Espiral #74: Minha experiência no SXSW 2023
O SXSW 2023 focou no presente e colocou as pessoas no centro das conversas
Trilha sonora: a playlist que criei para o SXSW 2023 com artistas que quis ver ao vivo.
Frequentado o SXSW há mais de uma década, eu fiquei surpresa ao ter o tempo presente e não o futuro no centro das discussões. O futuro, aquele que vínhamos discutindo nos últimos anos, chegou escancarando a porta sem pedir licença.
Não assisti tantas palestras como eu gostaria, mas já me acostumei a não levar a frustração a tiracolo comigo, porque imprevisto é a palavra-chave da maioria das pessoas que o frequentam. Geralmente eu sigo o fluxo metade do tempo e na outra metade eu tento cumprir pelo menos 10% da agenda que fiz, claro que eu não consigo.
A energia do SXSW este ano estava diferente. Apesar dos alertas sobre ser a edição mais cheia da história do SXSW, a sensação foi oposta. Sempre senti um frenesi no ar ao percorrer os corredores lotadíssimos, entrar nas filas quilométricas e ao andar pelas ruas, mas tudo me pareceu extremamente calmo. Estaria o SXSW ainda recuperando o fôlego pós-pandemia?
O SXSW se tornou um festival bem corporativo, um verdadeiro parque de diversões para publicitários e marketeiros, que largam tudo para trás por alguns dias em busca de respiro, inspiração e networking. Éramos mais de 2 mil brasileiros sedentos por novidades, mas elas não foram tantas esse ano. O português era a segunda língua mais falada em todos os cantos do festival depois do inglês.
Austin também está muito diferente da que eu visitei em 2019 com gentrificação rolando solta e arranhas-céus sendo levantados num piscar de olhos. O pouco do charme, que restava no centro da cidade, está indo embora de mãos dadas com as casinhas fofas, de madeira cercadas por jardins floridos, que têm sido derrubadas num efeito dominó. A cerveja, que eu pagava entre 4 e 5 dólares na minha última ida, chegou a me custar 15 dólares num dos palcos do festival.
Como de costume, eu estava ansiosa pela chegada da quarta-feira, dia que começam oficialmente os shows, mas me deparei com uma 6th Street, a rua principal do SXSW, vazia, muito diferente de outrora. Nem mesmo a justificativa de que era quarta-feira colou, pois o primeiro dia do festival de música sempre foi marcado por uma diferença substancial no clima de Austin e no público. Desaparecia a vibe escritório para dar lugar para uma audiência jovem e descolada. As ruas ficavam lotadas, animadas e as filas eram vistas em todos os lugares. Mas não foi desta vez. Soube que somente na sexta-feira, quando embarquei de volta para Berlim, que a cidade lotou.
Desta vez, eu não consegui visitar uma das áreas que eu mais gosto no SXSW, a exposição de XR (realidade estendida), por conta das imensas filas (é, nessa área elas eram desoladoramente longas), mas as amigas que conseguiram, contaram aqui as melhores coisas que viram por lá e me fizeram babar de inveja por ter perdido. Vale o clique!
Enquanto estava ainda em Austin, eu me animei em planejar a ida em 2024, mas sinto que morando na Europa, o SXSW começa a sair do radar. Repensando se ele continuará sendo meu festival de inovação e música que continuarei investindo ou se foco em eventos europeus.
O SXSW custa pelo menos R$ 20 mil entre ingresso, passagem aérea e hospedagem. No meu caso, eu fui credenciada pelo Chicken or Pasta, o que me economizou US$ 1,500, e consegui apoio da Revista Unquiet, que viabilizou a minha ida. Ufa!!!
Obrigada Vanessa Mathias, Sadao e Corina! <3
Vale a pena investir tudo isso?
As pessoas sempre me perguntam se vale a pena o investimento. Caso seja do próprio bolso, sugiro entender o que você está buscando por lá. Sob o ponto de vista de networking, pode valer a pena tanto para se conectar com profissionais brasileiros, quanto internacionais. Já vi nascer projetos incríveis entre pessoas que se conheceram durante o festival.
O SXSW é um festival para ir pelo menos uma vez na vida, caso inovação e criatividade sejam suas áreas de interesse e/ou atuação. Hoje em dia, todo o conteúdo é disponibilizado de uma maneira ou outra na internet. Não faltam coberturas excelentes, relatórios pós-festival, eventos online e ao vivo feito por empresas para apresentarem o que viram e, ainda, as gravações das principais palestras disponibilizadas pelo próprio SXSW.
O que me levou à Austin esse ano foi para reencontrar a minha antiga pessoa, a qual eu andei com saudades. Por isso, valeu a pena, pois reencontrar tanta gente que eu não via há anos e conhecer tantas outras, me ajudaram a resgatar a auto-estima que andou falhando. Voltei animada e carregada com uma ótima dose de boa energia, otimismo e com muitas ideias novas borbulhando na cabeça.
Festivais também servem para fins terapêuticos, por isso eles são o meu lugar favorito e mais confortável para estar.
Inteligência artificial: A estrela de todas as rodas de conversa
“A inteligência artificial está nos assistindo. Ela segue o que fazemos, por isso, o que fazemos é essencial.”– Neil Redding, fundador e CEO da Redding Futures
A IA generativa, capaz de gerar texto, imagens e vídeos como resposta a solicitações em linguagem comum, foi a estrela da edição. Após a explosão de uso de plataformas, como o ChatGPT, Dall-E, Midjourney e Stable Diffusion nos últimos meses, não teve como fugir do assunto. Até mesmo as palestras sobre Metaverso e Web3, temas em alta em 2022, exploraram mais como a IA vai influenciar esses ambientes do que se falou sobre eles.
A futurista Amy Webb, que apresenta há 7 anos seu relatório de tendências tecnológicas numa das palestras mais concorridas do SXSW, foi enfática sobre uma nova era da internet que está chegando denominada por ela como “AIOsmosis”, ou AI+Osmose. Ou seja, todas as IAs vão interagir entre si e usar dados de qualquer fonte. A internet como a conhecemos está com os dias contados. O que teremos em breve será uma internet toda baseada em IA.
“Para Webb, essa será a “Era da Computação Assistiva”, em que o pensamento e a ação humana serão obsoletos. Para navegar nesse mundo, serão necessários trabalhadores, alunos e líderes capacitados, que possam trabalhar com os sistemas de IA. A solução não é banir os sistemas como algumas escolas têm feito, mas sim compreendê-los, para não deixar as pessoas despreparadas para esse futuro. Webb destacou também como planejar com a IA pode colocar a sociedade no caminho correto, transformar a força de trabalho e melhorar as relações humanas. Por outro lado, se esse planejamento falhar, poderá haver uma divisão digital ampla, em que os trabalhadores que aprenderam a trabalhar com a IA serão valiosos, enquanto os outros serão irrelevantes.” - WGSN - SXSW 2023
Gostei muito da aula-palestra do Kevin Kelly, fundador da revista Wired, que trouxe uma visão mais otimista em relação à IA e nos deixou muitas reflexões. Ele destacou que o ChatGPT tem sido adotado tão rapidamente porque descobrimos sua capacidade em executar tarefas chatas e mecânicas. Para ele, as plataformas de IA substituirão os estagiários - poderemos ter estagiários ilimitados se quisermos. O ChatGPT é a tecnologia que foi a mais rápida da história em ser aceita, tendo 2 milhões de usuários inscritos em 2 semanas.
Kelly abordou também o papel da IA na produtividade, dizendo que ela foi feita para robôs, e na criatividade, argumentando que a IA está ocupando espaços vazios ao invés de substituir pessoas. Inclusive reforçou que a IA não é uma entidade única, mas várias, cada uma com suas características e especificidades. Ou seja, lidaremos com diferentes IAs no nosso dia a dia.
Kelly acredita que a IA trará mais benefícios do que problemas, mas que precisamos aprender a usá-la da melhor forma possível. Ele pontuou sobre o problema de bias, como racismo e sexismo, mas a IA é baseada no que somos e não podemos aceitar que seja dessa forma. De acordo com Kelly, esse processo em fazê-la ser diferente de nós poderá nos causar uma crise de identidade. Afinal quem somos? O que queremos ser? E, o que ‘melhor que nós’ significa?
Ele finalizou a palestra dizendo que talvez o propósito final da inteligência artificial seja nos transformar em humanos melhores. Eu gravei a palestra e você pode ouvi-la ou lê-la aqui.
A doação da Patagônia para a Terra
“Nós que criamos os problemas do mundo, e eles não podem ser resolvidos sem que as empresas assumam a responsabilidade.” - Ryan Gellert, Patagônia
Mais do que pensar em inovação e no futuro, temos a emergência climática pela frente para enfrentar. Foi esse o fio condutor da conversa com o CEO da Patagonia, Ryan Geller que, além de contar a sua história na empresa, falou sobre a decisão do fundador Yvon Chouinard em doar a empresa para ONGs de preservação ambiental e os problemas que estamos enfrentando com o clima. Gellert reconheceu que, como varejista, a Patagônia contribui para as mudanças climáticas, mas é comprometida em minimizar sua pegada ambiental com diversas ações internas.
Gellert acredita que as empresas têm a responsabilidade de resolver os problemas que criaram e não têm o direito de serem pessimistas, apesar dos desafios climáticos que enfrentam. No entanto, ele é realista e admite que o planeta que seus filhos herdarão será diferente do que ele experimentou na sua juventude. Você está assistindo a série “Extrapolações”? Pois então…
Se preparando para viver 100 anos
Sou bastante fã do Chip Conley que, após uma carreira bem-sucedida na indústria hoteleira, foi convidado para ser mentor de Brian Chesky, fundador do Airbnb, e criou a Modern Elder Academy. Conley participou de 3 mesas esse ano, duas delas sobre envelhecimento e etarismo, as duas disponíveis online. Para Conley, as pessoas idosas vão se manter ativas por mais tempo, adiando a aposentadoria, não apenas por questões financeiras, mas também para consolidar o seu propósito na sociedade.
Conley falou sobre o surgimento da classe dos “trabalhadores sábios”, ou seja, trabalhadores mais velhos que serão capazes de compartilhar conhecimentos e dados da indústrias que não estão disponíveis no Google. Em 2050, os jovens representarão uma população menor que a de idosos, criando lacunas no mercado. Ou seja, as marcas precisam começar a pensar nas pessoas mais velhas também como trabalhadores e líderes do futuro.
Amigo robô
A “Creative Industries Expo”, feira que ganhou mais dias no calendário do SXSW, é um polo de inovação, onde acontecem muitos lançamentos de produtos e apresentação de protótipos de projetos que podem vir a revolucionar toda uma indústria.
Por lá, eu conversei sobre a futura vacina para o câncer que a Moderna está desenvolvendo e espera lançar em 2030; me apaixonei pelo Loona, um robô extremamente inteligente criado para servir como companhia e também para monitorar a casa; conheci por dentro uma espécie de helicóptero dos Jetsons, com autonomia para voos de até 100km, que está sendo desenvolvido pela EVE, empresa brasileira que nasceu dentro da Embraer.
E a música?
Assisti menos shows do que de costume, mas o line-up no geral estava muito bom! Perdi o New Order, o que é imperdoável, mas assisti a conversa da banda com o crítico de rock Will Hodgkinson, do The Times, sobre a carreira, o Joy Division e o mercado da música atual.
Alguns shows em destaque que vi
Assisti ao The Zombies, que nunca tinha visto ao vivo, mas estava com a expectativa altíssima e no fim achei o show bem morno.
A música do monge zen budista Yogetsu Akasaka me encheu de alegria. Ele começou como tocando nas ruas beatboxer nas ruas de diversas cidades do mundo. Em 2015, ele se tornou monge e 2,5 anos depois decidiu voltar a abraçar a música incorporando elementos de sua prática religiosa e também o beatbox em suas produções. O resultado é lindo demais e único.
Também assisti ao show da Blondshell, que acabou de lançar um álbum homônimo de estreia. Pode colocá-la no radar, porque a garota promete voar longe.
E, foi uma deliciosa surpresa cair numa festa com o produtor Cerrone, que começou a produzir disco music no começo dos anos 1970 e em 1977 lançou seu grande hit “Supernature”, que ao tocar ao vivo causou gritaria e confusão.
Também adorei o rock and roll animado dos ingleses Sports Team, que me chamou a atenção ao ter uma plateia bem mais velha assistindo. Teria o rock morrido para a geração mais nova? Btw, ache a Lalai Wally na foto:
Theodore é um produtor de música eletrônica, que conheci numa das edições do SXSW, revi em Berlim e fiz questão de revê-lo em Austin. Continuo fã e deixo aqui a recomendação do álbum “The Voyage”, que está entre os que mais ouvi em 2022. Uma das magias do SXSW é a proximidade que temos com os artistas. Por fim, acabamos trocando muitas figurinhas e nos reencontrando enquanto eu esperava o show do Vök, o favorito de todo o festival.
Conclusão
O SXSW oferece uma experiência muito particular para cada pessoa. Se, para mim esta não foi a melhor edição, talvez eu não tenha navegado o festival de maneira adequada em termos de conteúdo. Mas, depois de semanas refletindo a respeito, vejo que ele cumpriu o que eu fui buscar, que foi essa reconexão comigo.
Foquei nos grandes nomes por comodidade, mas talvez as respostas que eu estava procurando foram dadas nos encontros menores, as quais tenho assistido aos poucos online e tenho me surpreendido com alguns conteúdos.
Uma coisa é certa, talvez nenhum festival consiga explorar tão bem a intersecção da tecnologia com a sociedade e cultura como o SXSW faz.
No fim das contas, essa edição foi mais sobre pessoas do que sobre inovação e tecnologia, pelo menos na forma como eu vivenciei o festival.
Palestras que valem a pena assistir - em inglês:
Por ocasião do lançamento da minissérie “Open Minds” no próximo dia 19, rolou uma ótima mesa para discutir “Inovações em Consciência, Psicadélicos e Saúde Mental com Deepak Chopra”;
Tá na minha lista assistir a conversa com o chef José Andrés sobre histórias que podem mudar o mundo;
Timmu Tõke, CEO & Co-Fundador do Ready Player Me, numa ótima mesa sobre metaverso.
Para ir um pouco além:
O Tomorrow Cast fez um especial de 4 episódios para falar sobre o SXSW 2023;
A Globo lançou um relatório caprichado cobrindo diversas áreas do festival;
Minha amiga Vanessa num papo rápido com o Rohit Barghava, que acabou de lançar o livro “The Future Normal” (ainda não traduzido para o português);
Relatório sobre Narrativas Emergentes identificadas no SXSW 2023 da White Rabbit (sempre as melhores!);
Minha cobertura do SXSW para a Revista Unquiet numa versão mais compacta.
Breathe
📚 Uma ótima lista de livros sobre escrita criativa;
👩🏻🎓 O papo sobre não ter carreira rendeu e virou uma ótima reflexão no
;🧘🏻♀️ Estou lendo “Ioga”, de Emmanuel Carrère, que desencadeou o assunto acima;
🍿 Assisti à estreia da série “American Born Chinese”, da Disney+, uma mistura de drama adolescente e fantasia estrelado por um ótimo elenco, incluindo a Michelle Yeoh;
🎞️ Eu me emocionei com o documentário “Still: A Michael J. Fox Movie”, que conta de uma maneira muito criativa a história do ator que descobriu, aos 29 anos, ser portador de Parkinson. A estreia será em 12 de maio, na Apple TV;
👩❤️👨 Um relato sincero sobre a não-monogamia escrito pela brilhante
, no ;🇮🇷 O texto “Por que o Irã não é o que você pensa?”, da
, no , me fez refletir sobre a minha escolha em não colocar na minha lista países de regimes totalitários para visitar;🎤 Por aqui, estou de olho no streaming do Coachella, que está liberando de todos os palcos do festival;
❤️ Tá pura melancolia e beleza o novo EP da Angel Olsen, o “Forever Means”;
🇧🇷🇩🇪 Estou trabalhando na curadoria de artistas de música eletrônica, que tocam no Psicotrópicos em julho, festival que celebra a música brasileira em Berlim e está ficando com um line-up muito mara.
Bom finde! Nos vemos na semana que vem. O tema será Berlim e o que a cidade pode provocar em quem a visita em busca de inspiração.
Chegou muita gente nova por aqui! Se quiser dar um alô, contar quem é você, como veio parar aqui, deixar críticas ou sugestões, é só me escrever. Vou adorar!
Adorei a citação do Neil Redding. Eu penso muito se eu "me daria bem" no SXW.
Lalai, que riqueza de conteúdo, obrigada!