Espiral #34: Como vai o seu foco?
Especial NFT + música, Ferrante & Beauvoir, Servant, Steve McQueen, MIT, Nick Cave
Para ouvir lendo: a playlist Electronic Focus, que me distraiu porque eu parei o que estava fazendo para dançar.
Falhei miseravelmente em escrever a Espiral nas últimas duas semanas. No rascunho sobrevivem algumas tentativas ensaiadas sem sucesso. Dei-me conta de que a palavra “espiral” não foi escolhida aleatoriamente. Inicialmente a palavra surgiu para traduzir o monte de referências e leituras que se amontoam nas abas do meu browser e nos papéis, revistas, livros que vão se esparramando pela minha casa. Mas a dificuldade em escrever me mostrou que eu estou bem equivocada ao acreditar que é só isso.
A revelação veio num momento de busca desesperada por foco. Eu, distraída que sou, vou me encantando aqui e ali. Abraçando mundos. Eu, que estou há um ano tentando fugir de notícia ruim porque a vida já não está fácil sem elas, me alegro com as histórias inventadas, com os projetos alheios, com as conquistas feitas por pessoas que admiro (das que não admiro também). Só que a distração vem, me joga num vórtex e dele tenho dificuldades para sair. Fico nele por dias. Vou e volto. Vou e volto. Até desistir. Então eu me enfeito, pego o Nick Cave e nos levo pra passear, acalmar o coração e fechar todas as abas “sem querer” do Safari no meu celular enquanto espero o semáforo abrir. Volto para casa mais leve porque deixei 68 abas para trás e porque a minha mente sempre gosta de ser levada pra rua. Levanto as mãos pro alto e canto com o coral do Cave para aliviar e agradecer o momento:
A time is coming
A time is nigh
For the kingdom in the sky
We’re all coming home
For a while.(White Elephant, Carnage)
Mas minha gente, como faço para aprender a focar? Eu me pergunto isso dia sim e dia não só para não pegar mal pra minha própria alma e deixá-la tão inquieta, senão perguntaria todos os dias. O problema vem desde a infância quando a minha mãe era chamada sempre na escola porque, apesar das notas boas, eu era distraída e falava demais. Desde pequena eu bailo pra cá e pra lá. Giro pela sala. Giro pelo quarto. Foi assim que, na adolescência, eu perdi alguns dentes numa queda horrível no quarto, de chão recém-encerado, enquanto eu dançava achando que era a própria Alex Owens. Danço, não só para espantar os males, mas para me colocar no eixo.
É nesse eixo, que nem sempre encontro, que está o meu foco. Até o café, que me deixa ligadona demais, eu abandonei temporariamente. Estou à base de chá que na Alemanha cura tudo e às vezes se compra com receita na farmácia.
Especialistas dizem que a dificuldade em focar pode significar problemas emocionais ou cognitivos. Eu adoro os especialistas, porque especialistas devem saber focar, não?
Para um ano de pandemia me parece plausível que o meu caso seja o emocional. Para chegar no resultado eu fiz uma análise da minha última década que eu achei ter lidado melhor com o assunto. Não foi rápida, porque não consegui focar nela, mas me dei conta de que fiz tanta coisa no período que se o foco me faltou, eu mal pude perceber. Mas no último ano ele me deixou na mão.
Para apaziguar a minha chateação eu estou meditando diariamente, o que tem me ajudado bastante. Também estou listando o que preciso fazer no dia. Para isso, eu uso minhas Páginas Matinais, afinal escrever três páginas do caderno grandão que eu comprei requer muita coisa acontecendo na vida para preenchê-las. Não é o que está rolando no momento. Mas, como vocês podem perceber, não tem adiantado muito.
Para o Steve Jobs, “foco é saber dizer não”. Infelizmente, o meu lado “essencialista” ficou em 2020. Neste momento estou mais para a Clarice Lispector que “perdia o foco, mas não o objetivo.”
Let me out, I'm trapped in a blur
Started out the way I wanted but it's weird now
Let me out, I'm lost in the words
Too much in my head, I shoulda seen the bad signs
I wanna tell you everything will be fine
But I'm afraid that it's a waste of your time
Let me out, I'm lost in the words
Don't know how I ended here
Trapped in a blur (Blur, MØ)
Eu me pergunto se você, que está aqui comigo neste momento, sabe focar. Conte-me o seu segredo?
Hey Stranger, let’s talk about NFTs?
The First 5,000 Days - Bleepe
O NFT (Token não fungível) foi outro assunto que me sugou para uma vórtice nos últimos meses. Se nas minhas últimas newsletters o assunto NFT era apenas uma obsessão pessoal, agora ele se tornou uma obsessão global ocupando todo os tipos de mídia, os grupos de WhatsApp, as salas do Clubhouse e o desejo dos artistas em entenderem o rolê para entrarem nessa também, especialmente depois do recorde do Beeple ao vender sua obra por cerca de US$ 69 milhões num leilão na Christie’s. E “The First 5,000 Days” poderia ter arrematado mais. Aliás, a Esquire publicou um ótimo artigo sobre o Beeple e a cripto arte que vale muito a pena a leitura.
Mas vamos lá, eu não vou entrar no beabá sobre o que é NFT, mas vou usar uma ótima analogia que a minha amiga Bia Pattoli fez na entrevista que demos para a Folha de S.Paulo: “O NFT é o equivalente a uma escritura que você recebe quando compra um imóvel. Na escritura contém todas as informações deste imóvel (quantos cômodos, metragem, garagem, etc). Você só tem a posse do imóvel se tiver a escritura. Sendo que na escritura não tem o “imóvel em si - nem mesmo foto dele”, tem apenas a descrição detalhada do que você comprou.”
Um prédio pode ter 40 apartamentos, mas cada um é único e validado por uma escritura individual. O NFT é o equivalente a escritura. Nele, há todas as informações relacionadas à arte (ou qualquer outra coisa, como um tweet, por exemplo) comprada. A arte em si não está lá. Ela está num gif, num áudio, num vídeo, numa foto, etc., ou em qualquer mídia visual que você tenha comprado. Se um NFT contém, por exemplo, um meet & greet (virtual ou real), ele estará garantido neste certificado digital. O NFT é um token único em que não é possível dividi-lo, um cripto colecionável, diferente das criptomoedas que são fungíveis (1 bitcoin, por exemplo, é vendido em frações).
As histórias acerca do NFT são muitas e elas não param de surgir. Há desde teorias sobre o boom se dar por conta da especulação de investidores de criptomoedas até comparações do mercado de NFT com as pirâmides. Nessas especulações pairam a pergunta “estamos vivendo uma bolha?”. Para Mike Novogratz (Galaxy Digital) “nós tivemos uma bolha em 2017, agora não é bolha, é movimento”. Este artigo do Cointelegraph traz um ótimo overview sobre o assunto e fala também sobre a questão ambiental, problema que tem sido discutido bastante por conta do alto consumo de energia, da produção da obra ao minting (nome dado ao processo de “cunhar” um arquivo transformando-o num NFT) e o gás, até o armazenamento e transações dos NFTs (assim como em todo o blockchain).
Para quem se interessar em ler mais sobre a questão ecológica, sugiro a leitura deste texto e este da Financial Times, que traz o exemplo da ação que o artista Simon Denny criou um processo de compensação de energia.
Para quem quiser acompanhar o mercado de NFTs, este gráfico traz o total em vendas feitas por período e por marketplace.
Mas vamos falar um pouco sobre música & NFT?
NFT Grimes
O produtor 3LAU é o nome mais proeminente da música no mundo dos NFTs. Nesses meses de pesquisa, eu notei que os produtores de música eletrônica, em especial os de EDM, são mais envolvidos e abertos às novas tecnologias e também com a blockchain do que o rock, por exemplões . O RAC foi um dos primeiros produtores musicais a lançar um NFT em outubro de 2020 (senão o primeiro). Seu envolvimento é tanto que ele lançou uma agência criativa especializada em NFT.
Depois vieram Deadmau5, Mike Shinoda (Linkin Park), Grimes, Carl Cox, Steve Aoki, Disclosure, Plastikman e até o Aphex Twin. O DJ e produtor canadense Jacques Greene foi o primeiro a incluir o publishing rights de uma música num NFT. A lista é extensa e não para de crescer. Até o Elon Musk está vendendo uma música sobre NFT em NFT. Claro que ele não ficaria de fora.
Por isso, quem afirmou que o Kings of Leon foi a primeira banda a lançar um álbum em NFT, não pesquisou direito. O próprio 3LAU relançou o seu álbum Ultraviolet em 25 de fevereiro em coleções distintas muito mais bem pensadas e estruturadas do que a banda de Nashville, tanto que o leilão rendeu US$11 milhões em vendas.
O XLR8R anunciou o lançamento em abril de seu marketplace de NFT focado em música eletrônica. Junto ao anúncio, há a notícia sobre o artista Clarian (que eu não conhecia) ter lançado um álbum na íntegra em NFT com direito ao publishing rights, mas a estratégia de lançá-lo com um valor alto inicial de lance (cerca de US$180 mil) parece não estar dando certo.
O artista brasileiro Uno de Oliveira criou um NFT em parceria com o André Abujamra, que foi vendido por US$3,224. Essa iniciativa da Atari mostra também ótimas possibilidades de pensarmos no NFT no futuro das experiências.
Seremos nós os próximos a serem tokenizados? Influencers se tornarão NFTs? Pois é, essa é a proposta do Mint Me.
PS: Para quem não sabe, para criar um NFT criado gera um custo de gás, atualmente está sendo por volta de US$70. O marketplace OpenSea não está fazendo essa cobrança.
Bora para as rapidinhas antes que eu perca o foco
Começo com dois jabás: voltei a fazer o guia “as boas do fim de semana” focados em eventos online, no Chicken or Pasta, com patrocínio da Jack Daniels, o que me deixou feliz. Ele sai às quintas-feiras. Aproveitamos o projeto para retomar nossa maravilhosa newsletter, a Chicken Wings.
O Nick Cave lançou no início do mês o álbum “Carnage”, para mim um dos álbuns mais bonitos (e apocalíptico) que foi lançado em meio a esta pandemia. O Música Crônica escreveu uma ótima resenha sobre a criatividade a mil de Cave neste último ano. Eu sou super fã!
Volta e meia eu vejo pessoas compartilhando a decepção por descobrir que amigos furaram o lockdown e fizeram exatamente tudo que não era para fazer. O assunto virou um artigo na The Cut sobre um ano de pandemia e segredos que muitos estão guardando. Se você anda com raiva do mundo, sugiro não lê-lo. Tem até a história de um “mini Burn” (nada relacionado com o oficial) secreto nos Estados Unidos.
Estou terminando de ler “As Inseparáveis”, de Simone de Beauvoir, um livro curtinho e delicioso sobre a relação de Beauvoir com sua melhor amiga de infância que morreu subitamente aos 22 anos. Uma história de amor e amizade que tem levantado especulações se teria sido o livro uma inspiração para a “Amiga Genial”, de Elena Ferrante. Não dá mesmo para não pensar nas similaridades ao lê-los. Aqui Lina e Lenu são Andree e Sylvie.
Terminei o ótimo e divertido “A Grande Magia: Uma vida criativa sem medo”, da Elizabeth Gilbert. Fugindo do papel de guru ao escrever sobre criatividade, Gilbert nos conduz por todos os meandros da criatividade costurando com a história de sua própria carreira. A leitura rendeu ótimas risadas e insights poderosos.
Eu amo balé e sou grande fã da Ingrid Silva, bailarina brasileira ativista, que vive em Nova York há 12 anos, e é uma das fundadoras do Blacks in Ballet. Ela teve a Laura em meio à pandemia e passou recentemente ao Brasil para gravar uma campanha e deu essa ótima entrevista sobre trabalho, gestação e suas lindas conquistas.
O Google Arts & Culture lançou dois projetos maravilhosos, o “Music, Makers & Machines”, que narra a história de 120 anos da música eletrônica com um vasto material produzido em parceria com mais de 50 parceiros, entre museus, instituições, clubs e selos; e o “Sounds like Kandinsky”, projeto que usa o conceito de sinestesia, que o artista tinha o dom, para apresentar a vida e obra do Kandinsky a partir de cores, sons e formas.
Para os amigues que estão em Londres, deixo a dica da exposição imersiva que vai rolar em maio do Ryoji Ikeda (amo!) produzida em parceria com a Vinyl Factory e a Fact. Se as coisas melhorarem, Londres me aguarde porque essa eu não quero perder!
O projeto WindowSwap, criado por um casal que vive em Singapura, nos leva para ver janelas ao redor do mundo sempre com uma música acompanhando. É possível enviar um vídeo da sua janela com sua trilha sonora. Eu o descobri na revista do NYTimes que teve uma linda edição especial de música.
Esse bloco de notas da Revista Gama sobre depressão está com referências incríveis mesmo para quem não sofre da doença. Tem também um texto genial da Letrux sobre certas coisas que ela não sabe dizer.
O MIT liberou o acesso à sua biblioteca com mais de 2.300 títulos abrangendo várias áreas incluindo Computer Music, Artes, Games, Neurociência, entre outras.
A música e a terapia, um dos meus assuntos favoritos.
Eu amo séries de terror psicológico e estou maratonando “Servant” (Apple TV), que tem duas temporadas. Um dos produtores e diretores é o M. Night Shyamalan, mas os episódios dirigidos por Julia Ducournau merecem atenção especial.
Imperdível também é a antologia racial “Small Axes” com 5 filmes curtos de Steve McQueen. O filme “Lovers Rock” é festivo e puro deleite musical. É colorido, vibrante e emocionante. No Brasil está na Globoplay. Não deixe de assitir.
Hoje começa o SXSW Online, quem estará por lá? É pra lá que eu sigo… :)
Tenho muito mais coisa para compartilhar, mas hoje fico por aqui…. deixo uma playlist bem animada, pop e atual: Our Generation.
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o meu segredo é ...
voltar a amar e perdoar quem quer ser perdoado.