Espiral #81: As 5 melhores coisas de maio
E de quebra, começando o mês de junho com o meu aniversário
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter semanal dedicada a assuntos aleatórios, desde o meu dia a dia em Berlim à música, arte, cultura, inovação e literatura. Mensalmente eu me dedico a destrinchar um tema com profundidade, como a felicidade, comida, comunidades e criatividade e inteligência artificial. Considere apoiar a Espiral ou me pague um cafezinho coado, o meu favorito.
Trilha sonora para esta newsletter: o álbum MotherFather, Petite Noir
Eu estava numa festa com algumas amigas e uma delas estava com a tia a tiracolo, uma gata de 26 anos. Na época, eu tinha 17. Eu estava de olho num cara que girava solto pela pista e, de repente, ele se aproximou. A decepção veio de mãos dadas com o rapaz. Ele queria saber quem era a gata que estava comigo, no caso, a tia. Desapontada, falei a idade dela como se isso fosse afastá-lo por achá-la velha demais. “Ela tem 26 anos!”. Ele agradeceu e colou nela a noite toda.
E, cá estou com recém-completados 50 anos, quase o dobro de idade da tia gata da minha amiga, me sentindo muito jovem, mesmo com o corpo em estado acelerado de derretimento, o qual ninguém me preparou muito bem para isso. Haja intervenção de agulhas e malhação para mantê-lo em pé. No meu caso, foram 2 sessões da primeira ao longo dos últimos anos, e foco na malhação. Yoga, musculação, boa alimentação, noites bem dormidas, muita água, tentar fazer tudo de bicicleta, subir diariamente pelo menos 2 vezes os 4 andares de escadas do prédio em que moro, fazem parte da extensa lista de atividades que acredito garantir que eu continue amarrando o tênis sozinha.
Comecei a pensar no envelhecimento só aos 47 anos, ano em que a pandemia chegou e eu estava apenas começando a vida em Berlim. Antes disso, eu estava bem de boas, com pernas para fora e decote no umbigo. Mas de repente começaram as mudanças drásticas em cada pedacinho de mim. Era como se uma estranha estivesse ocupando o meu corpo sem aviso prévio. Mudou tudo. O humor, a maneira de ver o mundo, o jeito de olhar para o futuro, como passei a me ver no espelho, os cabelos, a textura da pele, o apetite, a ressaca, algumas noites sem dormir, a disposição, a menstruação. Alguma novidade sempre dá as caras me pegando no pulo. Haja emoção e coração em dia para dar conta dessas constantes mudanças!
Crescemos aprisionadas pela fantasiosa ideia da eterna juventude, que faz ser um desafio assumir a idade que temos. Houve uma época em que cheguei a tirar o ano de nascimento das redes sociais. Desviava o assunto se alguém perguntava quantos anos tinha. No entanto, nesse ano eu decidi abraçar e assumir os meus 50 anos tão bem vividos. Foram tantas vidas distintas, tantas reinvenções, tantas pessoas formidáveis à minha volta, tantos lugares diferentes visitados, tantos aprendizados, tantas conquistas, tantos desafios e, claro, algumas perdas, tristezas e desilusões. Acabamos aprendendo que tudo faz parte dessa rolezera chamada vida e vamos aceitando os revés que ela nos dá.
“Amor, daqui a pouco eu serei uma velhinha e você ainda estará jovem. Vai continuar comigo?”
“Claro, sua boba. Já gosto de você velhinha.” - o Ola responde sempre rindo quando repito a pergunta.
O clichê de que a idade traz sabedoria a gente empacota e carrega debaixo do braço. Eu já estou pronta para escrever a minha própria versão do “Minutos de sabedoria” com uma lista de frases prontas, que vão ganhando sentido conforme esse amadurecimento, às vezes arredio, toma conta da nossa vida sem pedir licença.
Aprendi a ‘ver’ a dor como um lugar de autoconhecimento, tendo a frase “a dor é uma das coisas mais importantes da minha vida", da Marguerite Duras, um quase mantra. É ela que me empurra para frente quando dá as caras. As grandes transformações que tive, aconteceram justamente a partir das dores que eu achei não ser capaz de suportar.
Um amigo me disse: “Lalai, meu medo agora é estar na balada e os meninos me chamaram de ‘daddy’. Não vou suportar isso.” Eu adoro quando as pessoas falam “Quero chegar igual você na sua idade.”
Por isso estou me preparando para a chegada do meu terceiro ato, como a Jane Fonda muito bem ensinou. Estou aqui me sentindo felizona ao chegar tão jovem aos 50 anos. Não falo sobre aparência, essa que engana muita gente, mas sobre o meu estado de espírito. A curiosidade e o bom humor continuam sendo os meus aliados, esses danados, capazes de servirem como fonte da juventude.
Viva! Celebro a todas as pessoas que também têm se digladiado para se livrar do etarismo, que deixa nosso mundo tão louco e algumas indústrias tão milionárias. Esse etarismo que deforma nossos rostos e corpos, nos deixando sem emprego e desassistidas, e é capaz de nos matar.
Ufa! Bora falar sobre maio, que já parece distante. Por aqui, os dias calorentos estão bombando, o que sempre coloca a gente na rua nos distanciando um pouco da programação cultural. Eu sou uma que quero mato, água e vento fresco dando tapinha na cara.
👵🏼 Como envelhecer, Anne Karpf
Aproveitei o inferno astral e reli “Como envelhecer”, da socióloga Anne Karpf, que discorre sobre o medo que temos do envelhecimento e os desafios que ele nos traz. Karpf analisa como a sociedade ocidental moderna tende a associar negativamente o envelhecimento com declínio físico e mental, além dessa coleção de estereótipos negativos sobre os idosos. Ela questiona essas percepções culturais e argumenta que elas nos levam a uma visão limitada desvalorizando as pessoas mais velhas.
A autora propõe uma nova perspectiva sobre o envelhecimento, destacando a importância de valorizar as experiências e sabedorias adquiridas ao longo da vida. Ela nos encoraja a rever nossas próprias atitudes em relação ao envelhecimento e a reconhecermos a importância do autocuidado e da aceitação pessoal nessa fase da vida, afinal chegaremos nela se tivermos sorte.
Uma leitura essencial para qualquer idade, pois “o envelhecimento é um processo que dura a vida toda, e não algo que acontece no final de nossas vidas”. A escravidão de querer se manter eternamente jovem é cara e desgastante. O livro tem passagens incríveis e inspiradoras, além de várias referências ótimas como Susan Sontag, Simone de Beauvoir, Germaine Greer e Betty Friedan.
A conclusão é óbvia, pois a melhor forma de ‘envelhecer bem’ acaba sendo a mesma de ‘viver bem’.
Envelhecer sendo mulher é muito mais difícil, mas gosto bastante de ouvir o Chip Conley falando sobre como encontrar sabedoria na meia-idade e se reinventar.
📚 Sobre a Escrita - A Arte em Memórias, Stephen King
Esse foi um dos livros sobre escrita mais divertidos que já li. O primeiro capítulo é uma pequena autobiografia com Stephen King narrando sua infância e o início de carreira. “Sobre a Escrita” foca bastante na ficção, mas são diversas as dicas para quem, como eu, escreve apenas não-ficção. Eu me dei conta de pecados linguísticos que cometo e não tinha tanta noção.
Assim como tudo no mundo, “as melhores histórias são sobre pessoas, e não sobre acontecimentos, ou seja, são guiadas pelos personagens.”
King destrincha seu processo criativo e, de cara, joga as cartas na mesa: São poucas as pessoas que serão grandes escritores. Para ele, para escrever bem é necessário ter um pouco de talento somado à muita disciplina e dedicação, leitura constante de outros autores, edição, muita edição, e revisão do que se escreve.
Ele compartilha aprendizados que teve ao longo de sua carreira com editores e outros autores que admira e até os que acha ruins.
“Quando você escreve, está contando uma história para si mesmo - disse ele (um editor com quem King trabalhou). - Quando reescreve, o mais importante é cortar tudo o que não faz parte da história.”
Uma das coisas que mais gostei do livro, além de ser uma leitura bem-humorada,é o fato de King não acreditar em algumas técnicas tão utilizadas por escritores. Enredo, por exemplo, é algo fora de questão para ele. Já sobre ‘descrição’ do personagem, King fala que “a descrição começa na imaginação do escritor, mas deve terminar na do leitor.”
“Sobre a Escrita”, de Stephen King, entrou para a minha lista de livros favoritos sobre escrever ao lado de “Como Escrever Bem”, de William Zinsser; “A Grande Magia”, da Elizabeth Gilbert; e “Um Teto Todo Seu”, da Virginia Woolf.
Aproveito e deixo esse TED com a Elizabeth Gilbert que eu sempre revejo quando estou em busca de inspiração.
🎙 “Wait til I get over”, Durand Jones
O álbum solo de Durand Jones, “Wait til I get over”, me trouxe lembranças distantes e eu me emocionei bastante com ele. O ano era 2011 e eu pisava no SXSW pela primeira vez. Enquanto caminhava pela famosa 6th Street para fazer um reconhecimento do festival, eu ouvi uma voz potente e sofrida saindo da janela de um bar. Entrei e me deparei com o Charles Bradley, que tinha acabado de ganhar reconhecimento de seu trabalho. É um dos momentos mais especiais que vivi no festival e sempre me emociono quando penso nele.
De alguma maneira, Durand Jones me conectou com esse momento da minha vida e com Bradley, não apenas pela “soul music” em comum, mas também pelas emoções que vão se intensificando ao longo do álbum. Recomendo ouvi-lo na íntegra e na ordem. O álbum se desenvolve lentamente, revelando imagens deslumbrantes de um amor jovem e queer em uma comunidade negra e rural nas proximidades de uma das últimas curvas do rio Mississippi.
É o primeiro álbum solo de Jones sem sua banda de apoio, The Indications. Morando em San Antonio, “Wait Til I Get Over” é sobre sua relação com sua cidade natal, Hillaryville, Louisiana. Uma ode à volta para casa.
Por aqui, o disco segue no repeat.
🎨 Hannah Höch
Eu descobri a artista alemã Hannah Höch (1889-1978) ao pesquisar imagens para ilustrar a edição sobre ser imigrante. Dias depois eu estava na reabertura da Berlinische Galerie e me deparei com algumas de suas obras produzidas em diferentes anos. Fiquei fascinada pelo seu trabalho tão contemporâneo e subversivo para a época. No fim das contas, a exposição não era sobre ela, mas foi Höch quem mais me chamou a atenção durante minha visita no museu.
Höch começou a explorar colagens em 1910, usando imagens recortadas de revistas e jornais. Impressionei-me com suas colagens, frequentemente satíricas e provocativas, abordando temas como a identidade de gênero, o papel da mulher na sociedade e as construções culturais de beleza. Em 1912 se mudou para Berlim para estudar e passou grande parte de sua vida na cidade.
Em 1918, Hannah Höch conheceu o dadaísmo e rapidamente se identificou com sua natureza subversiva e experimental, adotando as técnicas de colagem e fotomontagem em seu próprio trabalho. Em 1920, ela já participava da primeira “Feira Internacional Dadaísta”, em Berlim.
Como uma das poucas mulheres associadas ao dadaísmo, Höch desafiou as convenções de gênero e as normas artísticas dominantes da época. Ela explorou o conceito de “montagem” não apenas em sua obra, mas também em sua própria identidade, rejeitando rótulos e limitações impostas pela sociedade.
É importante ressaltar que, embora o dadaísmo tivesse em sua ideologia a emancipação feminina e a igualdade de gênero, Höch enfrentou dificuldades para ser aceita pelos artistas do movimento.
Durante sua carreira, Hannah Höch também experimentou a fotomontagem e a fotografia, inclusive foi uma das primeiras artistas a usar a fotografia como expressão artística, explorando o potencial de manipulação e descontextualização das imagens.
De 1926 a 1929, Höch viveu e trabalhou em Haia, na Holanda, onde se relacionou com a poeta holandesa Til Brugman. Imagens sobre amor homossexual aparecem em algumas de suas obras daquela época.
Após a ascensão do nazismo na Alemanha, a arte de Hannah Höch foi uma das que entraram para a lista de “degenerados”, levando suas obras a serem banidas das galerias. Somente após a Segunda Guerra Mundial, Höch retomou sua produção artística e continuou a experimentar com colagem, fotomontagem e outras técnicas até sua morte.
Hoje existe uma premiação na Alemanha, “Hannah Höch Prize”, criado em sua homanagem, concedido em reconhecimento a artistas visuais que consistentemente produzem trabalhos de alto calibre.
Sugestão de leituras: “Hannah Höch on How To Be An Artist” e “Hanna Höch: art’s original punk.”
👫🏾 Decoding Community
Como grande fã de comunidades, eu não pude deixar de trazer para cá esse ótimo relatório “Decoding Community”, produzido pelo Canvas (fiz uma rápida menção a ele numa das Espiral).
Apesar de usar dados dos Estados Unidos no geral, as questões exploradas, como solidão, depressão, desemprego, falta de amigos, etc., são comuns no mundo todo. A Geração Z é ainda mais pessimista sobre o futuro do que qualquer outra geração. Um dado que chamou bastante a minha atenção foi ver que 30% das pessoas mais jovens não sabem como fazer amigos. Ou seja, estamos mais conectados do que nunca, mas mais solitários. As redes sociais nos catapultaram a procurar sempre por algo novo, nos deixando insatisfeitos na maior parte do tempo.
Por conta disso, estamos tentando criar uma Web mais ‘aconchegante’, onde nos reunimos em grupos menores e mais nichados em busca de conexões mais verdadeiras.
O relatório apresenta novos modelos que estão surgindo mais centrados no coletivo, inclusive explora bastante o universo dos influencers e criadores e os novos caminhos para monetização. Comunidades focadas em temas específicos têm proliferado pela internet, fragmentando e aprimorando o que queremos ver nos nossos feeds.
E, por fim, apresenta uma lista com as principais categorias de grupos que estão surgindo, com exemplos de comunidades mais orgânicas, cuja razão de existir é diferente o suficiente para justificar sua segmentação. São DAOs, fandoms, novo ativismo, subculturas, book clubs, etc.
O relatório não está liberado na íntegra, mas ainda assim tem muita informação valiosa na parte gratuita para quem se interessa pelo tema. A parte paga traz diversos cases para as marcas se inspirarem e poderem navegar nesse novo momento das comunidades online.
O WGSN também publicou um relatório sobre a importância das marcas planejarem a construção de comunidades, caso deseje cultivar relacionamentos fortes com os fãs, aumentar a fidelidade e co-criar produtos e serviços.
Ele traz também dados sobre a epidemia da solidão - por exemplo, a Geração Z no Reino Unido é 27% mais propensa a relatar sentimentos de solidão do que os Millennials. Já a MCKinsey identificou que esse mesmo sentimento afeta 33% da população mundial.
Como as marcas podem investir na construção de comunidades para conectar pessoas com interesses similares e criar um senso de pertencimento? Serão as comunidades que se tornarão uma nova medida de sucesso.
“As marcas adotarão o modelo MVC (Mínimo Produto Viável de Comunidade), um conceito de mentalidade de startup defendido pelo capitalista de risco Alexis Ohanian, que será o novo padrão de negócios nos próximos anos.” WGSN / Ferramentas de Marketing: Construindo Comunidades (30.05.2023).
Estamos evoluindo do modelo Direto ao Consumidor para o modelo Direto à Comunidade, que são iniciativas criadas pela comunidade para a comunidade. Um ótimo exemplo brasileiro é a Favela Brasil Xpress, startup criada em Paraisópolis para resolver problemas no sistema de entrega, que dificultava moradores receberem compras por falta de precisão de endereço e de problema de segurança.
Ascend
📺 O best-seller “A sutil arte de ligar o foda-se”, de Mark Manson, agora na telinha;
🎵 Um dos álbuns que também embalaram maio por aqui foi “My Soft Machine”, da Arlos Parks;
🪩 Que tal contratar a Beyoncé para tocar na sua festa?
💗 Preparados para se emocionarem com o Nick Cave?
🎧 Lindíssimo o álbum “Jaraq Qaribak”, de Dudu Tassa e o Jonny Greenwood;
🎸 A PJ Harvey anunciou a tour do seu novo álbum “I Inside the Old Year Dying”, que será lançado em julho, e ela fará 2 shows em Berlim em outubro. Quem vem?
🙅🏻♀️ Você está certa ou errada? A
acredita que ambos;📋 O The Guardian lançou uma ótima lista com os melhores álbuns já lançados em 2023;
⚡ Tá aí um show que eu queria ter assistido.
Lalai querida! Vim de novo desejar parabéns e me identifiquei horrores com essa edição! Primeiro porque cheguei aos 40 e isso me trouxe muitas questões - no geral eu falo pra todo mundo a idade que tenho e da qual me orgulho, mas ao mesmo tempo internamente tenho dúvidas e inseguranças sobre corpo, saúde, futuro que me tiram do eixo as vezes. Compartilho do mesmo desejo simples de amarrar o tênis pra sempre 🫠
Amei a dica de livro do Stephen King! Não conhecia e quero muito ler. E uma das minhas metas não batidas é tentar fazer colagens🥹, então amei a artista que vc indica.
E muuuito obrigada de coração pelo link no final. Beijos e 50 anos lindos pra vc!
Lalai, li querendo marcar várias frases, poderia estar no Kindle. 😘