*Trilha sonora para esta newsletter: Radical Romantics, Fever Ray, álbum que será lançado na íntegra no dia 10/03
Nunca achei que seria tão difícil escrever sobre a felicidade, mas foi inesperada a forma como o tema se desdobrou em tantos outros me levando a diferentes ramificações para conduzir o texto. Passei três semanas estudando, lendo, ouvindo e assistindo documentários e palestras sobre a felicidade. Conversei bastante com o ChatGPT para descobrir coisas novas e para discutir as minhas descobertas.
Deixo a newsletter com link para o meu “segundo cérebro”, ou seja, minhas anotações, referências, links e tudo o que passou por mim durante a produção dessa edição:
O resultado é mais prático e nada poético como pode ser esse tema tão bonito, mas bora lá!
A felicidade…
“Tristeza não tem fim
Felicidade sim
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranquila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.” - Felicidade, Antonio Carlos Jobim
Tendo sido criada no budismo, o tema felicidade esteve presente na minha vida desde a mais tenra idade. Decorei desde cedo os dez estados de vida (Jikkai) - ou dez mundos - inerentes ao ser humano, sendo o último deles o Estado de Buda ou Nirvana, a iluminação ou a felicidade absoluta - vários nomes para uma mesma coisa. Atingir o décimo estado, ao lado de alcançar a Paz Mundial, é o objetivo da maioria dos praticantes do Budismo. Mas ela existe? Como é essa tal de “felicidade absoluta”?
Nós experimentamos momentos felizes ao longo da nossa vida, mas atingir a “felicidade absoluta” não significa que a sentiremos de maneira permanente. Aprendi que ao alcançá-la, ganhamos sabedoria para lidar com os demais estados quando transitamos por eles, como a ira e a fome, por exemplo.
Sabemos que a busca desenfreada pela felicidade tem a capacidade de nos tornar mais infelizes. Nos últimos anos fomos tragados para dentro de uma cultura de positividade tóxica, onde manter-se positivo o tempo todo é o mantra, nos levando a abafar nossas emoções por acreditar que, com o nosso privilégio, não temos o direito de nos sentirmos mal, o que tornou o mundo um lugar mais infeliz para viver.
De acordo com o filósofo Tal Ben-Shahar, a obsessão por ser feliz o tempo todo faz as pessoas se sentirem péssimas. Aprender a aceitar e até mesmo abraçar as emoções dolorosas é uma parte importante de uma vida feliz, pois a felicidade não é um código binário, de um a zero, e sim uma montanha-russa. É uma viagem imprevisível que termina quando morremos. Para ele, a felicidade está em 5 condições humanas: Bem-estar espiritual, físico, intelectual, relacional e emocional, que nos permitem perseguir a felicidade de forma indireta e, por sua vez, nos ajudam a abraçar as emoções dolorosas e a crescer com a adversidade.
Eu sempre me considerei uma pessoa feliz na média, inclusive já fui a “pessoa irritante que está sempre feliz”, mas parte disso é resultado da minha criação que, como tudo, tem um lado bom e outro ruim. Bom porque sempre me fez aceitar as adversidades e me manter otimista. Ruim porque eu não aprendi a “problematizar” e isso fez com que eu vivesse parte da vida flutuando na borda com o medo de que, ao dar muita atenção a um problema, ele aumentaria de tamanho.
Eu fui ter dramas reais na vida - no meu ponto de vista - após os 40 anos, quando a história da minha família deixou de ser um conto de fadas para virar um episódio rocambolesco digno de uma novela mexicana.
Provei na prática a mágica que uma ótima alimentação, noites bem dormidas e exercícios físicos diários aliados são capazes de fazer por nós. Passei uma semana num spa sob uma dieta vegana sem qualquer estimulante (nada de cafeína), álcool e açúcar, aliada à uma rotina com caminhadas matinais, exercícios físicos, massagens e indo para a cama antes das 10h da noite. Quando a minha temporada se encerrou, eu lembro com sorriso nos olhos de dirigir 300 quilômetros de Penedo a São Paulo mergulhada num estado de felicidade tão magnífico que eu mal senti o percurso.
Em 2016 eu tive minha primeira experiência com Ayahuasca. Na época, eu me sentia no auge da minha vida (que bobagem!), então não foi surpresa que a tensão inicial deu lugar a uma bonita viagem para uma floresta tão colorida, vibrante e iluminada, que me fez sentir na terra dos Ursinhos Carinhosos. Eu sentia a felicidade saindo por todos os poros do meu corpo de tal maneira que achei que fosse materializá-la na minha frente. Quando voltei ao meu estado de consciência, eu me senti leve como poucas vezes na vida. Passei um mês flutuando até eu voltar ao meu estado normal. Conclui que o recado estava dado: “Eu sou feliz!”
Só voltei a repetir a experiência em 2019 nas vésperas de me mudar para Berlim. Achei que era o momento, inclusive para ver se eu tinha entendido a primeira incursão três anos antes. Agora eu carregava questões reais, dúvidas que me cutucavam e dilemas profundos querendo pular de mim. Se a primeira experiência foi um espelho da vida em que eu me encontrava na época, as próximas que vieram mostraram o inferno pessoal que eu varri para debaixo do tapete e o prenúncio do que estava por vir.
Foram experiências dificílimas, mas importantes. Fui do céu ao inferno e voltei. Sobrevivi e a aprendizagem só veio após três anos de terapia, o que me levou a entender os processos das cerimônias para então ressignificar a felicidade para mim.
Quando aterrissei na Alemanha com uma mala cheia de expectativas e planos pilhados no colo, eu sequer imaginava que uma pandemia daria cabo em todos eles. Foram meses oscilando entre a momentos felizes e outros de tristeza profunda, algo muito novo para mim. O que eu faço? Para onde eu vou? Como recomeçar? Cadê a família? E os amigos? Socorro!
Mudar de país colocou a minha felicidade à prova. Quando nos deslocamos do nosso país para outro, de uma cultura para outra, nós deixamos de ser quem éramos e levamos um período (re)construindo o nosso novo Eu. A sensação é de estar trocando de pele. A zona de conforto vira um lugar distante. Os dados são lançados.
Se outrora eu andava de mãos dadas com a felicidade, de repente eu vi essa danada me escapar. Eu tive dias imersos numa melancolia de dar dó, o que me ensinou mais do que quando eu vivia minha vidinha sem prestar atenção em mim e no mundo.
Mas não me entenda errado. Se eu voltasse no tempo eu estaria trabalhando para estar aqui agora.
Viver quarentenas seguidas me deixou um aprendizado: Passei a me olhar no espelho e ver além da minha imagem projetada, fazendo eu me enxergar em espiral.
O que é a felicidade se não “a certeza de que a nossa vida não está se passando inutilmente”.*
O que é a felicidade para você? Você está feliz? Me conta!
O que estudar a felicidade por três semanas me ensinou?
“A verdadeira felicidade não é uma entidade fixa, mas um espectro, emergindo em ondas e saltando entre altos e baixos ao longo do tempo.
Buscar a felicidade é uma parte compartilhada da condição humana, unindo-nos a todos apesar das diferenças, mas a felicidade é apenas um pilar da contentamento emocional. Bem-estar é mais emocionalmente abrangente, definido como o estado de se sentir feliz e saudável. Conselhos do CDC nos EUA sugerem que é a integração da mente e do corpo que pode prevenir doenças e promover a saúde. O bem-estar não pode ser alcançado sem felicidade em sua fórmula.” Fonte: “O espectro da felicidade”, WGSN
No começo de cada ano planejamos as nossas metas, reavaliamos a nossa vida e tentamos entender para onde queremos ir. Eu me dei conta de que para isso, eu precisaria dar um passo para trás, por isso resolvi estudar a felicidade.
O ChatGPT me indicou vários cursos gratuitos e online, mas fiz um que não apareceu no resultado: Gerenciando a felicidade, em Harvard, com Arthur Brooks, de duração de 6 semanas. Compartilho outros que o chatbot sugeriu que parecem interessantes:
A ciência do bem-estar (Yale) com Laurie Santos teve 1,5 milhão de inscrições logo que foi anunciada a pandemia do coronavírus. O único com legenda em português e duração de 10 semanas (comecei a fazer e estou curtindo). O seu sucesso deu origem a um novo curso sobre felicidade para adolescentes;
O caminho para a felicidade: O que a filosofia chinesa nos ensina sobre uma boa vida (Harvard), com Michael Puett, com duração de 13 semanas;
A ciência da felicidade (Berkeley), com Dacher Keltner e Emiliana Simon-Thomas, de 11 semanas.
Escolhi o “Gerenciando a felicidade” porque me desafiei a concluí-lo a tempo de escrever essa newsletter. É o mais curto, é bem atual e tem o selo de Harvard, universidade que lidera o maior estudo já feito na história sobre a felicidade.
O professor Arthur Brooks, autor da coluna “How to build a life” e do podcast “How to build a happy life”, explora a felicidade no curso através das ciências sociais, da neurociência, da filosofia e da psicologia. O curso oferece uma imersão no cérebro mostrando que o quarteto formado por endorfina, oxitocina, serotonina e dopamina, é a trilha sonora perfeita para a nossa felicidade.
Aprendi ao longo de seis módulos que a felicidade é observável, mensurável e manipulável. Brooks nos dá acesso à ferramentas que mostram como analisar e trilhar um caminho para uma vida feliz.
Spoiler: A felicidade está conectada diretamente com as nossas relações. A felicidade é o amor. Não à toa, o curso tem dois módulos só sobre o amor e relações.
Achei bem interessante conhecer a teoria do arco da vida, o U da felicidade. O economista David G. Blanchflower realizou um estudo a partir de diversos dados sobre bem-estar em 132 países e detectou, de maneira surpreendente, a repetição do padrão da curva U mesmo diante de contextos culturais tão diferentes. A teoria do arco da vida aponta quais são os momentos da vida em que as pessoas estão mais felizes. Ele mostra que nos sentimos melhor na adolescência, nos tornamos mais infelizes até os 45 e após os 50 anos o nível de felicidade começa a subir novamente.
Gostei de conhecer a psicologia positiva, conceito criado por Martin Seligman, usada para compreender a interação entre neurociência e as emoções, pois as evidências científicas comprovam que o amor é fundamental para a felicidade, protegendo nossa saúde física e emocional à medida que envelhecemos. Ou seja, a psicologia positiva foca nos motivos que fazem nossas vidas valerem a pena.
Uma pergunta que surge ao estudarmos a felicidade é se ela é genética. Durante o curso, eu me deparei com um estudo feito com irmãos gêmeos de genes idênticos nos anos 70, nos Estados Unidos, que foram separados ao nascer, criados em países diferentes, com economias diferentes. Com o passar dos anos, o estudo mostrou muitas semelhanças em relação aos seus níveis de bem-estar, seu comportamento e inclusive suas paixões. Em média, concluiu-se que a felicidade depende 50% da genética, 40% das escolhas pessoais e 10% do ambiente. Esses percentuais podem mudar em situações extremas, como uma guerra.
O altruísmo, o otimismo, o perdão e a gratidão também estão conectados diretamente com a felicidade e o bem-estar. Assistindo ao curso me veio à memória o trabalho voluntário que fiz com refugiados da guerra da Ucrânia, em Berlim. Apesar de todo o horror e a tristeza que tomaram conta de mim, eu me senti satisfeita e grata por poder ajudar. A sensação de propósito e significado na minha vida nunca esteve tão presente, assim como a minha própria autoestima melhorou na época. Ajudar o outro, é ajudar a si próprio.
Eu sou uma profissional generalista, nunca fui especialista em nada. Inclusive isso já me trouxe diversas questões e o curso aborda isso de uma maneira muito interessante, pois Brooks apresenta um estudo realizado pelo economista Ofer Malamud mostrando que generalistas têm mais chances de serem felizes do que especialistas.
O assunto me levou a um método criado por Bill Burnett e Dave Evans, que alia o design à psicologia positiva para desenhar uma vida satisfatória e feliz. Claro que virou livro: “O Design da sua Vida”, inclusive recomendo o TED com o Dave Evans sobre esse conceito. Comecei a ler o livro e estou gostando. Ele traz vários insights para (re)desenhar uma carreira profissional.
iGen
No curso também conhecemos a psicóloga Jean Twenge, que publicou um estudo mostrando os efeitos psicológicos causados pelas mídias sociais na geração Z, geração que nasceu conectada e passa o maior tempo nas telas, resultando em menor socialização cara a cara, maiores relatos de solidão e menor probabilidade de assumir riscos profissionais e românticos. Ela deu continuidade num estudo anual, que começou em 1973 e seguiu até 2016, contando com um total de 11 milhões de adolescentes participantes, para entender a satisfação em diversos aspectos de suas vidas. A partir de 2010, ela notou uma mudança drástica, para pior, nos resultados, como a falta da presença de amigos na vida com mais frequência, aumento de depressão e índices de suicídio, maior sensação de solidão, entre outros pontos críticos.
Já este estudo realizado na Holanda mostrou um resultado diferente. Detectaram a partir de uma análise de 200 mil mensagens trocadas que os adolescentes que usam o Instagram podem ser mais felizes do que achamos. Mas vale considerar que o estudo se iniciou em novembro de 2019 e se desenrolou na pandemia durante as quarentenas, ou seja, o contato com as pessoas por meio digital era o que tínhamos.
A pandemia nos fez enxergar a saúde de uma forma mais ampla, incluindo nutrição, sono e bem-estar mental. De acordo com a McKinsey, no Brasil, 74,1% das pessoas estão priorizando a saúde mais do que há dois ou três anos; esse número corresponde a 66,6% na China, 53,1% no Reino Unido e 48,2% nos EUA. A pesquisa também revelou uma estimativa de uma economia no mercado global de bem-estar de mais de 1,5 trilhão de dólares, com um crescimento anual de 5 a 10%. (Fonte: WGSN/Futuro do Bem-Estar)
Dados da felicidade
Entre tantas referências, as práticas me estimulam mais, mas no fim das contas estudar a felicidade nos leva às lições de autoajuda, mas com explicações científicas.
O estudo sobre felicidade, realizado pela Universidade de Harvard desde 1938, traz um lampejo sobre o assunto. O estudo inicialmente contou somente com homens e brancos, pois eram todos estudantes da universidade, mas logo abrangeu uma população menos favorável, porém ainda focada em homens. Hoje o estudo é bem mais diverso, pois os descendentes dos participantes foram incluídos, contando com uma amostra significativa para entender alguns dos principais ingredientes para uma vida feliz e longeva. Como dei o spoiler, estão conectados principalmente à qualidade das nossas relações. Lembre-se que investir em relacionamentos é estar presente. Xô telinha!
Esse também foi o resultado de outro estudo feito nas “blue zones”, regiões onde as pessoas vivem mais tempo no mundo.
Ou seja, a solidão mata. O álcool também. O abuso de álcool foi identificado como um importante preditor da morte no estudo da felicidade.
O Relatório de Emoções Globais da Gallup de 2022 mostrou que a infelicidade global alcançou recorde alto devido ao estresse, tristeza, raiva, preocupação e dor física causadas pela atual policrise. Quase um em cada 4 adultos (23%) teve momento de raiva no dia anterior à pesquisa.
“A infelicidade é um problema mundial, de acordo com o 2021 Negative Experience Index, do Instituto Gallup, que ao entrevistar adultos de 122 países, mostrou que as emoções negativas continuam crescendo (a preocupação subiu dois pontos, enquanto o estresse e a tristeza subiram um). A sociedade está lidando com esse caos crônico de diversas formas – apatia, dissociação e torpor. Estudos apontam que, quando estamos tristes ou exaustos, as emoções acima se transformam em um mecanismo psicológico de defesa.” (Fonte; WGSN/Consumidor do Futuro 2025)
Já o Relatório de Felicidade Mundial 2022 não mostrou surpresa com a lista de países que lideram o ranking. A Finlândia continua o país mais feliz do mundo pelo quinto ano consecutivo, a Dinamarca, o segundo, e a Islândia, terceiro. Hoje moro no 14º país mais feliz do mundo, a Alemanha, enquanto meu país natal, o Brasil, está em 38º lugar, 2 pontos acima em relação ao relatório anterior. O país mais infeliz é o Afeganistão. Para quem quiser ir mais a fundo, eu recomendo a leitura completa do relatório porque ele tem ótimos insights e apresenta detalhadamente a metodologia do estudo.
Box of Happiness
🙂 Você sabia que o primeiro emoji criado (1982) na internet foi um sorriso? O autor é Scott Fahlman :-)
🎨O artista Thomas Cole criou o conjunto de obras “A viagem da vida”, que ilustra essa edição, com 4 alegorias representando as fases da nossa vida que se encaixa perfeitamente para ilustrar a curva U da felicidade;
🪐 A felicidade em “The Midnight Gospel”;
🔗 Um guia completo sobre a felicidade;
🚴🏼♀️ A história do cara que foi estudar a felicidade de bicicleta; (bike)
🍲 A felicidade na memória gustativa em Caldo de Felicidade;
🗞️ Um especial sobre felicidade na revista Sleek;
🍿A verdade não contada sobre a felicidade.
E você, me conta o que achou dessa edição e como anda a felicidade por aí. 🙃
Preciso ir porque “Não tenho tempo pra mais nada, ser feliz me consome muito.” - Adelia Prado (O Pelicano)
Tchau e um ótimo fim de semana.
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Que brilho essa edição! Vi que tem uma versão gratuita do curso de Harvard, vou dar uma olhadinha nele, pois é um tema que me interessa muito.
Estava fazendo um frila que abordava o conceito de ressonância (de um alemão, Harmut Rosa), que é algo relacional e sempre positivo, que tem a ver com afeto e transformação. É uma tentativa de responder e enfrentar o mundo de raiva e aceleração em que vivemos. Achei utópico porém é importante se abrir para o que puder melhorar nossa vida. Na felicidade penso muito em redução de danos - não buscar a perfeição ou a plenitude, mas fazer o que for possível pra não piorar situações e criar condições mínimas pra respirar. Beijosss
Estou pasma e muito grata com a qualidade desse texto, com o cuidado e a "costura" de todos os links. Para ler e reler sempre.
Obrigada, obrigada, obrigada