Espiral #50: "Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro"
Verão em Berlim, Beyoncé, amapiano, metaverso e DAOs
*Trilha sonora para essa newsletter: playlist “Life is a film”, de Hania Rani
Expectativa x realidade
A primeira visita dos meus amigos brasileiros em Berlim me causou uma ansiedade inesperada. Eu queria mostrar para eles a “minha Berlim”. Fiz um guia com meus lugares favoritos, fiz milhões de planos, não parava de compartilhar links de eventos e lugares que gosto, mas, por fim, eu tive dificuldade em escolher o que mostrar. Afinal, qual é a minha Berlim?
Dei-me conta de que a minha Berlim é a rua, é pedalar em bairros distantes cercados por casinhas suburbanas, é participar de um churrasco numa típica casinha de verão alemã, é passar horas lendo um livro no Mauerpark que, apesar de famoso, é um dos parques mais desprovidos de charme da cidade, mas é atrás da minha casa.
A minha Berlim é pedalar pra lagos bonitos e outros nem tanto; é passar a tarde jogando ping pong e tomando cerveja barata; é almoçar sentada na grama da pracinha do lado de casa; é ver o por-do-sol da laje da casa de um amigo, ou à beira do canal em Kreuzberg, ou no topo do Humboldthain ou no Tempelhof; é frequentar alguns restaurantes pelos quais eu tenho afeto, mas que nada têm de especial; é entrar e sair de lojinhas de móveis vintage; é ir em aberturas de exposições lotadas para economizar o dinheiro da entrada; é revirar os mercados de pulga atrás de coisas para a minha casa as quais eu não preciso; é almoçar barato nas feirinhas de rua no sábado.
Ou seja, não tive sucesso na minha pretensão. De alguma maneira, tudo o que eu gosto de fazer pareceu comum demais. Num papo bem honesto com um dos amigos, que percebeu a minha ansiedade escorrendo dos meus poros, caiu a minha ficha de que a “minha Berlim” não é a cool Berlim que habita o imaginário de quem não mora nela. Era ela que eu queria mostrar, mas vivo nesta Berlim muito de vez em quando.
Engoli o choro, respirei aliviada pelas minhas falsas expectativas criadas e decidi que passaria a (provável) semana mais quente do ano em Berlim ao lado deste amigo curtindo uma das coisas que os alemães são profissionais em fazer e eu adoro: farofar.
Passamos o primeiro dia fritando no sol à beira da piscina da Soho House, lugar menos Berlim de Berlim, o qual eu adoro falar mal, mas que é para onde eu vou quando estou com saudades de São Paulo. Pelo menos era segunda-feira e o cardápio estava todo com 50% de desconto.
No outro dia, fomos para uma praia chamada Plötzensee, de fácil acesso de transporte público e perto do centro, ou seja, a torcida do Corinthians teve a mesma ideia e estava toda lá. Português era o segundo idioma mais falado antes mesmo do Inglês; a entrada era 2,50 euros mais cara do que a de outras prainhas privadas, mas dava um vale-drink, que eu troquei por um copo grande de plástico, cheio até a boca com prosecco e gelo; a areia estava bem concorrida, o que nos fez armar o guarda-sol num quadradinho minúsculo ainda disponível; a gritaria da criançada era mais alta do que o reggaeton que saía das caixinhas portáteis de som que as pessoas usam despudoradamente em Berlim; e, provavelmente, a água servia também de vaso sanitário, já que o banheiro era um pouco longe da praia.
Já exausta de tanto sol na cabeça, optei no terceiro dia em levá-lo para uma piscina pública atrás da minha casa, uma espécie de piscinão do Sesc, que conta com uma área arborizada garantindo áreas com sombra (sem água fresca) para fugir dos 38 graus marcados no termômetro. Entrar na piscina era uma grande missão, pois estava tão cheia, que parecia esta cena na praia de Hong Kong:
A nossa temporada de verão se encerrou com um passeio numa casa flutuante marcado um mês antes com um grupo de amigos. Sorte a nossa que o sol voltou depois de dois dias de arrego. Fomos brindados com um dia ensolarado e temperatura mais amena, 28 graus, num lugar distante da cidade, onde fizemos nosso churrasco no “alto mar” do lago sem gritaria e confusão além da nossa.
Depois de uma semana deliciosamente solar, cheia de descanso e relaxamento, eu me dei conta de que a gente insiste em colocar no outro as nossas próprias expectativas. É nessa projeção que nos frustramos. Eu me deixei levar pelo que acho que as pessoas esperam de mim, assim como nós temos permitido os algoritmos ditarem os nossos gostos.
Eu me estranhei por uns dias porque a Lalai que eu via não era mais eu, mas por sorte, o meu amigo não me reconheceu nela e me avisou, assim como o sábio Caio Fernando de Abreu deu a letra “Se livrar. Deixar pra trás. Algumas coisas não servem mais. Você sabe.” A Lalai paulistana que estava em todas as rodinhas sociais da cidade não existe mais. Ela ficou pra trás.
Let’s get it right
Me rendi ao pop ouvindo “Renaissance”, da Beyoncé, um álbum feito pra dançar. Mas afinal, a Queen Beyoncé está querendo nos avisar que o mundo está chegando ao fim? Este artigo mostra algumas teorias da conspiração desenvolvida em volta da cantora a partir do lançamento do novo disco.
Esta thread do Paulo Corrêa esmiuça cada faixa de “Renaissance”, com suas referências e samples, inclusive nota que “America has a problem” tem o mesmo sample que uma das músicas do Furacão 2000. A minha faixa favorita é “Virgo’s Groove” e a sua?
Eu nunca tinha ouvido falar no estilo musical amapiano (por onde estive este tempo todo?), surgido há cerca de dez anos na África do Sul, até assistir esse documentário da BBC. O TikTok tem sido uma das plataformas responsáveis em fazer o amapiano, que significa “o piano”, ganhar as pistas do mundo a passos largos. A hashtag #amapiano soma 4,3 bilhões de visualizações na rede e nasceu pronta para os famosos desafios da rede. Para conhecer mais, recomendo ouvir essa playlist.
Living in another world
Apesar de eu ser uma entusiasta do metaverso, eu acho que ele ainda está bem distante do será de fato e a maioria das minhas experiências foram frustrantes. O projeto The Row, que tem por trás uma empresa de empreendimentos imobiliários e a desenvolvedora de metaversos Everyrealm, convidou artistas renomados, como o Daniel Arsham, para criarem 30 propriedades virtuais que serão vendidas como NFTs únicos para um clube milionário do Bolinha, mas ainda assim gostei do conceito e da estética (talvez porque eu adoro o trabalho de Arsham).
O Vitalik Buterin, criador do Ethereum, acredita que o metaverso vai acontecer, mas que as tentativas corporativas, como a Meta, vão falhar porque ainda é muito cedo para saber o que as pessoas querem. Há muita coisa que não queríamos (ou não sabíamos) e as redes sociais nos fez querer. Ao ver empresas como a Meta e a Microsoft investindo no metaverso eu acho que elas criarão necessidades que não ainda temos, mas que elas nos farão ter. Ainda assim, eu torço que o Vitalik esteja certo em suas previsões e o metaverso nos deixe ser menos refém das big techs.
Gostei da reflexão de Richard Kerris, da Nvidia, que diz que o metaverso não é um lugar ou destino como as pessoas afirmam, mas será a rede da próxima versão da internet.
A ColorsXStudios é uma das plataformas de música mais bonitas visualmente que conheço. Baseada em Berlim, foi lançada em 2016 com foco em showcases de artistas emergentes produzidos numa estética bem minimalista. Lançaram recentemente uma DAO (Organizações Descentralizadas Autônomas) disponibilizando 1.700 “Founding Passes”, sendo mil disponíveis pra venda pública por 0.25ETH (cerca de 400 dólares).
A era da social media está chegando ao fim? É o que muitos especialistas estão dizendo e talvez esteja mesmo. Eu acredito que estamos entrando numa nova era das comunidades, que já nos acompanha há muito tempo, mas que tem ganhado força com o avanço da Web3. Para quem quiser mergulhar um pouco mais sobre o futuro da Web3, eu recomendo este artigo do Packy McCormick.
Esta nova Web3 está possibilitando a criação de novos modelos de negócios para as mais diversas áreas, inclusive para impulsionar a cena noturna mundo afora. Um dos projetos mais legais que vi foi o Refraction que, inclusive, já teve eventos em São Paulo e em Berlim.
Seria possível um festival de música ser criado no modelo de DAO com diversos membros fundadores? É a proposta do Superf3st, projeto encabeçado pelos fundadores do Bonaroo e Superfly. Se perdeu no que é DAO? Explico um pouco aqui sobre o que se trata uma DAO.
Enquanto o Instagram tenta virar o TikTok, a Bytedance planeja lançar um novo app para concorrer diretamente com ele. O app Kesong será focado em fotos e possibilitará a criação de loja virtual como o Instagram.
Para saber o que tem rolado no mercado de NFTs, deixo este relatório com os números do Q2 2022.
Adorei a descrição da ansiedade dos amigos visitando a cidade. Eu já abracei o papel de residente desnaturada e toda vez que alguém vem visitar Nova York, EU que pego com os turistas a dica de quais são os restaurantes legais e da moda e tal. Por conta própria, só sei levar até o brunch da esquina.