"O que é vertigem? Medo de cair? Mas porque temos vertigem num mirante cercado por uma balaustra sólida? Vertigem não é o medo de cair, é outra coisa. É a voz do vazio debaixo de nós, que nos atrai e nos envolve, é o desejo da queda do qual nos defendemos aterrorizados." - Milan Kundera
Trilha sonora para essa newsletter: Vök, Vök, um pop delicioso que continua ressoando na minha cabeça desde que voltei do SXSW
A viagem
Na semana passada eu visitei um dos lugares que estava no topo da minha lista de desejos: Aiguille du Midi, em Chamonix, uma montanha de paisagem dramática a 3.842 metros de altitude, no maciço de Mont Blanc. Para chegar lá, são necessários dois teleféricos, que sobem e descem numa velocidade de 90km/h, que vão tirando o nosso fôlego tão logo entramos neles.
Escadas conectam construções em diferentes picos da montanha, uma delas toda de vidro em que ao entrar, nos sentimos flutuando no espaço. A vertigem vem, a pressão cai e é necessário coragem para seguir por escadas feitas de metal com grades que mostram cheias de sorrisos os 3 mil metros de queda abaixo dos nossos pés. Por lá, o melhor é não olhar para baixo a não ser que altura não seja um problema para você.
A primeira vez que vi Aiguille du Midi foi num dos álbuns de viagens de esqui do meu marido. Babei e garanti que um dia iria para lá com ele. Porém, viagem de esqui é cara demais, Chamonix é cara também, então posterguei porque tinha outras prioridades e pouco dinheiro no bolso.
Coincidentemente, no comecinho da pandemia o The Blaze fez uma live no topo dessa maravilha dos Alpes franceses. O queixo caiu, o coração pulou e eu gritei no meio da sala “Ola, me leva para esse lugar que você sempre vai!”, mas estávamos trancados em Berlim e o sonho foi deixado numa alta pilha de desejos acumulados.
Já sabemos, mas vou repetir porque às vezes esquecemos: Não há melhor lugar para nos reconectarmos com nós mesmos do que na natureza. Se ela for esplêndida e infinita, essa reconexão pode chegar na velocidade da luz. Se possível, aproveite para pegar uma carona no DeLorean rumo ao futuro, que muitas vezes deixa de existir quando estamos fora do nosso eixo.
Em agosto do ano passado, o Ola começou a planejar sua viagem anual de esqui e trouxe o assunto à tona para discutir. Não seria esse o momento de eu me juntar a ele após sua expedição e curtir uns dias ao seu lado num chalé romântico em um vale cercado de montanhas geladas? Topei, três amigos toparam também. Formamos uma turma e embarcamos animadíssimos para a meca dos esquiadores.
Antes de chegar em Chamonix, eu viajei para Austin, no Texas, para visitar um dos maiores festivais de inovação do mundo, o SXSW. Por lá, eu fui buscar um lampejo do futuro e de esperança que andaram me faltando nos últimos meses.
Foram duas viagens totalmente opostas, ambas intensas e complementares. Enquanto no SXSW o cansaço foi cerebral, em Chamonix o cansaço foi físico, já que passei os dias subindo teleféricos em montanhas altíssimas para então deslizar em pistas de chantili num vai e vem incansável. Na minha última subida no sábado, eu não sei exatamente o que aconteceu, mas quando me dei conta, eu estava voando alto. Dei três cambalhotas descendo descontroladamente pista abaixo até me estatelar de cara na neve com os esquis ainda presos nos pés. Não quebrei nada graças a deus, mas uma pequena cólica se instalou em mim desde então (já está melhorando).
Pontos que andavam soltos em mim voltaram a se reconectar desde que embarquei no primeiro avião dos seis voos que fiz nas duas últimas semanas: Berlim - Amsterdã - Austin - Atlanta - Amsterdã - Berlim - Genebra. Ufa! Orgulho não tenho de voar tanto em tão pouco tempo.
E como eu estava precisando de tudo isso e não tinha me dado conta. Agora estou aqui, meio quebrada, meio inteira, com sorriso saindo até da cintura.
Austin
Encontrei uma Austin muito diferente e mais gentrificada em relação à cidade que visitei em 2019. Quase caí para trás quando caminhei para a Rainey Street, rua separada do Centro pelo rio que corta a cidade. Num passado não muito distante, essa rua tinha paisagem quase bucólica com casinhas de madeira e jardins floridos se enfileirando pelos seus 4 quarteirões. Agora, ela está tomada por canteiros de obras, gruas e 11 arranha-céus, entre os já construídos e a construir, para abrigar 3.800 apartamentos residenciais. O Bungalow, bar que frequentei bastante, ficava numa dessas casinhas e foi vendido por cerca de 10 milhões de dólares tamanho tem sido a valorização da região. Como disse um amigo: “Nossa, tá parecendo Pinheiros!”, não pelos 10 milhões, claro.
Austin também está mais cara para comer, beber e se hospedar. A cerveja, que costumava custar entre 4 e 5 dólares em 2019 nos bares e nas casas de shows, agora custam entre 8 e 15 dólares durante o SXSW. Quando o festival acaba, ela volta a custar em média 4 dólares.
Esse ano, embarcaram mais de 2 mil brasileiros para o festival que, como o mesmo amigo bem pontuou, enchem uns 8 aviões para entender a grandeza desse número. Não é de estranhar que um dos maiores patrocinadores de 2023 tenha sido o Itaú.
A futurista Amy Webb fez uma das palestras mais concorridas do SXSW para apresentar seu famoso relatório de tendências tecnológicas, que é possível baixar na íntegra aqui. Mas quem ganhou o meu coração foi a Tilda Swinton, que teve que parar no meio da rua para tirar uma foto comigo.
Estou ainda me recuperando da bombardeada de estímulos recebidos em Austin, onde mergulhei em conversas sobre inteligência artificial, psicodélicos, metaverso, música, estreias de filmes e shows de bandas as quais eu nunca tinha ouvido falar e me apaixonei, como Thee Sacred Souls, e outras mais conhecidas, como a islandesa Vök, que fez o meu show favorito do SXSW deste ano.
No fim da próxima semana eu publicarei meu especial sobre o SXSW com os aprendizados, insights e as referências que trouxe comigo na mala, assim como a minha análise pessoal se eu acho (achismo meu já aviso) que vale ou não a pena investir todo o dinheiro necessário para participar do South By. Para ter uma ideia: Quem vai num modo bem econômico, investe pelo menos R$ 20 mil (com o dólar atual de R$ 5,50) para passar 7 dias no festival. É bastante grana para quem vai por conta própria.
Chamonix
Estou apaixonada por Chamonix, uma cidade pequena charmosíssima encravada no sopé dos Alpes franceses, onde mora uma população de cerca de 10 mil pessoas. Para quem gosta de esquiar, Chamonix é um oásis, já que a cadeia de montanhas em volta oferece 492 pistas de esqui, somando 150 quilômetros de extensão, sem contar toda a área “off pist”, que os mais profissionais preferem.
Eu já escrevi sobre o assunto numa das edições da Espiral, mas volto a repetir: Aprender a esquiar tem ensinado muito sobre persistência, porque se tem uma pessoa que nasceu totalmente inapta para esse esporte, fui eu! A primeira vez em que me aventurei foi em 2011 e, com exceção da época de pandemia, eu esquiei praticamente todos os anos. Pensei em desistir diversas vezes, mas no ano seguinte lá estava eu, parecendo uma pata, tentando novamente.
Não sou uma grande esquiadora, mas a cada ano eu pulo de alegria com minhas novas conquistas na pista a ponto de ansiar pela temporada seguinte.
Foram 6 dias sem querer tirar os esquis do pés, em especial porque ganhei um par de botas novas para chamar de minha que foram devidamente moldadas nos meus pés.
Outro lugar que me impressionou bastante na região foi o Mer de Glace, a maior geleira da França, com 7 quilômetros de extensão e 200 metros de profundidade. No passado, ela se estendia até a cidade, mas com um derretimento de 8 metros de espessura de gelo por ano, ela recua consideravelmente a cada ano. Na época em que construíram o teleférico para visitá-la, ele terminava exatamente na lateral dela. Hoje descemos do teleférico e mais 580 degraus até alcançá-la. Ao longo da descida placas vão mostrando onde ela se encontrava nas últimas décadas. Mesmo sentindo na pele o aquecimento global, é alarmante ver esse degelo tão acelerado.
In the end you’ll know
As rapidinhas antes de ir:
👯♀️ A magia dos encontros possibilitada pela internet;
💻 Série de webinários gratuitos para mergulhar mais a fundo nas tendências apresentadas no relatório do FTI pela Amy Webb, no SXSW;
🎤 Aqui tem uma ótima pílula da palestra dela no SXSW;
🤖 Conversa na íntegra com um dos criadores do ChatGPT, Greg Brockman, no SXSW. Spoiler: Ele foi bem sabonete nas respostas;
📚 Estou lendo duas obras distintas e ambas bem densas: “A Natureza da Mordida”, da Carla Madeira, e a biografia “Sontag: Vida e Obra”, de Benjamin Moser;
foi o que me levou à biografia da Susan Sontag;👵 Foi a Nina Lemos quem escreveu, mas eu adoraria ter escrito esse texto sobre envelhecer na Alemanha;
👨🏼🎤 Como não ser fã do produtor musical Rick Rubin, nome por trás de produções de Beastie Boys a Jay Z e Neil Young, que tem dado ótimas aulas sobre criatividade aqui e aqui e que recentemente lançou “The Creative Act: A Way of Being”?
Goodbye. ✌🏽
Eu tô vivendo ou lendo o livro do Rick Rubin? A discutir...
Mulher, tu tá muito ninja do ski dando cambalhota! Respeitei hein.
(e melhoras!)
Essa seleção de links tá ótima, muito muito obrigada pela lista e pelo texto sempre muito bom de ler.