Espiral #106: A chegada em São Paulo
Mal cheguei na capital paulista e já estou cheia de histórias + calendário 2024 + o que já anda agitando meus ouvidos e arregalando meus olhos
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter semanal dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim à música, arte, cultura, inovação e literatura, além de trazer sempre dicas de assuntos que andam revirando meus sentidos.
Trilha sonora para essa edição: 'everything is alive', do Slowdive.
Essa edição atrasou porque, na última semana, eu viajei de Berlim para São Paulo para visitar meus pais e, de quebra, escapar do inverno. O jet lag está cada vez pior, o calor intenso abalou minhas estruturas e eu só quis entrar num avião e voltar para casa. Sigo sufocada de calor, mas me sentindo bem e agora sem pressa de retornar para a minha amada cidade. Os primeiros dias foram frutíferos, com muitas boas notícias, projetos novos e sorrisão bailando nos olhos. Se você não gosta muito de gente feliz, talvez eu fique um pouco intragável se tudo continuar acontecendo como está.
1.
Embarquei em Paris às 23:10 na segunda-feira da última semana. Bateu aquela felicidade de quem viaja em classe econômica ao constatar que o assento ao meu lado estava vago. Eu viajo sempre com a KLM/Air France desde que me mudei para Berlim, mesmo que, às vezes, a passagem seja um pouco mais cara. Por quê? Acho vantajoso acumular pontos num só programa. O deles (Flying Blue) hoje me livra de custos com despacho de bagagem, marcar assento sem pagar por isso, os upgrades ficam mais viáveis, acesso ao lounge, entre uma e outra vantagem aqui e ali. Isso não é um jabá, apesar de um dia a KLM ter sido a marca mais bonita do planeta patrocinando a minha volta ao mundo. Não temos mais acordo comercial, mas me tornei uma cliente fiel.
Ao marcar o assento, eu optei por um lugar no fundão, pois se o voo não está cheio, é geralmente por lá que sobram lugares vazios. As pessoas preferem voar na frente. O voo estava tranquilo, tinha uma fileira de três lugares com todos eles vazios, então corri para ficar com um pé na cozinha: 42A. Foi aí que algo chamou a minha atenção pela novidade - ao menos para mim. O sistema ofereceu gratuitamente o assento escolhido, mas sugeriu eu comprar o do meio por uns R$500 ou por ele mais o do corredor por R$1.000, garantindo assim a fileira toda só para mim. Ou seja, por R$ 1.000 eu teria uma poltrona semi-leito à disposição.
Achei o fato curioso e inteligente, mesmo que olhando torto para essa iniciativa. Desisti dos fundos e fui lá para a fileira 18 sem pagar extra e, por fim, tive de brinde um lugar vazio ao meu lado.
É impressionante como surgem cada vez mais novos produtos e serviços que no passado eram gratuitos, como o café, a água e até a mala despachada em voo transatlântico.
2.
Assisti "Bem vindos a bordo" (MUBI), de Emmanuel Marre e Julie Lecoustre, com a magnífica Adèle Exarchopoulos, filme que mostra esse lugar impessoal, massificado e entediante que é voar hoje em dia. Será que em um futuro próximo viajar em pé será realidade? A ideia já está rolando há algum tempo, só fica a dúvida se não rolou por falta de regulamentação ou por bom senso. Eu não duvido de mais nada.
3.
O meu voo passou por muitas turbulências, o que me aflige bastante. Quando consegui dormir, eu tive um sonho lúcido de que o avião estava caindo, mas o piloto conseguiu pousar à beira de um penhasco. Eu queria ligar para o motorista que iria me buscar no Aeroporto de Guarulhos para avisá-lo que atrasaríamos bastante. A situação era perigosa, porque o piloto começou a dar cavalo de pau na rua. Era desesperador. No sonho, eu apertava os olhos e repetia ‘estou sonhando, estou sonhando, estou sonhando’ até acordar num sobressalto e me dar conta de que estávamos estáveis a mais de 12 mil metros de altitude. Chegamos salvos em São Paulo.
Quando saí na rua eu quase tive um choque térmico com a alta temperatura. No fim das contas, foram 22 horas de viagem porta a porta, o que me faz sentir mais cansada, mas feliz por estar bem instalada, com uma bonita vista de São Paulo - que tem vista bonita sim, com projetos novos entrando e boas conversas com meus pais.
4.
Soube que o filho de uma amiga da minha mãe se mudou com a esposa para Portugal. Marcaram o dia e horário do voo para irem, aguardaram um mês, fizeram as malas, atravessaram São Paulo e chegaram com a mala cheia de sonhos no guichê da TAP, no Aeroporto de Guarulhos. Entregaram os passaportes para o atendente, que digitou, olhou para a tela, digitou de novo e voltou para o casal dizendo que não tinha encontrado a passagem. Pediu o número da reserva. "Mas que reserva?", "A reserva do voo. Quando você comprou a passagem?" "A gente não comprou, eu quero comprar agora."
É, eles acharam que passagem aérea se comprava diretamente no aeroporto. Escolheram a data e horário por conta do preço mais atraente que acharam na pesquisa. Não voaram. Voltaram para casa, compraram a passagem online e tiveram que esperar mais um mês para conseguirem atravessar o Oceano Atlântico.
5.
Meus pais moram próximos a uma ponte da Rodovia Bandeirantes. Nos últimos anos, sempre que vou visitá-los, observo com tristeza um pequeno grupo debaixo dela vivendo do jeito que dá. Quando passei por lá na minha chegada, notei que as barracas tinham desaparecido. O lugar estava limpo. Quando comentei com meu pai, que costumava levar comida para eles, ele me contou que ganhara na quina na loteria. Após isso, partiram, mas ninguém sabe para onde foram.
6.
Dormi antes das 10 horas da noite no primeiro dia, mas no segundo fui tarde para a cama e decidi assistir um filme. Quando abri o computador, vi que a internet não estava funcionando. Desci para dar uma olhada no modem e meu pai estava na cozinha. "Pensei que você já estivesse dormindo." "Ah, a internet caiu e vou dar uma olhada para ver se consigo conectar novamente." Meu pai riu: "Eu desliguei a internet porque achei que você estivesse dormindo."
Meu pai desligou a internet, aquela que não é mais um lugar onde essa menina costumava ir. (Obrigada Bia por ter me mandado esse tweet, não consigo parar de vê-lo).
7.
Eu pedi um cheesburger com saladinha de acompanhamento do Ritz. Gastei R$ 83 no pedido incluindo os R$ 10 de entrega. Lembrei-me de quando eu pagava R$ 30 por esse mesmo combo e não faz muito tempo.
O café da manhã, um pão com manteiga na chapa e um café filtrado, custou R$ 28 na padaria gourmet. O 'toast' com avocado custa R$ 50. Amigos, como vocês estão dando conta de sair de casa?
8.
Eu estava tomando café na tal padaria gourmet quando entrou um casal com uma criança de uns 3 anos no carrinho de brinquedo e a babá. De uniforme. Sentaram os quatro, a babá ficou encolhida a maior parte do tempo, porque a criança estava muito tranquila. Se antes eu já achava essa cena constrangedora, hoje ela me soa ainda pior.
9.
Um amigo foi passar o ano novo em uma pousada em uma "guest island"- como eles se autodenominam, no Rio de Janeiro. São poucos quartos espalhados em uma casa bonita, a "guest house" que no site me pareceu um conceito totalmente novo, mas é uma pousada.
Quando o barquinho chegou no píer, todos os funcionários da "guest island" estavam a postos esperando por ele, que se viu vivendo uma versão brasileira de White Lotus.
Foi cumprimentado por todos e levado para o quarto deixando a bagagem para trás. Quando retornou à área comum, ele foi apresentado para os outros cinco casais hospedados nos quartos restantes. A ideia da "guest island" é que todos se sintam em casa e se tornem amigos durante essa temporada em comum. Só há uma mesa para as refeições para que essa interação de fato aconteça. Pode ser legal? Pode. Pode ser fiasco? Muito. Afinal às vezes viajamos porque estamos precisando dar um tempo na interação social. Não é o caso lá.
Apesar de não ser o que o meu amigo estava buscando, no segundo dia todos já eram melhores amigos com exceção de um casal que preferiu não se misturar. O problema é que, apesar da ilha ser grande, a área de acesso dos hóspedes é limitada, então no fim das contas todo mundo convive muito próximo de fato.
Não perguntei, mas fiquei imaginando se na virada do ano os "guests" foram chamados para assistirem à queima dos "fireworks".
10.
Fui a um casamento ontem e me dei conta de que eu amo festa de casamento, seja ela cafona ou não. É muito amor rolando no ar que eu quase posso vê-lo.
Por favor, sintam-se à vontade para me convidar para a festa de casamento de vocês.
Under your spell
No início do ano eu costumo fazer meu calendário de eventos que quero ir no ano. Uma rápida pincelada aqui, mas compartilharei em uma newsletter especial (para assinantes pagos) alguns dos eventos mais interessantes que acontecem em 2024.
Caso a Bienal de Arte de Veneza, que abre as portas oficialmente dia 20 de abril, esteja na sua rota, fique de olho, porque é sempre uma boa oportunidade para esticar em outros eventos. Eu estou bem ansiosa com o resultado da curadoria do Adriano Pedrosa, que escolheu o tema 'Foreigners Everywhere'. Para Pedrosa, não importa onde você se encontre, você sempre é verdadeiramente e, no fundo, um estrangeiro você mesmo.
Em Berlim, quero muito ver a exposição 'Nancy Holt: Circles of Light', retrospectiva da artista estatudinense conhecida por sua arte de instalação, poesia concreta, arte da terra e esculturas públicas. Já quase no fim do ano, a Neue Nationalgalerie recebe a 'Nan Goldin - This Will Not End Well'.
Há tempos eu não vou para Londres e esse ano eu vou para ver 'Yoko Ono: Music of the Mind', no Tate Modern, a maior retrospectiva já feita da artista, e, de quebra, visitar as exposições 'Barbara Kruger: Thinking of You. I Mean Me. I Mean You', na Serpentine South, e 'Barbie', no The Design Museum.
Ainda não decidi para quais festivais de música irei nesse ano, mas sei que volto a Barcelona para o Sónar, uma boa desculpa para reunir amigos à beira mar. Quero também ir ao Flow Festival, em Helsinki, que fará sua última edição na atual locação, uma das mais bonitas que já vi. Vou finalmente conhecer o famoso Fusion, festival na Alemanha para onde quase todo mundo que eu conheço em Berlim se manda para lá no fim de junho.
Estou encantada pelo projeto Sertão Negro, o ateliê-escola de Dalton Paula em Goiânia. Saiba mais aqui.
TV
Finalmente me rendi à série 'The Bear' e estou entendendo todo o hype;
Assisti 'Bottoms', de Emma Seligman, que também dirigiu o ótimo filme 'Shiva Baby', com a Ayo Edebiri (The Bear) e Rachel Sennott (Shiva Baby). É um filme adolescente muito bom, inclusive para adultos. É cheio de referências atuais, boas críticas e divertido;
Já falei dela aqui, mas vou repetir: a premiada 'Treta' é uma das séries que mais gostei de assistir em 2023. E duas séries que esqueci de incluir nos melhores do ano, mas trago para cá: 'The Last of Us' e 'The Crowded Room'.
A próxima Espiral terá o filme 'Funeral das Rosas' (1969/Japão), de Toshio Matsumoto, como ponto de partida. Filme queer lindíssimo, divertido, cheio de referências culturais da época e visionário. Bem artsy, tanto que dizem ter sido uma referência estética Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick.
Don’t Stop the Music
O
tem me levado a ótimas viagens sonoras:Hatis Noti se inspira em Gagaku — música clássica japonesa — música folclórica, estilos operísticos, cânticos búlgaros e gregorianos, bem como vocalistas avant-garde e pop para criar seu estilo inimitável. Estou apaixonada pelo álbum "Aura", lançado em 2023. É lindíssimo e ótimo para relaxar (e até como trilha para uma boa meditação).
Sempre que quero me atualizar sobre a cena de música urbana no Brasil, eu colo na Creme, playlist para sempre revisitar.
"Little Rope", do Sleater-Kinney, já está na minha lista de melhor álbum de janeiro.
O episódio "o que seu incômodo está tentando te dizer", do Bom dia, Obvious, encheu meu caderinho de insights.
Reading
Um overview da inteligência artificial em 2023.
'O perigo de estar lúcida', de Rosa Montero, continua ressoando por aqui e preciso escrever a respeito do terremoto que me causou. Enquanto não o faço, indico esse ótimo texto sobre o livro.
Lembra quando a internet era um lugar? Uma ótima reflexão sobre cultura digital e bons insights de para onde estamos indo no
.2023 de acordo com o Reddit.
Atenção interessados em desenhar comunidades: a
lançou o Missão Amuta, uma jornada gratuita de 7 dias de reflexões e práticas para experimentar em qualquer relação ou comunidade.Estou redesenhando o planejamento editorial da Espiral para 2024. Até março, ela seguirá mais ou menos do mesmo jeito, incluindo dossiê mensal exclusivo para assinantes pagos. 🤗
Coloquei pra assistir Bem-vindos a bordo uns dias depois de ter pegado um voo longo altamente estressante e as primeiras cenas já me deram ansiedade, não dei conta hahaha tenho que voltar pra ele um dia
Senti Omatti astral daqui - contagiante! E Chocante os preços de Sp né?