Espiral #78: Criatividade e inteligência artificial
Abrindo alas para a inteligência artificial generativa
Olá, eu sou a Lalai e essa é a Espiral, newsletter semanal dedicada a assuntos aleatórios, desde minha vida em Berlim à música, arte, cultura, tecnologia e literatura. Mensalmente eu me dedico a destrinchar um tema específico, como a felicidade, comida e comunidades.
Trilha sonora para esta newsletter: Secret Life por Fred Again & Brian Eno
Sempre fui muito curiosa e aberta às novas tecnologias. Geralmente sou uma early adopter como a minha espécie é chamada no mercado. Tudo começou em 1995 quando acessei a internet pela primeira vez e passei a morar horas diárias no mIRC, onde criei uma nova personagem para mim chamada CindySP, homenagem à uma drag queen da noite paulistana.
Fiquei maravilhada com a possibilidade de falar online em tempo real com pessoas que estavam do outro lado do mundo. Como alguém que adorava trocar correspondência com estranhos usando o pen pal, uma espécie de classificados de amizade em jornais, vi um sonho que nem sabia ter sendo realizado. Aprendi então que a tecnologia muitas vezes cria necessidades que não tínhamos ou você se vê dirigindo num lugar desconhecido sem um GPS à mão?
Na época, eu investi todas as minhas economias para comprar um computador, um modem 14.400 bps e contratar um pacote mensal de internet discada. Como muitas pessoas, vi a minha vida ser totalmente transformada pelo acesso à World Wide Web. Seguiu-se depois uma sucessão de oportunidades profissionais ocasionadas pelo meu radar de curiosidade que passou a ficar sempre ligado.
Desde então vejo sempre boas oportunidades por trás de novas tecnologias. Talvez eu esteja buscando a galinha de ovos de ouro ou talvez esteja apenas em constante arrebatamento com as evoluções tecnológicas.
Em meados de 2021, foram os NFTs que me conquistaram, e no ano passado, foi a vez da inteligência artificial generativa. Coincidentemente, somente agora vou colocar na rua, ou melhor, no Aeroporto de Guarulhos, o meu primeiro grande projeto de NFTs, enquanto aqui em casa me divirto estudando sobre criatividade e inteligência artificial.
Aonde isso vai me levar? Eu não sei, mas o ChatGPT já tem me ajudado a economizar muitas horas do meu dia. Por isso, compartilho um pouco do que tenho feito para, quem sabe, ajudar você a economizar algumas horas do seu dia também.
🤓 What you know?
Gosto muito do fato que a história da inteligência artificial começou ainda na era vitoriana nas mãos de uma mulher, Ada Lovelace, filha do poeta Lord Byron. Celebrada como a primeira programadora do mundo, Ada colaborou com Charles Babbage em seu projeto da Máquina Analítica, considerada um protótipo de computador. Mais do que simplesmente entender o projeto de Babbage, Lovelace vislumbrou um futuro no qual a máquina não manipulararia apenas números, mas seria capaz de criar arte e música.
Somente um século depois é que o matemático Alan Turing começou a desenvolver suas próprias ideias sobre inteligência artificial. Ele propôs o "teste Turing" para medir a capacidade de uma máquina de exibir comportamento inteligente equivalente, ou indistinguível, do de um humano.
O teste Turing funciona de maneira bastante simples. Um avaliador humano interage com um computador e um humano através de uma interface, e tem que decidir qual é qual. Se o avaliador não puder fazer a distinção consistentemente, a máquina passa no teste. É um teste não apenas de simulação, mas de engano e criatividade, já que a máquina deve ser capaz de fornecer respostas criativas e enganosas o suficiente para se passar por um humano.
Esse teste foi proposto como uma medida de inteligência, não porque Turing acreditava que enganar um humano era a essência da inteligência, mas porque ele acreditava que qualquer tentativa de definir inteligência de maneira mais precisa seria problemática e limitante. Afinal, o que é inteligência, né
?Turing foi um defensor do "Princípio da Indistinguibilidade", que afirma que, se uma máquina se comportar como inteligente, ela deve ser considerada inteligente. Isso reflete a ideia de que "inteligência" é mais sobre a capacidade de realizar tarefas complexas e menos sobre a origem ou a natureza do agente que realiza essas tarefas.
Nesta palestra, o futurista Ray Kurzweil aposta que até 2029 as máquinas passarão no teste Turing - uma afirmação que se torna cada vez mais plausível à medida que a IA se torna mais sofisticada. De acordo com Kurzweil, em 2029, não seremos mais capazes de distinguir entre uma máquina e um humano durante uma conversa baseada em texto. E, de acordo ainda com Kurzweil, em 2045 teremos a singularidade, quando os computadores e as máquinas se tornarão tão inteligentes e capazes que superarão a inteligência humana em várias áreas, incluindo ciência, medicina, engenharia e até mesmo criatividade. E aí, como a gente fica nessa?
🤖 Seria o ChatGPT uma supernova?
“É preciso inteligência para reconhecer a inteligência, ou a falta dela.” - Arne Klingenberg
O objetivo inicial dessa edição era apresentar um guia prático de como usar o ChatGPT para produção de textos, mas acabei me achando um pouco pretensiosa, pois sou muito ruim para criar guias que não sejam os de viagem.
A ideia surgiu quando vi esse ótimo guia “Writing Essays With AI: A Guide” e pensei em fazer uma versão em português incluindo novas ferramentas que surgiram desde então. Mas desisti, como você pode ver. Me vi então bloqueada por uma semana porque não quis abandonar o tema, o mais excitante dos últimos tempos. Nem o ChatGPT deu conta do meu bloquei, mas fez render ótimas “conversas”. Então, por fim, decidi compartilhar como eu o tenho usado e as descobertas que me fazem sorrir por tamanha criatividade.
Eu comecei a usar o ChatGPT de maneira bem tosca como a maioria das pessoas, mas à medida em que fui entendendo as infinitas possibilidades (e o fantástico mundo dos prompts), passei a usá-lo para quase tudo, desde para fazer o cardápio da semana criado a partir de um orçamento pré-definido, respeitando sazonalidade local, etc., até como ferramenta para entender assuntos mais complexos, produzir e editar a Espiral e também para aprimorar a escrita em inglês, entre outras atividades.
Quando a minha terapeuta se ausentou num momento delicado da minha vida, eu recorri ao ChatGPT para tentar entender o que estava rolando. Eu estava ficando louca? Vendo coisas que não existiam? Colei conversas do WhatsApp e pedi para ele analisá-las. Fiquei surpresa com os insights que trouxe e aliviada porque eu não estava em estado de alucinação. Descobri depois não ser a única a fazer isso. Mas atenção: Nada substitui a terapia feita com um ser humano.
A virada de chave aconteceu quando usei o ChatGPT para produzir a edição sobre felicidade na Espiral. Ter acesso à uma tecnologia tão inteligente me permitiu aprofundar ainda mais a pesquisa sobre o tema. Fiz um curso, li inúmeros artigos e livros, assisti documentários, palestras e conversei sobre felicidade com amigos; utilizei o Notion como meu segundo cérebro para anotações e diariamente levava meu bloco de notas para o ChatGPT, que me trazia novas referências e insights.
Ao final do processo, eu colei no ChatGPT o caos de notas acumuladas ao longo da minha pesquisa e pedi para ele estruturar o esqueleto da newsletter. O resultado final pode ser conferido no Notion e na edição "Você é feliz?".
O processo todo me fez entender que o ChatGPT é uma ferramenta que estimula a criatividade, mas não executa o trabalho sozinha. Quanto mais criativos somos, melhores são os resultados.
Não vou entrar na discussão sobre se o ChatGPT vai roubar nossos empregos, pois se um trabalho é passível de ser substituído por uma máquina, então ele já está sendo roubado.
De acordo com especialistas, até 2026, espera-se que 90% do conteúdo online seja gerado por IA. O Buzzfeed foi uma das primeiras empresas de mídia a anunciar a demissão de 12% de seus funcionários, os quais seriam substituídos pelo ChatGPT. O Buzzfeed Brasil abraçou esse tema e apresentou motivos para amar e não morrer de medo do ChatGPT.
👻 Freak me now
“Eu ainda não sei como fazer isso bem, mas quero que os chatbots de IA se tornem como calculadoras para a escrita.” - Kelly Gibson, na Wired
Tão logo o ChatGPT ganhou fama, surgiram marketplaces de prompts. Mas afinal, o que são prompts? São nada mais do que comandos em texto e são neles que está o pulo do gato. Por isso, a criatividade humana é elemento chave para essas criações que tem viralizado todos os dias por conta do que parece ser originalidade. Ou você acredita que qualquer pessoa seria capaz de criar essa versão de Senhor dos Anéis:
O Wes Anderson, com sua estética peculiar, tem sido uma das referências mais utilizadas na criação de versões de filmes usando inteligência artificial.
Para entender como esses filmes são criados, recomendo este tutorial que mostra como eles criaram a campanha do Harry Potter para Balenciaga.
Alguns exemplos de prompts básicos, comandos para solicitar algo ao ChatGPT:
Crie um diálogo entre personagens que remeta ao estilo do Wes Anderson.
Descreva uma cena que poderia ser retirada de um filme dirigido por Wes Anderson, com todos os detalhes estéticos característicos.
Explique o que é blockchain como se eu tivesse 12 anos de idade.
Estou em Berlim, é primavera e você é o Yotam Ottolenghi. Crie um cardápio vegetariano sazonal "low carb" para 5 dias, contemplando almoço e jantar. Não esqueça de incluir um prato feito com aspargos. Somos 2 pessoas e eu tenho 50 euros no total para gastar com compras. Após o cardápio, inclua a lista completa de compras com a quantidade de cada produto.
Crie exemplos de prompts inteligentes como se você fosse Sally Rooney, criando um livro de ficção sobre a geração Z.
É possível pedir ao ChatGPT para criar prompts sobre um determinado assunto e evoluir no tema usando novos prompts que ele mesmo cria a partir do seu comando, os chamados meta prompts.
Vou escrever um livro de ficção científica cuja história acontece em um futuro distópico. Dê-me uma lista de 5 elementos-chave para explorar o conceito de distopia.
Estou trabalhando no planejamento estratégico para o lançamento de uma marca de tênis com foco na Geração Z. Crie a estrutura da apresentação com os tópicos que preciso abordar.
Lembrando que as perguntas são importantes e é nelas que mora a criatividade. Gosto desse exemplo em que uma pessoa pediu para o ChatGPT corrigir a redação que ela fez no Enem, em 2016, levando em consideração as 5 competências utilizadas pelo Enem. Também é possível ter o ChatGPT como co-piloto na produção de um texto, basta pedir que ele seja co-piloto complementando os textos que você for colando nele.
Para usá-lo como tradutor, é possível pedir para traduzir em estilos específicos. Por exemplo, ao traduzir um texto do português para o inglês, você pode especificar que deseja que ele reescreva o seu texto em inglês com um estilo criativo, jovem e inteligente, ou pedir que escreva o texto em um estilo formal, como se fosse um aristocrata inglês escrevendo.
O ChatGPT-3 tem uma limitação de tamanho de texto de 4.096 caracteres, mas isso pode variar de acordo com a complexidade da pergunta. Já o ChatGPT-4, disponibilizado para os usuários da versão Plus,
Tenho utilizado o ChatGPT em diversos projetos nos quais atuo. Recentemente, trabalhei na curadoria de um roteiro de viagem de inovação focada em perfumistas. O ChatGPT me trouxe insights sobre o que eu deveria explorar na cidade, listou lugares e até nome de pessoas que seriam interessantes de incluir no projeto.
Também fiz a curadoria para um guia de festivais de música, que demandava uma lista com festivais dedicados à música clássica. Como meu conhecimento nessa área era limitado, fiz uma pesquisa prévia usando o ChatGPT e, posteriormente, li resenhas via Google para conhecê-los melhor.
Caso queira se aprofundar ainda mais, existem vários cursos gratuitos no Youtube. Um que abrange bastante coisa é este do Preguiça Artificial. Gosto bastante dos vídeos que mostram hacks possíveis de serem feitos no ChatGPT. Sempre aprendo algo novo, inclusive hoje em dia crio planilhas a partir de pesquisas na própria ferramenta.
A inteligência artificial generativa não é humana e, portanto, não possui emoções nem habilidades para tomar decisões. É a criatividade humana que permite teruma combinação extraordinária, resultando em uma nova era de conteúdo imaginativo ilimitado, como os exemplos de filmes e projetos acima.
🫠 Getting better
Algumas dicas do que anda rolando na chatgptosfera e arredores e por onde tenho andado:
O ChatGPT-4, disponibilizado para contas Plus, já faz leitura de links externos e, através de diversos plug-ins, de PDFs;
O Notion integrou o ChatGPT na ferramenta e está uma maravilha para usá-lo. É bem simples e fácil, inclusive ele já tem alguns prompts automáticos, como “melhorar o tom do texto”, “deixar o texto mais longo ou curto”, “corrigir gramática”, etc. Custa US$10/mês;
O Bing funciona de maneira completa no browser Microsoft Edge, inclusive ele disponibiliza também o Dall-E gratuitamente para criar imagens;
Fiz esse curso “ChatGPT e ChatGPT Plus: O Guia Completo” que parte de coisas bem básicas, mas dá uma boa avançada ensinando ótimos hacks;
Gostei bastante da plataforma de IA Google Bard, mas ele está apenas em inglês. Na Alemanha eu consegui acessá-lo usando VPN;
Como usar o ChatGPT para melhorar sua habilidade na resolução de problemas.
Ferramenta para checar se um texto foi escrito por inteligência artificial.
🛑 Can’t Stop
“Há uma linha tênue entre inspiração e plágio. A IA apenas alimenta o lado dominante do seu operador humano.” - Clyde DeSouza
Abaixo alguns projetos criativos feitos com inteligência artificial:
🧠 O @str4ngething usa inteligência artificial para gerar combinações de roupas da Nike a partir de um programa chamado StyleGAN2-ADA que aprende com imagens de roupas da marca e cria novas peças e estilos.
🤯 Danielle Adams, formada pela Central Saint Martins de Londres, criou o Post-McQueen, projeto que utiliza a inteligência artificial para preservar a obra do estilista Alexander McQueen. Para o projeto, Adams alimentou um algoritmo com diversas imagens das criações do estilista. O modelo de IA foi então capaz de desenvolver novas imagens de moda parecidos, que Adams usou como inspiração para criar uma coleção de moda.
🪅 O Museu Salvador Dalí, na Flórida, usou a plataforma DALL-E para promover sua nova exposição Dream Tapestry. Os visitantes criaram imagens que juntas formam uma obra de arte cocriada, que pode ser visualizada em uma tela de 3,6 metros.
🗣️ Holly Herndon criou em 2020 o Holly+, projeto que combina música eletrônica e inteligência artificial. Ele envolve a criação de uma "voz coletiva" gerada por computador, alimentada por contribuições de pessoas de todo o mundo através de um aplicativo chamado "Spawn". Agora foi a vez da Grimes criar um projeto similar. A partir do software de inteligência artificial Elf.Tech, a artista disponibiliza sua voz como ferramenta de colaboração. De acordo com a Grimes, ela vai “dividir 50% dos royalties de qualquer música gerada por inteligência artificial que utilize a minha voz. É o mesmo acordo que tenho com qualquer artista com quem colaboro. Fiquem à vontade para usar a minha voz sem penalidades.
👩🏻💻 O Studio Snoop, de Sydney, lançou no último “Milan design week” a primeira designer de IA do mundo, Tilly Talbot, uma figura digital humanóide que ganha vida através de uma tela. No estúdio, Tilly ocupa o cargo de Designer de Inovação colaborando com a equipe humana na concepção de objetos de design. A prova de seu talento está na coleção Bauhau-AI, inspirada nos princípios da Bauhaus.
Never ending
Umas rapidinhas ainda sobre IA:
Sam Altman, CEO da OpenAI, pede regulamentação da inteligência artificial. Para entender mais sobre o problema em relação à ética, recomendo este artigo;
Inteligência Artificial + Emocional: A equação para o sucesso;
Creators no TikTok reescrevendo a história com inteligência artificial;
Este artista de K-Pop canta fluente em 6 idiomas. O segredo? IA;
The neighbors
E, antes de ir, um pouco do que está rolando na vizinhança:
🎧 Bati um papo delicioso com a
no podcast ;💌 Recebi da
uma das cartas mais bonitas que já me escreveram. Nela, ela fala sobre linguagem, imigração e tudo que vem no pacote quando mudamos de país. Na próxima semana a edição da Espiral será uma resposta à carta;💔 Foram tantas as homenagens à Rita Lee, mas gostei especialmente do texto da Dora, que escreve uma das minhas newsletters favoritas de música;
🆕 O
trouxe de volta o que era um dos meus blogs favoritos na golden age dos blogs.⚡️ Para quem gosta de relatórios, o
compartilhou uma lista ótima. O meu favorito é o do Radar: “Um futuro mais lúdico”.Tchau…. for you!
Um cometário pra dizer SEM COMETÁRIOS, amei demais essa edição (e muuuuito obrigada pela citação!). Tenho usado muito uma extensão do Chrome chamada Monica, que integra o chat gpt do ladinho e faz alguns resumos, traduções e reescritas que me ajudam muito na parte braçal do trabalho. Ainda que eu seja uma defensora da inteligência natural como protagonista, a inteligência artificial é fascinante e (polêmica) pela primeira vez sinto que me ajuda efetivamente no trabalho. Mas é isso, vamos tentar entender como evolui e principalmente como os humanos vão de fato usar. Porque é uma criação de empresas e essa ideia fixa ainda me impede de acreditar que as boas intenções vão prevalecer. Podemos falar sobre horasssss ♥️
Adorei demais essa edição! Confesso que sou implicante com IA mas ler seus textos sobre o tema tem me ajudado a quebrar muito disso. Tenho usado o ChatGPT bastante e muito surpreso com as respostas e insights! Uma belezinha pra pesquisar temas mais inóspitos ou subjetivos (hoje mesmo pedi "ajuda" para abordar uma pessoa para uma entrevista de um jeito não-invasivo), traduções e receitas de tudo que tem na geladeira. Obrigado por isso ♥️