🎧 Trilha sonora para esta edição: ‘Magic Seeds II’, de Leifur James. Vi o show dele há duas semanas e estou apaixonada ouvindo no ‘repeat’

Um pensamento solto de hoje:
Quem não gosta de feriado que emenda em feriado e, de repente, nos dá quatro dias de folga? Nesses momentos de alegria, lembro que a vida de freela não é fácil e nem sempre entendo a escolha que fiz. Se optar por não ter um emprego formal é porque quero mais liberdade no meu dia a dia, por que me vejo trancada em casa de segunda à sexta no horário comercial? É como se eu tivesse um relógio de ponto para quem dar satisfação e um chefe me olhando torto porque demorei muito para voltar do almoço.
Contexto para essa edição:
Nos últimos tempos, tenho refletido sobre como ser cronicamente online drena nossa energia a ponto de muitas vezes ser difícil sair do sofá. As coisas começaram a melhorar por um tempo, mas ao me presentear com um iPhone novo, acabei me apegando tanto a ele que se tornou difícil deixá-lo de lado. Percebi que, desde sua chegada, meu tempo de tela aumentou bastante. Por isso, decidi finalizar um texto que estou trabalhando numa oficina de escrita, e compartilhá-lo aqui, pois é justamente sobre esse desejo por uma vida mais offline.
O texto era sobre o colapso da criatividade na era da IA e algoritmo, inspirado por dois textos da
: Criatividade no Ciberespaço Sideral - parte 1 e parte 2. Mas acabei indo para outro lugar, talvez porque o algoritmo só tem me mostrado textos sobre “todo mundo tentando odiar a internet”. Bora lá!
Especular sobre a possibilidade de viver de maneira offline tem sido um dos temas mais recorrentes nas newsletters que assino. Se num passado não muito distante as pessoas discutiam como sair das redes sociais, hoje elas discutem se é possível sair da internet, mesmo a internet não sendo um lugar. Mas seguimos agindo como se fosse e vivendo lá dentro.
Muitos de nós estamos exaustos de estar online o tempo todo, mas também não sabemos bem como se desconectar. Enquanto tentamos descobrir, nossa criatividade vai murchando, soterrada sob notificações, e-mails não lidos, dezenas de abas abertas — no meu caso, três browsers abertos — e vídeos que nem lembramos de ter dado play. É uma confusão mental constante, uma distração disfarçada de vida conectada. Mas conectada com o quê, afinal? Estamos juntos online, mas cada vez mais distantes do que acontece ao redor.
A internet já foi um lugar estranho e interessante, mas agora é um ambiente previsível, ansioso, repetitivo. Consumimos muito, absorvemos quase nada. E mesmo assim, seguimos scrollando enquanto os algoritmos trabalham para afunilar nossos gostos e desejos, tornando nossa vida digital cada vez mais óbvia e sem surpresas.
Momentos de pausa são tão raros que comecei a otimizar até os poucos momentos livres que tinha, instalando uma caixa de som no banheiro para aproveitar o tempo do banho ouvindo podcast. Quem aí não faz isso? Mas essa fadiga de consumir conteúdo o tempo todo tem me feito atualmente optar por tomar banho em silêncio.
Li dois textos ótimos que trazem reflexões sobre um futuro onde talvez a vida online não seja mais o centro de tudo.
No ensaio "The End of the Extremely Online Era", Thomas J. Bevan argumenta que a era ‘extremamente online’ está chegando ao fim. Ele observa que a internet se tornou entediante, com as pessoas passando o dia rolando feeds em busca de algo que não encontram. Ele sugere que as consequências de uma vida vivida online transbordaram para o mundo real porque permitimos que isso acontecesse. Ele compara essa era à de vícios passados, como o cigarro, indicando que, assim como esses hábitos foram abandonados, a sociedade também pode superar a dependência da vida online. Será? Oremos!
Já a Rachel Waywire, autora da newsletter
, imagina um futuro em que as redes sociais não existirão como conhecemos. Elas deixarão de ser plataformas digitais para se tornarem redes reais, vividas no mundo físico, em comunidades offline. A ideia parece estranha hoje, quase fora de época. Mas e se o que vem depois do online não for uma versão melhorada da internet, e sim o retorno às conexões que agora tentamos replicar na tela?Talvez isso já esteja acontecendo aos poucos. Em várias cidades da Europa, surgem os clubes offline com espaços dedicados a desacelerar, promover encontros sem Wi-Fi, sem câmera, sem pressa. A missão é reconectar as pessoas sem uma tela entre elas.
O romance "As perfeições," de Vincenzo Latronico, apresenta um casal de nômades digitais vivendo em Berlim, cercado de plantas, cafés com as mesas lotadas de macbooks, apartamentos bem decorados e uma rotina impecavelmente editada. Tudo parece perfeito, exceto a falta de vida na história. O livro retrata uma cidade gentrificada até no afeto, onde as relações, filtradas como imagens, não têm profundidade. Sem conflitos ou transformações, a narrativa ecoa o cansaço de uma época em que a vida deixa de ser uma experiência e se torna um projeto visual.
Os protagonistas do romance, assim como muitos de nós, perderam a capacidade de conviver com o tédio. Quando esse vazio aparece, nossa reação é quase instantânea: desbloquear uma tela. Hoje, qualquer pausa aciona um reflexo automático de rolar, clicar, reagir, rolar. Não sabemos como lidar com o nosso silêncio interno.
Começamos coisas sem terminar, publicamos para não sumir, entramos no jogo para não perder o ritmo. O excesso virou nossa forma de dizer "ainda to aqui!", repetido em formatos diferentes. Produzimos, salvamos, postamos chamando isso de presença, mas presença onde, exatamente?
O tédio, quando permitido, pode dar início a algo novo. Historicamente, foi nos momentos de aparente inatividade que surgiram algumas ideias brilhantes. J.K. Rowling, por exemplo, teve a ideia sobre o Harry Potter durante um longo atraso de trem enquanto olhava pela janela. Hoje, esse espaço mental é constantemente interrompido por notificações que nos puxam de volta ao ciclo de consumo: rolar, clicar, reagir, rolar.
Enquanto isso, a maneira de navegar vai ficando mais limitada. As maravilhosas descobertas por acaso dão lugar às recomendações. Os hiperlinks diminuem, os desvios também. E a web, antes cheia de cantos novos, agora parece um circuito fechado onde sempre voltamos aos mesmos lugares para ver as mesmas coisas. A serendipidade, uma das grandes alegrias da internet de outrora, desapareceu quando tudo passou a ser regulado pelos algoritmos. Como escreveu minha amiga genial
: “o que acontece é que a internet está sendo usada como uma técnica de controle, muito mais que de espalhamento. e isso impacta demais as nossas culturas.” A gente já sabe no que isso está dando.Não existe uma saída simples. A internet é parte do nosso cotidiano. Será que aos poucos migraremos ao que alguns chamam de cozy web, uma web mais silenciosa, feita de textos para ler no seu tempo, fóruns pequenos, blogs pessoais e comunidades fechadas? Espaços com menos plateia e mais conversa. Com menos feed e mais pausa. Não é exatamente uma fuga, mas uma mudança, um retorno ao tempo das coisas que não precisam ser exibidas o tempo todo.
Não acredito que o futuro seja viver offline, mas precisamos redescobrir como usar a internet em nossos próprios termos, encontrando os espaços onde ainda podemos pensar por nós mesmos, sem a constante mediação dos algoritmos e a pressão da performance digital. Ou, quem sabe, voltar a vê-la apenas como uma ferramenta e não como um mundo completo.
Mulher do fim do mundo

💻 Ninguém aguenta mais ficar online;
🏃🏻♀️ things I notice when i’m not rushing;
📱 Scroll, Sin, Repeat: You’re Not Doomscrolling—You’re Under a Spell;
👾 Make internet for weirdos again;
🤯 Tive o privilégio de ouvir o artista Alfredo Jaar (o pai do Nico) falar sobre sua exposição “The End Of The World” por quase 2 horas no KINDL, espaço privado de arte em Berlim. Como não tenho talento para transportar a palestra em palavras, em especial quando envolve política, deixo este texto maravilhoso da Ana Hupe: Tonight No Poetry Will Serve (em português);
💥 Para continuar em boa companhia, tem uma boa entrevista com o Alfredo Jaar aqui;
🍑 “Reading party” já era, agora a nova onda é “Naked People Reading”;
👩🎤 O que é fama em 2025? (em inglês)
📺 Estou assistindo e adorando “Dying for Sex” (Disney) com a maravilhosa Michelle Williams;
🎧 Deixo um álbum fofo antes de ir: “Formless”, da Ora Cogan.
adorei, lalai.
e tb adoro esses textos que vc linkou, da Browne e da yaci (acho que foi vc quem me mandou a news dela há pouco tempo).
num outro tom, nada a ver com o texto: é impressão minha ou as pessoas que tem produzido textos mais significativos e robustos sobre internet aqui pelo substack brasileiro são mulheres? tava pensando aqui com meus botões, a gente poderia organizar uma coletânea de ensaios com essa galera né
(fica aí a ideia)
Texto maravilhoso, Lalai. Amei o conceito de cozy web, não conhecia. E vou ler os dois artigos que você indicou. Parece que eles acreditam numa luz no fim do túnel, né? Eu espero sinceramente que essa dependência do online seja um dia chamada pelo nome que merece (e tratada como o vício em álcool ou tabaco).