Espiral #49: Uma noite com amigos no KitKat
Mulheres invisíveis, Caterina Barbieri, Psicotrópicos, WHOLE e Festival Marte
Meus amigos de São Paulo vieram me visitar em Berlim. Eu queria que o nosso primeiro encontro fosse memorável, afinal esperei dois anos por este momento. Jantar? Mas onde? Festa? Qual? Drink na minha casa? Tarde no lago? Por-do-sol espetacular na laje do amigo ou à beira do canal em Kreuzberg?
Acabei escolhendo um plano mais ousado com a ajuda de uma amiga. O que vem à mente de muitas pessoas quando pensam em Berlim? Techno, Berghain e festas fetichistas com sexo liberado. Escolhi a última, que poderia garantir risadas e, talvez, boas histórias para contar.
O dress code da festa escolhida era “Poderoso, lubrificado, gorduroso, liso, sujo, fetiche. Sem roupas casuais.”, mas a nudez é sempre bem-vinda no KitKat. Eu suavizei para não intimidar. Mandei o briefing no grupo “SP-Berlin Sommer 2022”, no WhatsApp: “Festa na sexta-feira, nomes na lista. Roupa de fetiche, látex, couro ou vá como veio ao mundo, que estará tudo certo. Quem se empolgar e quiser investir num figurino, indico a loja Schwarzer Reiter para comprinhas.”
Constrangimento sequer me passou pela minha cabeça. Morando em Berlim há três anos, a nudez em público não me é mais estranha, ela faz parte da cultura alemã. E, vamos concordar, que quem frequenta o carnaval brasileiro e/ou as festas underground de São Paulo não vê nada de novo no que rola por aqui.
O encontro se deu num esquenta na casa de uma amiga. Eu me surpreendi que todos levaram o briefing à sério e estavam empolgados com o que viria pela frente.
Depois de esvaziar algumas garrafas de vinho e cerveja, seguimos para o club de fetiche mais famoso e antigo da cidade e, consequentemente, um dos mais turísticos, o KitKat. Conhecido por suas festas de fetiche e sexo liberado, o KitKat se tornou lendário ainda de portas abertas, mantendo a casa sempre lotada nos seus 28 anos de existência.
Apesar da noite fria, que nos fez tirar o casaco do guarda-roupa, a fila virava a esquina com pessoas seminuas esperando sua vez de entrar ou ser barrada. Mesmo atraindo uma horda de turista, é preciso saber como se vestir e se comportar para entrar, pois o KitKat tem dress code específico para suas noites e ser mandado de volta pra casa é comum.
Os nossos celulares foram deixados na chapelaria junto com as nossas roupas. A noite era de uma das festas queer mais famosas de Berlim, porém boa parte do público era hétero com muitas mulheres, e bem jovens.
Seguimos para um bar bem iluminado vestidos nos nossos minúsculos trajes, pois nenhum de nós aderiu à nudez. Pegamos uma cerveja e nos sentamos num dos vários puffs espalhados que iam sendo ocupados para interações de todos os tipos.
Ao lado, uma piscina azul, considerada uma das sensações do KitKat, ainda esperava ser ocupada e ter seu balanço pendurado no meio disputado quando vira um palco de performances improvisadas. Conforme a madrugada avança e o álcool (ou outras substâncias) sobe, muitas coisas começam a acontecer por ali.
Decorado com iluminação ultravioleta e pinturas extravagantes fluorescentes do artista Vigor Calma, o KitKat parou esteticamente nos anos 1990, época em que foi inaugurado, assim como seu site oficial parece saído do jurássico Geocities, mas que continua sendo atualizado religiosamente.
Atravessamos uma sala com tijolos à mostra com cara de cenário de filme pornô BDSM (não que eu já tenha assistido um). Camas de estrutura de metal, arrumadas com lençóis brancos e travesseiros, um balanço de couro preso em correntes, uma cadeira ginecológica, que sempre me deixa intrigada quando a vejo, vão sendo ocupados no decorrer da noite.
A pista principal é espalhafatosa com decoração psicodélica, lustre de cristal imperial, “queijos” para dançar, strobos, globo espelhado, pinturas nas paredes, sofás e a cabine do DJ no alto como num altar. É muita informação num só lugar.
Portas e escadas se revelam por todos os cantos. Encontramos uma segunda pista, mais escura e sem muita decoração à vista. Nela, estava tocando uma variação de hard techno muito ruim, que parece atrair fãs, já que a pista está lotada.
A terceira e última pista, no subsolo, era a mais agradável. Pequena e iluminada em cor-de-rosa, era a área mais intimista, divertida e queer da festa. Fiquei com metade dos amigos por lá até “Over and over, laid back, laid back, laid back we'll give you play back”, do Hot Chip, tocar e me enfiar numa máquina do tempo e me mandar para longe. Achei que era hora de pegar uma cerveja e circular novamente.
Mais frequentado por turistas do que por locais, o KitKat é um playground. Vi muita gente deslumbrada com sorrisão colado na cara, com a zona livre, leve e solta que é o lugar. A mesma expressão que vejo na cara dos amigos que vão ao carnaval no Brasil pela primeira vez.
Algumas horas depois de vagar entre as três pistas atrás de música boa, desistimos e nos sentamos já meio sonolentos à beira da piscina, que a essas alturas tinha se tornado uma versão moderna do Jardim das Delícias. Uma menina nua, de pele muito branca e cabelos ruivos nos ombros, impulsionava o balanço com toda a força para frente e para trás rindo alto, enquanto algumas pessoas em volta tiravam o que restava de roupa e se jogavam animadas na piscina.
Como observou um amigo, parecíamos um elenco da Globo enviado para Berlim para gravar um capítulo de novela numa típica festa de fetiche. O relógio marcava 4h30. A noite estava apenas começando por ali, mas para o elenco da novela, as gravações estavam encerradas.
Provavelmente, o programa escolhido não era nada do que os meus amigos esperavam em Berlim, mas a gente gosta de surpreender. A noite foi caricata com música ruim, mas no fim foi a escolha certa. Nós nos divertimos, dançamos a música ruim mesmo e rimos bastante. Com certeza, a noite deixou histórias para cada um contar depois e é isso que eu mais gosto de colecionar.
Eu achei interessante, mas como é o respeito com as mulheres? Vi relatos de mulheres que se sentiram mais seguras nesse ambiente do quem em muitas outras festas, porém fico receosa de um possível assédio
No fim, vim pensando q ia sair desestimulado a ir no kitkat mas... bem, agora quero ir MAIS ainda.