Espiral #90: A zona de conforto
Você prefere ficar na zona de conforto ou gosta de se arriscar?
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter semanal dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim à música, arte, cultura, inovação e literatura, além de trazer sempre dicas de assuntos que andam revirando meus sentidos. Essa é uma edição disponibilizada na íntegra para assinantes pagos.
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Trilha sonora para essa newsletter: “Someone Close”, Floating Points.
Nesta última semana pensei bastante sobre a zona de conforto, tema que de vez em quando me ronda mais do que vespa no verão em Berlim, em dois contextos distintos: Quando nós optamos por sair dela e quando é um terceiro que nos tira dela.
“A zona de conforto é um lugar prazeroso, pena que nada acontece lá. Já a zona onde está seus sonhos é super cansativo. Na zona de conforto você não sente medo e raiva, mas fica estagnado para sempre.” - Verônica Hipólito1
Quando eu saio da minha zona de conforto
Eu sabia que estava saindo da minha zona de conforto quando decidi me mudar do Brasil para um país onde a língua oficial é o alemão. O idioma tem sido apenas a ponta do iceberg das dificuldades que eu enfrento por aqui, mas é o responsável por quase todas elas.
Soma-se a isso o fato de que eu estava prestes a fazer 50 anos com uma vontade louca de mudar de vida, fazer outra coisa, sair da estrada - o que eu precisei de uma pandemia para assumir - e me reinventar. Sigo tentando.
Há dias em que me questiono se fiz a escolha certa. Em São Paulo a vida era corrida, mas a vida profissional era bem resolvida. Por que então jogar tudo para o algo? E, por que a Alemanha? Eu sempre fui apaixonada por Paris, mas foi em Berlim onde decidi morar, porque o estilo de vida da capital alemã é um dos que mais me atrai no mundo. Uma cidade vibrante, rica culturalmente, a meca da música eletrônica ao mesmo tempo em que é relaxada. Eu queria sossego sem precisar sair da cidade grande.
“Paris é sempre Paris, Berlim nunca é Berlim.” - Jack Lang
Já fiz lista das coisas que gosto em Berlim e das quais não gosto para ver se não estou forçando a barra. A conclusão foi que, tirando os alemães (hahahaha, brincadeira!), os dias curtos no inverno, um sistema de saúde que me dá nos nervos e o pouco dinheiro no bolso, todo o restante vai bem.
Onde está o desconforto? Está no fato de que todos os dias eu tenho um desafio pela frente, desde fazer um mero pedido no restaurante e cogitar voltar para o mercado de trabalho a fechar projetos rentáveis.
Por que então sair da zona de conforto se é tão mais fácil continuar nela? Porque, como disse a Verônica Hipólito, nada acontece por lá. Corremos o risco de deixamos os nossos sonhos de lado.
Para uma pessoa como eu, que gosta de movimento e desafios, a zona de conforto é uma estação que não tenho pressa em chegar. Não me entenda mal. Eu não quero viver (e nem vivo) na corda bamba o tempo todo. Tem uma lista de coisas na minha vida que moram em uma casa ampla e ensolarada nas montanhas de tão acolhedoras e quentinhas que são.
O perigo mora justamente aí, porque morar numa casa aconchegante pode nos manter presos nela. Ter passado dois anos dentro de casa fez muita gente gostar de estar assim e nela está até hoje, afinal sair de casa dá trabalho e nos coloca em risco, mas geralmente quando saímos, gostamos da escolha que fizemos.
Isso serve para tudo, inclusive para as nossas relações familiares, amorosas e de amizade. Por que às vezes é difícil se afastar de pessoas que não nos fazem bem? Porque mesmo a zona de conforto não sendo benéfica, ela traz algum ganho para que seja confortável para nós.2 É uma grande cilada.
Sair da zona de conforto é se arriscar e é necessário resiliência para dar conta da bucha que é escapar dela. Vale a pena? Nem sempre, mas o que sempre vale a pena? O que não rola é ficar eternamente com um “e se eu ________?” martelando na cabeça.
Eu gosto de investigar o porquê de uma situação incomodar, porque um incômodo pode nos ensinar muito sobre nós mesmos e eu tenho aprendido bastante com isso. Quem faz o que quer é porque superou o medo do desconforto.
“É necessário sair da ilha para ver a ilha, não nos vemos se não sairmos de nós”. - José Saramago
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Quando nos tiram da zona de conforto
Trabalhei recentemente em um novo projeto para uma marca brasileira que veio buscar inspiração em Berlim. O formato é simples, mas a execução não. Eu mergulho no universo da marca e no seu mercado e, a partir disso, desenho uma experiência na cidade capaz de gerar insights, trazer novas referências e, principalmente, ampliar o horizonte para mostrar novas possibilidades para o futuro. No caso, voltar para casa com a cabeça cheia de novas ideias para melhorar e/ou desenvolver novos produtos e serviços.
Além de visita à lojas, eu escolho experiências que traduzam o estilo de vida de Berlim, convido pessoas de diferentes áreas para falar sobre temas que dominam e são relevantes para o cliente.
Quando pensamos em grandes marcas, não podemos esquecer o poder que elas têm em influenciar toda uma sociedade.3 Então não dá para perder a oportunidade de trazer pautas, que por aqui já estão resolvidas ou adiantadas na discussão, mas que são tabu e sensíveis no Brasil. Por isso, incluo experiências que nem sempre são tão palatáveis aos brasileiros e podem tirá-los da zona de conforto. Assisto o cliente torcer o nariz e se questionar o que está fazendo ali, foi o que aconteceu dessa vez.
Eu pedi para que dessem suas impressões sobre a viagem no nosso jantar de encerramento. Para mim estava claro o que tinha e não tinha funcionado, por isso não foi surpresa o feedback que ouvi. A minha resposta foi que precisamos estar preparados para nos sentirmos desconfortáveis quando olhamos para o futuro, afinal, o futuro é um belo desconhecido. Muitas vezes é no desconforto que moram os insights. Caso não acredite nisso, lembre-se de que ideias e negócios de sucesso nasceram justamente para solucionar problemas - ou desconforto, se assim preferir.
Li em algum lugar que quando saímos da zona de conforto, não estamos entrando numa zona desconfortável, mas sim numa zona de aprendizado.
The last day of our acquaintance
📚 Terminei de ler e indico para quem escreve “O lugar das palavras”, de Vanessa Ferrari;
♡ Para inspirar com essa conversa de quase 2 horas com a Clarice Lispector no 451 MHz: A voz do silêncio parte 1 e parte 2;
🎧 Para ouvir: “Flying objects”, de Smoke DZA & Flying Lotus;
📺 Para assistir: “História secreta do pop brasileiro”, na Amazon;
🙋🏻♀️ O Lab Think Olga lançou um relatório sobre a saúde mental das mulheres: Esgotadas;
👀 O que vai fazer um comportamento virar tendência no digital? Vi no Galáxia;
✍🏼 O que torna alguém em um(a) bom escritor(a)?
💖 Relatório: O futuro é elas 45+;
🛶 Dicas de Veneza por Cecilia Alemani, curadora da última Bienal de Arte de Veneza;
🎛️ Caso esteja em Berlim, não perca o Berlin Atonal no próximo fim de semana. Tem: Caterina Barbieri, Laurel Halo e Florentina Holzinger, performer por quem estou apaixonada pelo trabalho, só para citar 3 artistas de um line-up gigante;
🪞 Também em Berlim, Vicent Moon apresentará “SPIEGEL IM SPIEGEL” no próximo finde. Estou feliz por estar colaborando com ele para colocar o seu novo projeto em pé. É gratuito;
🎸 O rock ainda salva: “everything is alive”, Slow Dive;
🚢 O que um sobrevivente do titanic tem a ver com o nascimento do technopop?
Nos vemos na próxima semana. ツ
Podcast Plenae: Verônica Hipólito em “A zona de conforto é um lugar prazeroso, pena que nada acontece lá”
Ibidem
Frase que ouvi do Guima num dos projetos em que trabalhamos juntos.
zona de aprendizado! sim!
lalai, amei acompanhar a reflexão. nunca tinha parado para pensar sobre o lance do choque do brasileiro médio (?) com coisas que são resolvidas aqui, mas são tabu no Brasil. acho que me enfiei na minha bolha hiperpolitizada de amigos e passei batido por essa observação. bom demais enxergar isso pelos seus olhos.
vida longa a Espiral!
Lalai, que edição incrível. Vi muito a minha experiência quando você fala que sair da zona de conforto é entrar na zona de aprendizagem. Eu estou nela desde o meu burnout, e é um desafio enorme (delicioso pra quem gosta de desafios). O meu jeito de lidar com isso é ter mais um apego à prática do que aos resultados. Amar o que faço no dia a dia e fazer porque amo é o que me aterra!