhos que a tecnologia está impactando no mundo das artes. Avatares é um deles.
Como oito escritores de ficção científica previram nos anos 1970 como seria 2020.
Mencionei na última e newsletter a saída da Gucci na frente para conquistar a geração Z. Sua última investida foi a criação do “Gucci Absolute Begginers” para apresentar o relançamento de sua bolsa clássica Jackie 1961. Foram convidados nove talentos criativos para dirigirem um filme pela primeira vez. O resultado são nove filmes lindos dirigidos por nomes como Arlo Parks, Emma Corrin, Jodie Turner-Smith, entre outros.
O Alexandre Bobeda, que tem a ótima newsletter MONDO focada em design, indicou esse gráfico para você saber se está com síndrome de impostor(a).
Está abusando dos filtros do Instagram na hora de publicar uma foto sua? Ou sequer cogita fazer um vídeo sem usá-los? O assunto tem gerado polêmica gerando um movimento entre as influenciadoras para alertar sobre esse exagero na utilização dos filtros. Você só se acha bonita atrás de um? Então é hora de rever essa obsessão. Eu fui mostrar meu cabelo novo e não resisti, taquei filtro.
As agências de publicidade no Brasil, em especial São Paulo, nunca se livram da planilha. A nova é “como é trabalhar aí durante a pandemia?”.
Está rolando a famosa Feira do Livros da USP até o próximo dia 15 em edição online (uhu!) com descontos mínimos de 50% no preço da capa.
Eu amei a história desse recifense que deu a volta ao mundo visitando todos os 196 países do mundo em 546 dias.
Você sabia que a nova série sensação O Gambito da Rainha foi gravada quase toda em Berlim e mediações? A série contou também com um figurino espetacular (eu quis cada uma das peças que ela usou em suas partidas) que essa matéria da Vogue mostra todos os detalhes de como foram as escolhas.
As tendências chegaram ao fim? Isso é o que mostra o Doom Report. O Danilo Novais fez um ótimo resumo desse report sobre o fim das tendências como a conhecemos.
Cansou de dar dinheiro pro Jeff Bezos na hora de comprar livros? A Bookshop é uma plataforma criada para reunir livrarias independentes ao redor do mundo. Ainda está bem concentrada na Inglaterra, mas tem o objetivo de expandir para salvar nossas pequenas livrarias.
Ama gatos e livros? Essa lista é pra você.
Intrigante a história desse homem que morreu em 2017 na Appalachian Trail e ficou conhecido como “Mostly Harmless”, porque ninguém sabe seu nome. Mesmo com fotos e digitais dele, até hoje não conseguiram descobrir sua identidade. Se enganou quem pensou que seria impossível sumir sem deixar traços nos dias de hoje. Talvez o caso tenha um novo capítulo em dezembro.
Já jogou Super Boulos hoje?
Antes de partir, deixo aqui uma viagem pelas pirâmides de Giza, no Egito, com o Sébastien Léger.
Tchau, e numa singela homenagem ao Carl Sagan que faria aniversário no último dia 9 eu deixo: “Diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um imenso prazer para mim dividir um planeta e uma época com você.”
Na semana que vem volto com a Amiga Genial.
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