Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, uma newsletter dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim até música, arte, cultura, inovação e literatura. Além disso, sempre trago dicas de assuntos que estão revirando meus sentidos.
Se você mora em Berlim ou passará alguns dias na cidade, não deixe de acompanhar o
.🇩🇪Trilha sonora: Beth Gibbons - 3voor12 live at Artone Studios
Na primeira década dos anos dois mil, quando o Spotify ainda não tinha mudado o jeito como consumimos música de maneira tão radical, eu navegava diariamente em blogs de música - vi a dupla Bicep nascer a partir de um blog - e no Hype Machine para descobrir artistas e novidades musicais. Passava horas ouvindo e baixando música de maneira ilegal para carregá-las depois em um case enorme de CDs para cima e para baixo para tocar em festas em São Paulo.
Conheci o Ola em 2008. A paixão pela música foi uma das coisas que nos conectou no início, então passamos a alimentar nossa relação através dela. Virávamos a madrugada, cada um no seu quadrado, trocando links de músicas do finado Blip.FM, uma das primeiras plataformas para ouvir música online no Brasil após o Napster sofrer sua derrota nos tribunais em 2001, levando-o a fechar as portas.
Recém-chegado da Suécia, o Ola ostentou uma conta no Spotify, afinal ele é do país de origem da plataforma que, na época, só estava disponível somente por lá. Fiquei obcecada. Não demorou para eu ganhar uma conta de presente, que só era possível ter com posse de um cartão de crédito emitido na Suécia ou namorar um sueco.
Costumo dizer que comecei a namorar o Ola porque não queria perder minha conta no Spotify. Anos depois, tentei trocar de plataforma de streaming por discordar de sua política com os artistas, porém, ela entrou na minha vida de maneira tão emocional que não consigo deixá-la para trás. É como se o Spotify tivesse selado a nossa relação.
Como a maioria das pessoas, passei os últimos anos presa ao algoritmo ouvindo o que ele dita, o que me fez perder a habilidade de pesquisar música. Não conseguia sair da queda livre que o Spotify nos colocou. Nosso gosto musical seria o mesmo se continuássemos consumindo música por conta própria? Provavelmente não.
Conhecer novos artistas entrou no piloto automático da maioria das pessoas. Muitas vezes sequer sabemos quem são e se são reais, já que as plataformas de streaming sofrem com artistas fantasmas.
Berlim me colocou de volta na rota da pesquisa musical. Quando decidi criar a newsletter “The Next Day” para compartilhar dicas de eventos, eu tinha duas coisas em mente: Explorar mais a capital alemã e voltar a pesquisar música. "Ah, mas o que essa última tem a ver com o guia?" Tudo! Porque Berlim é a cidade da música. É extraordinária a quantidade de shows e festas que acontecem aqui todos os dias - ontem mesmo fui ver a Ellen Alien tocar em um museu.
Tão logo lancei o guia, me dei conta de que meu conhecimento de música tinha definhado. Estava ouvindo o mesmo que todo mundo ou o que o algoritmo decidiu por mim. Deixei um espaço muito pequeno no meu dia-a-dia em que eu parava tudo para zapear o Youtube ou o Spotify em busca de novidades.
Há um ano entrei na missão de voltar a pesquisar. Passo horas ouvindo artistas dos quais nunca ouvi falar e, muitas vezes, encontro trabalhos recentes de artistas que gosto, mas que sumiram do radar. A partir de toda essa audição, decido se o show entra ou não no meu guia. Vale a pena dizer que no guia só entra evento em que vou e/ou iria. Ele é movido pelo meu gosto pessoal, afinal curadoria é sobre isso, não?
Desde então, voltei a ouvir rock, estilo que marcou a maior parte da minha vida, mas que eu havia abandonado há alguns anos e só ouvia praticamente ao vivo. Para quem não me conhece vou contar um segredo: Fui metaleira dos treze aos vinte e sete anos! 🤘
A música eletrônica é relativamente nova na minha vida. Comecei a dar bola para ela depois dos trinta anos. Antes disso, o máximo que ouvia de eletrônica era Kraftwerk, Chemical Brothers, Prodigy, Underworld e olha lá. Ou seja, tinha que ter vocal para eu gostar. House e techno para mim não era música. 😮
Pesquisar me levou a novos estilos musicais - são mais de seis mil gêneros classificados no Spotify -, virado fã de alguns e me achado velha para outros, pois meus ouvidos não dão conta de alguns tipos de ruídos e barulhos, como o gabber, que voltou com tudo, mas me apaixonei de novo pelo bass e dub, além de ter mergulhado de cabeça na música experimental, que andei namorando nos últimos anos, mas confesso: prefiro ela ao vivo. Nesse meio tempo, Suzanne Ciani virou minha heroína ao lado da Patti Smith e PJ Harvey.
Tenho usufruído de mais silêncio ao invés de ter a habitual trilha sonora rolando o tempo todo nos ouvidos. Isso tem aguçado mais os meus sentidos e a minha atenção para a música quando ela está tocando.
“O silêncio é uma ilusão do nosso entendimento”, Emicida
Além do silêncio, continuo frequentando sessões de escuta ativa. A prática tem deixado cada vez mais fácil manter a atenção. É como aprender a meditar.
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Recentemente fiz uma playlist de ambient & jazz japonês por encomenda para servir como trilha sonora de um jantar. Foram dois dias debruçada em pesquisa. Sei que dá para roubar no jogo pegando playlist temática já pronta, ouvi-la e selecionar a partir dela. No entanto, eu queria pesquisar, conhecer os artistas, entender melhor a cena da música ambient e do jazz no Japão. Foi puro deleite! Revirei sites especializados, playlists, plataformas menores e até mesmo o ChatGPT para ver o que ele sugeriria (a resposta foi boa no geral).
Deixo a versão prévia como um presente para vocês que me acompanham.
Daydreaming
Será que a inteligência artificial vai nos ajudar a driblar a fadiga das telas? Provavelmente. O soundscapism, movimento que valoriza o áudio como parte do bem-estar, traduz a onda de listening bars, listening rooms, terapias de som, massagens sonoras, aumento no consumo de música ambient, podcasts e audiolivros que, de acordo com a Deloitte, são 1,7 bilhões e 270 milhões de ouvintes mensais, respectivamente.
Na semana passada eu fui ao Sónar, festival que sempre me agrada, mesmo que eu seja fã de no máximo um terço do line-up. O festival busca refletir em sua programação a evolução e expansão da música eletrônica, por isso se torna um bom lugar para vislumbrar o futuro da música e entender o que a geração mais jovem está ouvindo além do pop, hip-hop, rock, indie e K-pop, os gêneros mais ouvidos pela Geração Z de acordo com esse relatório. No Sónar, onde a maioria dela estava, sempre era música muito alta e barulhenta. Senti que artistas da geração mais nova, em especial os que fizeram sucesso a partir do TikTok, tem muita dificuldade de equalizar o som.
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Aliás, essa mesma geração afirma que seu jeito favorito para descobrir música nova é através do algoritmo e do TikTok. Para a Geração Z, ouvir música deixou de ser algo solitário para ser social. Ou seja, a música passou a ser a rede social dela.
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Enquanto escrevia esse texto e zapeava em alguns relatórios, me veio à mente o fato de tudo hoje em dia ser "estética" (aesthetics), que sempre foi sobre beleza, mas há tempos é muito além disso. A música, por exemplo, passou a ser estética. A estética nesse contexto abrange uma gama de elementos que representam diferentes modos de vida, bem como aspectos culturais e subculturais.
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Tem um site alemão, com estética do fim da primeira década dos anos dois mil, com uma agenda bem completa de shows confirmados em várias cidades alemãs e suíças. Qualquer pessoa pode fazer cadastrar show no site. Como a Alemanha pode ser muito old school na maneira como consome informação, o site é funcional no que se propõe. Para quem gosta de música experimental, o o Echtzeitmusik é o portal a ser seguido. Foi criado em 2001 e, aparentemente, não sofreu alteração de design desde então. Uso ambos para o meu bel prazer, o que tem me levado a descobrir pequenos tesouros.
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Meu gosto musical é 97% mais obscuro que os ouvintes do Brasil e 95% da Alemanha e olha o indie rock de volta ao meu chart:
Eu não sei o que é spectra, mas parece que ouço bastante. Perguntei para o ChatGPT do que se trata, mas mesmo ele não sabe.
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Em junho vi três shows que explodiram a minha cabeça: Beth Gibbons, Air playing Moon Safari e Surgeon & Speedy J no Sónar Barcelona. Escrevi um pouco a respeito no Music Non Stop sobre os dois últimos.
Por hoje é isso, mas antes de ir deixo mais um presente sonoro e visual. ♡
conheci e comecei a usar o hype machine por conta de um tweet seu <3 (em 2009 talvez rs). música me salva todos os dias. não estaria aqui se não existisse músicas pra eu conhecer, emocionar, apaixonar, desapaixonar, indicar. se $ não fosse necessario, eu poderia viver pesquisando músicas e fazendo playlists para quem precisasse/quisesse. já cantava css “music is my boyfriend music is my girlfriend music is my imaginary friend”
Conhecer novas sonoridades é muito bom mesmo. Quando me mudei, o que fez eu não conseguir me adaptar, foi não achar sobre a cena musical de lá ou onde ir para curtir música. Eventualmente desisti, infelizmente