Espiral #92: Pot-pourri de assuntos
O perdido na terapia, a vida após o lifestyle e o fim da era das assinaturas
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter semanal dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim à música, arte, cultura, inovação e literatura, além de trazer sempre dicas de assuntos que andam revirando meus sentidos. Esta é uma edição gratuita.
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.Trilha sonora para esta edição: “End of the Day (music from the film Anonymous Club)”, de Courtney Barnett.
A minha terapeuta de anos me deu um grande perdido no meio da minha segunda maior crise existencial na vida adulta. Estranhei o suficiente para procurá-la no Instagram para saber se está viva. Está e parece passar bem, obrigada. Depois de três meses esperando a sumida dar as caras, eu decidi buscar uma nova profissional, mas não paro de me questionar o que faz uma terapeuta abandonar uma paciente. Seria eu uma pessoa difícil demais para lidar? Ou uma pessoa sem graça, sem grandes dilemas e talvez acrescentando muito pouco ao desenvolvimento de sua carreira?
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A nova terapeuta mal chegou e já me deixou uma questão no ar no nosso último encontro: “Você tem uma questão com o feminino”. Cá estou eu lidando com isso. Estou fazendo a lição de casa e investigando. Eu me entendi sendo uma “filha do pai” ao começar a ler “A jornada da heroína”, de Maureen Murdock.
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Já me identifiquei na introdução do livro quando a autora afirma que quando a mulher decide parar de seguir as regras do patriarcado, ela não sabe como agir ou sentir. Entramos numa fase de querer “ser” em vez de “fazer”. Se esse for o caso, eu estou há alguns anos nesse estado. Sendo.
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Para Murdock, nessa fase há também um desejo de passar mais tempo na natureza e até uma consciência maior das mudanças cíclicas das estações e da lua. Bateu aqui também.
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Waldeinsamkeit é uma expressão em alemão que traduz a sensação de solidão ou isolamento agradável que experimentamos quando estamos sozinhos numa floresta ou em meio à natureza. É a tal paz e harmonia que rola quentinha quando estamos em contato com a mãe Terra. Bonita, né? É um dos meus programas favoritos em Berlim. Deveria cogitar mudar para o mato?
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Numa das sessões de terapia eu pedi para a minha ex-terapeuta: “Você deveria me provocar mais”. Será que isso pegou mal?
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O Gustavo Nogueira, pesquisador sobre o tempo que faz um trabalho extraordinário no assunto, passou por Berlim para me visitar. Tivemos conversas tão cabeçudas, cheias de referências, que sigo pensando nelas.
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Discutindo sobre minha crise existencial, o Gust compartilhou ótimas histórias, algumas da francesa Nelly Ben Hayoun, que recentemente esteve no Brasil para palestrar no KES Summit, onde ele palestrou também.
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Hayoun é uma designer de experiência com um currículo de dar inveja. Entre seus audaciosos projetos está a criação da “International Space Orchestra (ISO)”, na NASA, em 2012. Ela convenceu cientistas da NASA a se dedicarem à música. Fácil não foi, mas resultou em "Ground Control: Uma Ópera no Espaço", um espetáculo musical de 27 minutos, que recriou o drama do controle de missão da NASA durante o pouso na lua da Apollo 11 em 1969. Para isso, Hayoun reuniu um time de peso de músicos para dar o suporte aos cientistas, incluindo Damon Albarn (Blur, Gorillaz) e o falecido Bobby Womack.
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Durante a pandemia, a banda “The Avalanches” produziu um clip de “Wherever You Go” em parceria com essa orquestra da NASA.
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Para quem se interessa em criar experiências memoráveis, Hayoun é referência no assunto. Tudo que ela cria, tem um twist, como a University of the Underground, uma universidade gratuita que oferece um mestrado em Design de Experiência. Detalhe: A universidade funciona em porões de casas noturnas, com sede em Amsterdã e Londres, e trabalham ativamente com instituições culturais e vida noturna.
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A lista de profissionais conectadas à universidade também é de tirar o chapéu. Tem o Noam Chomsky, Hans Ulrich Obrist, o Massive Attack, a artista drag Peaches Christ, a ativista Nadya Tolokonnikova do Pussy Riot, entre outros. Descobri que um artista, com quem eu trabalhei há anos, foi um dos alunos. Quero estudar lá também.
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O trabalho de Hayoun me lembrou a Isabella Nardini, uma amiga brasileira que desenvolve experiências e performances bem criativas mundo afora. Entre seus vários projetos, ela é curadora de experiências do badalado festival Unfinished, que acontece no próximo fim de semana em Bucareste.
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Ainda na conversa com o Gust, discutimos também sobre o conceito de lifestyle e o que pode estar surgindo em seu lugar. A pergunta que paira é: a era do lifestyle como a conhecemos está chegando ao fim? Esta é a questão central abordada no artigo "A vida após o lifestyle" de Toby Shorin, resultado da palestra que fez no FWB Festival, que pode ser assistida aqui.
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Shorin discute a "vida após o lifestyle" como uma mudança radical na maneira como a cultura é gerada e promovida. Ele argumenta que, na década de 2010, a cultura estava fortemente ligada às marcas, que criavam experiências de lifestyle para os consumidores, sempre com foco na venda produtos. Resumindo, era uma era em que a cultura se tornou uma mercadoria, medida pelo lucro e participação no mercado.
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No entanto, à medida que entramos na década de 2020, Shorin aponta uma mudança em direção a novos modelos de criação e promoção de cultura, que são mais descentralizados (como as DAOs) e baseados em comunidades online. Nesse cenário, ficamos menos dependentes das estruturas capitalistas tradicionais.
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O que está em jogo nessa nova economia cultural é a criação de culturas às quais as pessoas possam se identificar e pertencer, em vez de apenas criar produtos para consumo. Isso está sendo facilitado por plataformas de crowdfunding, redes sociais e as comunidades online, que permitem uma conexão direta com o público e a conquista de financiamento sem precisar de intermediários tradicionais.
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Shorin também observa que as marcas continuam envolvidas na criação de cultura, patrocinando artistas e criadores. No entanto, ele adverte sobre os riscos envolvidos, como o uso desse poder para promover ideologias prejudiciais ou manipular o comportamento do consumidor. Já vimos bastante coisa dando errado nesse ponto.
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Essa reflexão me leva a diversas referências, especialmente sobre a era atual de assinaturas pagas, como as newsletters. Li este artigo interessante de Nick Hilton que questiona a sustentabilidade a longo prazo das assinaturas individuais e sugere a necessidade de repensar esse modelo.
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Hilton sugere que a ideia de que as assinaturas individuais em plataformas como Substack e OnlyFans são o futuro da criação de conteúdo pode estar equivocada. Ele argumenta que, à medida que mais criadores buscam sucesso financeiro e fama nesses modelos, a ilusão de que isso representa uma revolução radical na criação de conteúdo pode desaparecer. Em vez disso, os criadores precisam explorar soluções mais inovadoras, como agrupar diferentes vozes e perspectivas em produtos mais abrangentes e acessíveis.
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Eu concordo com a linha de pensamento dele. Tenho refletido bastante sobre isso desde que decidi cobrar pelo meu conteúdo. Como uma única assinatura, a Espiral tem um preço acessível, mas quando penso na vizinhança no Substack, o custo mensal pode se tornar elevado para aqueles que assinam várias newsletters.
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Em outras palavras, à medida que mais pessoas interessantes se juntam no Substack - ou plataformas similares, o modelo pode se tornar verdadeiramente insustentável a longo prazo.
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Isso me leva ao tema da minha última sessão de terapia com o meu marido, pessoa que alugo de vez em quando para esse fim, em que levei para a a mesa do jantar a reflexão da
sobre os criativos precisam falar sobre dinheiro. Eu tenho muita dificuldade com o assunto. Ideias para compartilhar comigo a respeito?Dont’t Break My Heart
⏰ Já colocou um alarme em “A Incrível História de Henry Sugar”, de Wes Anderson? Estreia no Netflix em 27 de setembro.
👩🏻⚖️ Há tempos eu não ria tanto com uma série como tenho rolado de rir com “Jury Duty”, na Amazon. Estou assistindo em conta-gotas para parcelar as crises de riso.
🎧 Amando o álbum “The Lands is Inhospitable and so are We”, da Mitski.
🎞️ Aguardando a estreia de “The Great Escaper”, com Michael Cane.
📚 Lendo “A Máquina do Caos”, de Max Fischer, e o “Manual da Faxineira”, de Lucia Berlin.
🗂 Na lista para ler "Recapture the Rapture: Rethinking God, Sex, and Death in a World That's Lost Its Mind". de Jamie Wheal.
♡ Duas artistas brasileiras para deixar no radar: Manauara Clandestina e Ventura Profana.
🔴 Na próxima semana eu embarco para São Paulo e mal posso esperar para visitar a Bienal de São Paulo, e as exposições “Do Brasis: arte e o pensamento negro” e “Tornar-se Orlan”.
🍸 Quero muito conhecer os novos bares em São Paulo Domo, Gaspar, Elevado Conselheiro e Matiz.
🫧 Oxymania: A sober curiosity.
Se você está em São Paulo: O que eu não posso perder por aí nessa rápida passagem que farei pela cidade?
Tchau e bom domingo!
Assisti Jury Duty! Hilária. Deixei de fazer terapia porque sentia justamente essa sensação de não provocação. Nunca expressei tal sentimento, será que teria adiantado?
Eu fui introduzindo no Substack pela Ale, daí comecei a assinar você, a Naza, a flows, a Gabi, a Gaia e tantos outros.
Acho justo que seja cobrado. E o trabalho de vocês e ponto.
Para mim é insustentável pagar porque estou desempregado.
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Que delícia de espiral!
Agora, como pessoa que faz análise e também psicanalista, confesso que fiquei meio "tonta" com o ghosting da sua terapeuta! Difícil não tentar preencher a lacuna, né?