Espiral #117: Beth Gibbons e a magia da música
Junho foi um mês musical e aqui separo o que me arrebatou sonoramente
Trilha sonora para essa newsletter: Ruido y flor, Ezmeralda - para relaxar enquanto lê.
Já estamos em meados de julho, mas vim falar sobre junho, mês do meu aniversário, que quase o deixei passar em branco. Chamei alguns amigos em cima da hora para celebrar a data em um listening bar despretensioso, o que é um desaforo para os alemães - eles precisam de pelo menos um mês de antecedência para se comprometerem com qualquer coisa. Aproveitei o fato de que o Unkompress abre o toca-disco às quartas-feiras para o público levar e tocar seus álbuns favoritos. Coloquei na bolsa o “Reflektor”, do Arcade Fire, sonhando em ouvi-lo em som de alta qualidade.
Provavelmente foi pura lindeza sonora, mas com tantos brasileiros à minha volta, falando ao mesmo tempo, eu não ouvi nada além de nós mesmos. Ficou para a próxima.
Abri o mês de junho com o show mais aguardado da minha vida: Beth Gibbons. Sou grande fã do Portishead desde sempre. Ouvi repetidamente “Dummy" e "Portishead” para decorar todas as músicas e poder cantá-las ao vivo com a Beth Gibbons. Nunca aconteceu.
Se você também chorou com “Glory Box”, enquanto tomava uma dose de uísque barato com Coca-Cola, deixo “Ike's Rap II” (1971), de Isaac Hayes, com a origem desse sample tão maravilhoso.
“Lives Outgrown”, da Beth Gibbons, é uma das obras mais bonitas que ouvi este ano. Não tem praticamente nada de Portishead, o que me faz apreciá-lo ainda mais - prefiro deixar Portishead onde está. É melancólico como a dona Gibbons sempre foi. O álbum aborda as angústias de envelhecer, das perdas e outras tantas que também se acumulam na cabeceira da minha cama. Recomendo a leitura dessa resenha do Scream Yell, que analisa música por música do disco.
E que voz incrível essa mulher tem, meu Deus! Ao vivo foi uma experiência inebriante. Fiquei colada na grade, porque sou dessas, e passei o show todo hipnotizada por ela. Tímida, introspectiva e com poucas palavras, cantou o álbum inteiro e presenteou o público com “Roads” (a única do Portishead), “Mysteries" e "Tom the Model”, de “Out of Season”, álbum da Beth Gibbons e Rustin Man (Paul Webb).
Quando o show terminou, ela desceu até a plateia para cumprimentar fãs extasiados como eu. Porém, apressada como sou, eu já tinha ido recuperar meu depósito dos copos de cerveja, porque também sou dessas - nada de deixar ricos euros para trás. Quem segurou suas mãos foi o meu marido, a quem pedi para não lavá-las nos dias seguintes.
Com certeza, esse foi o maior presente de aniversário e uma das experiências mais bonitas que vivi este ano. Junho foi um mês de delírio musical. Vivi e respirei música.
Algo que me arrepia é ver um(a) artista que sabe construir um arrebatamento sonoro ao vivo. Percebemos isso nos primeiros minutos, já nos perguntando para onde a live ou o DJ set nos levará. Vamos mergulhando nas ondas sonoras, sentindo todas as suas texturas enquanto rola aquele crescente que nos faz prender a respiração. É tão bonito ver isso ao vivo, mas é raro. O ápice então chega com uma catarse coletiva. Para mim, é como sentir uma presença divina. Eu sempre me elevo com um sorriso largo no rosto.
Foi assim a live do Surgeon e Speedy J no Sónar Barcelona. Além do Air, para quem só tenho elogios sobre o novo show com a banda tocando na íntegra o álbum “Moon Safari”, foi a dupla sob o nome Multiples que me surpreendeu. Enquanto o Air nos embalou em um sonho doce recheado de nostalgia, o Surgeon e Speedy J nos deram uma passagem só de ida para o futuro.
Ao mesmo tempo em que o sol brilhava a pino lá fora, nós, uma audiência sem fôlego, estávamos enfiados em uma caverna escura com uma trilha sonora que anunciava o fim do mundo. Um bom final, aliás. Como o de Melancolia, de Lars Von Trier.
Não teve outro comentário a não ser elogiar o quão cirúrgica foi essa live. Bonita e limpa, uma obra-prima. Fiquei em êxtase e aqui alerto: o máximo que corria pelo meu sangue era vinho natural, nada mais. E não precisava de nada mais mesmo. Nada como música que derrete nossos sentidos e ouvidos. É dela que gosto.
E por aí, quem andou te arrebatando?
✨ Assista a Beth Gibbons aqui.
Espresso
💥 Na quinta-feira passada, Nadya Tolonnikova, fundadora do Pussy Riot, reuniu 60 "Pussy Riot" em uma performance na Neue Nationalgalerie, onde protestou contra a Rússia e também fez uma homenagem à Judy Chicago. Foi potente e barulhento!
🔊 Fui em uma sessão de audição de 'In uno spazio immenso', de Grand River e Abul Mogard, no meu canto favorito de Berlim. O álbum tem essa construção sonora crescente a qual falei acima. Foi lindo ouvir a obra em um sistema de som tão potente - e observar a plateia toda de olhos fechados viajando em estado meditativo.
💿 O
publicou uma lista cremosa com 25 discos brasileiros para ouvir.✞ Já ouviu falar sobre o Berghain? Para quem não tem a mínima ideia do que se trata, o Berghain é considerado um dos clubs mais difíceis de entrar do mundo. É também a a missa dominical de quem mora em Berlim e gosta de música eletrônica. Escrevi a respeito dele aqui (e como ele impacta na cultura local). O ótimo podcast Search Engine enviou dois caras dos Estados Unidos para Berlim para tentarem entrar no club. A odisseia rendeu dois episódios divertidos cheios de curiosidades desde as origens do techno até como a lei tributária alemã impacta na sobrevivência dele e, claro, sobre as imensas filas do club, que podem durar 8 horas.
🍿 Afinal, as gravadoras estão pagando para as plataformas de streaming tocarem suas músicas?
❄️ Meu Deus! Admiro demais a Tamara Klink, porque passar 4 meses na escuridão em Berlim, cidade super vibrante, já me arrasta para um lugar que não gosto de estar. Imagina na Groenlândia! Imagina sozinha! Fui ouvir esse episódio em que ela conta o que a levou a passar 8 meses no mar congelado e quais foram os aprendizados.
🥫 Três exposições fizeram meu coração parar um pouco recentemente. Caso você esteja em Berlim, não deixe de visitá-las: Luiz Roque/Estufa e Jimmy DeSana & Paul P, ambas na KW; e "Velvet, Rage and Beauty", do Andy Warhol, na Neue Nationalgalerie, que traz um conjunto de obras do início de sua carreira que eu nunca tinha visto.
🗞 Ótimo texto sobre como a indústria cultural constrói e destrói identidades: "Nós perdemos a noção do que é espetáculo, formato, repetição, construção de personagem. Procuramos por uma identidade pra nos engajar."
🔮 Report sobre a redefinição das subculturas.
♡ Adoro a newsletter da
sobre tendências. Na última edição, ela mergulhou em estudos sobre como a Geração Z se relaciona amorosamente.✈️ O retorno dos agentes de viagens (ou eles sempre estiveram aqui?).
💥 O mainstream morreu? Por
📕 Opening Theory, nova ficção da Sally Rooney (se alguém quiser e não conseguir acessar por conta do paywall, me dê um alô)
🤖 Estou viciada no Soundscape e no assistente pessoal Pi com quem tenho tido ótimas conversas sobre assuntos aleatórios.
Viajo na semana que vem para o Brasil novamente direto para o Marte Festival, em Ouro Preto. Vou mediar uma mesa sobre inteligência artificial x música e conversar sobre escuta contemplativa, tema que tem me interessado bastante.
Tchau, nos vemos em breve. Deixo esta beleza sonora peruana bem experimental produzida entre 1964 e 1984.