Espiral #96: Bares de audição aterrissam em São Paulo sem o "fale menos, escute mais"
Minhas visitas no Matiz, Elevado Conselheiro e Dōmo
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter semanal dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim à música, arte, cultura, inovação e literatura, além de trazer sempre dicas de assuntos que andam revirando meus sentidos. Esta é uma edição gratuita e extra para falar de três novos bares em São Paulo.
Caso você more ou esteja visitando Berlim, não deixe de conhecer a minha newsletterThe Next Day Berlin.
Trilha sonora para essa edição: Museum, JFDR, uma lindeza bem calminha que verei ao vivo nesta quarta-feira.
Olá,
Já devidamente instalada em Berlim, passando frio e (re)aprendendo a lidar com o outono que chegou com cara de inverno. Cinco graus lá fora e aquela preguicinha amiga tem andado de mãos dadas comigo.
Viajei para Tóquio em 2016 carregando um guia de bares de audição, ou "audiophile bars" como são chamados por lá. Na maioria deles, não é bem visto conversar. Eu, que falo pelos cotovelos, tive que aprender a segurar a onda. Todos eram pequenos espaços sagrados, frequentados por um público ávido por ouvir música num sistema de som de alta qualidade. Nada de comida no menu, apenas carta de drinques. A maioria das pessoas estava sozinha, escutando música. Em modo contemplativo como raramente vemos a não ser em uma sala de concertos.
Podemos dizer que, do lado de cá dos trópicos, aproxima-se do movimento "slow" (food, travel, etc). "Slow listening."
Visitei também o Bonobo, o menor nightclub onde já estive, e lá encontrei uma qualidade de sistema de som excepcional. Minúsculo, teto baixo, quase todo mundo com um cigarro numa mão e drink na outra, a altura da música estava na medida certa. As pessoas praticamente não conversavam. Além disso, notei que nas festas em Tóquio, independentemente do local, o público reverenciam os DJs. Dançavam enquanto os observavam e raramente conversavam na pista.
Acostuma como estou com as pistas fervidas de São Paulo, era como se ali as pessoas estivesse em estado de transe. "Slow party."
Voltei maravilhada da viagem e só falava sobre o assunto por meses - ou melhor, continuo falando.
Um amigo planejava abrir um São Paulo nesta mesma época, mas o projeto não foi para frente por falta de investidor. O que mudou desde então é que os bares de audição viraram hype no mundo todo. Chegou finalmente a vez de São Paulo abrir alas para eles também.
Enquanto eu escrevia esse texto, um colega me mandou um print de uma pesquisa sendo feita em São Paulo sobre "o que é um "listening bar" (por que em inglês?) perfeito para você?", ou seja, tem mais um, para dizer o mínimo, vindo por aí.
A capital paulista ganhou três novos bares ostentando belíssimos sistemas de som hi-fi, ótima acústica e uma programação musical primorosa. Achei uma baita coincidência todos terem sido aberto mais ou menos ao mesmo tempo.
Não são, porém, os primeiros da cidade. O Caracol, inaugurado em 2018, chegou em São Paulo como um bar de audição. Investiu num sistema de som analógico acompanhado de uma caixa de som potente da década de 1970, importada de Oregon, Estados Unidos. Mas logo, virou uma das pistinhas mais concorridas de São Paulo e hoje está temporariamente instalado no Conjunto Nacional enquanto espera a nova casa ficar pronta.
Acabei de voltar de São Paulo onde eu visitei esses novos bares e conto aqui a minha experiência em cada um deles.
Matiz
O Matiz ganhou o meu coração pelo conjunto da obra. Fica no topo de um prédio comercial, próximo ao Estadão, no Centro de São Paulo. A qualidade sonora e acústica são impecáveis como esperado. Na área externa, a qualidade do som também é excelente, embora, à medida que a noite caia, a gente já não presta mais atenção na música.
Atrás do DJ, das lindas caixas de som e do bar interno, se vê emoldurada a típica vista da cidade, uma fileira de prédios a perder de vista. Já no terraço, contemplamos as costas do Copan, numa vista menos comum dele.
Li uma entrevista com Yuri Mendonça, o idealizador do Matiz, onde ele fala sobre o desejo de que as pessoas se sintam como se estivessem em uma sala aconchegante de um estúdio de alta qualidade dentro de um bar. Ele de fato alcançou a meta.
Tudo nele é bonito. O Matiz é um bar de drinques, com uma carta de coquetéis autorais, e comidinhas saborosas. Para amantes de vinho como eu ficou a desejar. Há apenas uma opção para branco, tinto e rosé. No dia em que fui, o serviço estava um pouco confuso, amigos que reservaram mesa não tinham mesa e acabaram todos se juntando ao redor da minha. Ainda assim, tentaram resolver e acredito que nada que com o tempo não se resolva.
No decorrer da noite, uma pistinha se forma na frente do DJ. Diferentemente da maioria dos bares de audição que visitei, o Matiz tem também um deck de som digital e não apenas os habituais toca-discos. É o mais descontraído dos três.
Conta: Duas taças de vinho, uma água e comi uma deliciosa entradinha de couve-flor = R$ 158, cerca de 30 euros.
Elevado Conselheiro
O Elevado Conselheiro é o irmão mais novo do Elevado Bar. Fica num belo casarão antigo todo reformado na Bela Vista. Visitei-o numa noite chuvosa, o que não permitiu que eu visse o funcionamento das duas áreas externas, um terraço na frente do casarão e, a outra, um bar aberto aos fundos.
Nele, o DJ fica em pé de costas para o salão interno. Um dos sócios é o Guga, a pessoa por trás da Mareh/Babel, ou seja, a programação musical tem potencial de sempre ser caprichada.
Eu diria que o Elevado Conselheiro é um restaurante muito bonito, decorado com muito bom gosto, iluminação intimista, com o esperado ótimo sistema de som e tratamento acústico impecável. A música, a estrela da casa, estava ali não incomodando ninguém.
Na mesma entrevista citada anteriormente, o Guga disse: "Eu costumo dizer que os clubbers envelheceram. E aí a gente quer continuar ouvindo música, quer continuar tendo esse tipo de experiência, mas agora com um certo conforto…" Fez total sentido quando estive lá. Entre os três, foi nele que encontrei o público mais velho, além de ser o mais chique também.
O Elevado Conselheiro oferece uma extensa carta com mais de 150 opções de vinhos, incluindo alguns naturais. Comi apenas as entradinhas, mas estavam todas saborosas e bem servidas. Pareceu-me um lugar perfeito para dates ou datas especiais.
Conta: Três entradas, quatro taças de vinho e água, a qual é cobrada uma taxa de R$ 10 por pessoa e é servida à vontade (eu adorei o conceito!)= R$ 408 ou 77 euros para duas pessoas. Para reservar uma mesa, é necessário uma garantia de R$ 100 que será descontada do cartão de crédito caso você não apareça.
Dōmo
Por fim, visitei o Dōmo, talvez o estabelecimento mais próximo dos bares de audição que visitei no Japão. É um bar convidativo à apreciação da música. Também está localizado na região central de São Paulo e é o menor dos três.
O bar tem capacidade para 30 pessoas, possui um balcão com cadeiras, e em frente a ele, há um grande sofá com mesas. E isso é tudo. O público vê o/a DJ de onde estiver sentado, ao contrário dos anteriores.
No cardápio, encontramos ótimos drinques, petiscos deliciosos e uma seleção de vinhos, incluindo vinhos naturais. Duas grandes caixas de som estão estrategicamente posicionadas ao lado do bar, que exibe uma bela estante repleta de vinis ao fundo. Dos três, é neste lugar que a música fica mais em evidência. Tudo é compacto e minimalista, permitindo que o sistema de som, o/a DJ e os discos se destaquem no ambiente.
Ache curioso o horário de entradas na casa feitas às 19h30 e às 21h30. Pede-se reservar com antecedência. A empreitada é dos sócios do (delicioso) Takko Café, Flávio Seixlack e Rodolfo Herrera, e de Denis FujitoNele.
Dos três, é o que eu escolheria para ir para escutar música.
Conta: Duas taças de vinho e uma água = R$ 130 ou 25 euros. Não comi, mas os amigos comeram e elogiaram as comidinhas.
🔊 Conclusão
Gostei, de fato, de todos eles e fiquei feliz em me deparar com espaços distintos para curtir de maneira completamente diferente. Falei sobre a música, mas a música, quando tocada em um espaço com estrutura adequada, pode estar presente de maneira prazerosa para os amantes da música, mas pode passar despercebida para quem não liga para o assunto. É só pensar na maioria dos lugares que frequentamos, onde precisamos gritar para conversar. Já nos bares de audição, ouvimos bem, falamos sem alterar a voz e, o melhor, não ficamos ouvindo as conversas fora da nossa roda. Não fica aquele zum zum zum à nossa volta. A experiência se torna mais agradável.
São os três bem caros com preços similares. Voltei para Berlim saudosa do ótimo serviço que temos em São Paulo. O público dos três é bem diverso, mas mais elitista obviamente, afinal quem hoje tem toda essa dinheirama para gastar numa noite? Mas vamos concordar que esse é um problema econômico enfrentado não apenas na noite paulistana, mas por aqui também. Achei São Paulo bem cara no geral, mais cara que Berlim. O gasto que tenho em bares de audição por aqui são um pouco mais em conta, mas em especial porque eu tomo vinho que é mais barato que drinques.
No Japão, o mantra dos bares de audição é “fale menos, escute mais”, enquanto em São Paulo, a música compete com a conversa. Somos brasileiros e bastante falantes, não é mesmo? E, aparentemente, todos os sócios por trás das três empreitadas sabem bem disso e tiram o melhor proveito possível para trazer algo diferente. Nós costumamos querer conversar, beber, comer, ver e conhecer gente. E, está tudo lindo.
Vou achar incrível se todos eles, com o tempo, passarem a oferecer sessões exclusivas de audição de discos, porque é uma experiência muito única, além de nos educar a prestar mais atenção na música ao invés de tê-la apenas como trilha sonora. E, pelo que acompanho, isso está começando a acontecer.
Listening
O Ronaldo Lemos escreveu sobre o aumento das buscas por “zumbido no ouvido” (tinnitus) no Google nos últimos oito anos, seguido de “protetor auricular” e “cancelamento de ruído”. Não sei você, mas eu já fiz essas buscas diversas vezes após descobrir ter perdido 30% da audição esquerda. Há anos o silêncio é algo relativo para mim.
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Com tanto barulho à nossa volta e essa popularização de fones de ouvido anti-ruído, talvez estamos mais atento à qualidade do som. Ouvimo mais música do que já ouvimos outrora.
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Escrevi a respeito dos espaços dedicados à audição em Berlim, inclusive adiciono um novato na lista, o Anima, instalado no andar térreo de um novo hotel à beira do Rio Spree.
Enquanto isso, por aqui:
🎧 Escutando Jbal Rrsas جبل الرصاص, de Deena Abdelwahed, que apresentará esse novo álbum ao vivo em Berlim no fim de semana. A primeira música do álbum segue no repeat;
📖 Lendo Feminismo Glitch, de Legacy Russel; e Everything, All the Time, Everywhere - How We Become Postmodern, Stuart Jeffries;
📺 Assisti Beef (ou Treta, em português), Netflix - simplesmente entrou para a minha lista de melhores séries assistidas em 2023;
👩🏻💻 Lendo os relatórios “Ok Cool: Chaos in the FYP - How brands and marketer can crack TikTok n 2024”; e “The Multiplayer Brand by Zoe Scaman”;
💻 Fazendo o curso "Aprenda sobre inovação e reimaginação radical", com a Vanessa Mathias e a Luciana Bazanella.
Um beijo e nos vemos essa semana ainda.
desde que eu li tua news sobre os bares de audição fiquei com vontade de conhecer algum e fiquei pensando se rolaria em são paulo. agora nos últimos meses, esses três viraram hype e como tal, já está cheio de review no tiktok, mas em nenhum deles me pareceu um lugar de escuta, apreciação. teu texto corroborou isso e, de fato, somos fofoqueiros, queremos prosear. ainda assim, tá na minha lista conhecer o matiz e o dõmo e passar umas horinhas só com um drink e a música como companhia.
Sinto que o Brasil não saberá aproveitar de fato a essência dos listening bars. Fiquei curiosa para conhecer esses citados em SP, mas já imagino o estresse que enfrentarei que é característico da cidade.